por Adriana Gavaça – Às vésperas do lançamento do Plano Safra, o setor do agronegócio faz as contas e as apostas do quanto deve ser liberado em recursos para o próximo ano safra. As expectativas são de aumento em relação ao volume do ano passado, quando foram anunciados R$ 340,9 bilhões em linhas de crédito.
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Só para custeio e comercialização foram R$ 246,3 bilhões e, para investimentos, R$ 94,6 bilhões. O valor total representou aumento de 36% em relação ao Plano anterior, conforme dados do Ministério da Agricultura. Mas, mesmo com o volume um terço maior, os recursos do Plano Safra 2022/2023 se esgotaram rapidamente, já em setembro passado: apenas três meses após seu lançamento.
Importante mecanismo de fomento ao agronegócio, o Plano Safra – destina, todos os anos, recursos para as linhas de crédito para custeio e investimento no setor e dispõe de diversos programas de modernização, inovação e sustentabilidade – também serve de balizador das taxas de juros para o mercado de crédito privado. É por isso que, em ano de taxas nas alturas (os juros médios de contratos no setor privados beiram os 20% ao ano), o percentual praticado nas principais linhas do Plano são aguardadas com ansiedade.
Em entrevista à Máquinas & Inovações Agrícolas, o diretor-técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi, acredita que essas taxas ainda devem seguir pressionadas, até porque o mercado projeta, através do relatório Focus, divulgado pelo Banco Central, taxa Selic de taxa 13% ao ano, em dezembro, o que em seu entendimento, ainda é um valor elevado.
“Isso é ruim para o produtor? É, mas não tem para onde correr. É a forma como o Banco Central tem trabalhado. É uma medida amarga, mas é o que tem sido feito para controlar a inflação”, assinala.
O executivo comenta também sobre uma expectativa do mercado, de o governo antecipar o anúncio do Plano Safra para a Agrishow. Acompanhe:
Quais as demandas atuais dos produtores para o Plano Safra 2023/2024?
Em relação ao Plano Safra, a CNA fez uma rodada nas confederações. Estivemos nas principais regiões produtoras, sendo um estado dentro de cada região, e identificamos, com os produtores, quais seriam suas prioridades. Nos foi colocada muito a questão do custeio.
Percebemos que o produtor, de todas as regiões, está muito preocupado com as taxas de juros elevadas, o que faz com que investimentos, nesse momento, sejam mais complicados. Não é que o produtor não pretende investir. Mas, o que ficou claro é que, aqueles que podem postergar essa contratação farão isso, como já tem ocorrido. Então, percebemos que a prioridade de boa parte dessas regiões é por recursos para o custeio.
E quando devem voltar os investimentos?
Em relação aos investimentos, notamos que as prioridades têm se concentrado em linhas como do Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), do Plano ABC e de linhas de irrigação. Discutimos muito as questões voltadas para os médios produtores do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que também colocaram que os juros têm sido um dificultador para eles.
Eles têm vivenciado uma escala menor de lucro. A margem, de certa forma, nesses casos, é mais complicada, não se consegue ganhar na escala. Com taxas de juros maiores, os impactos são muito mais intensos para eles. Então, para esse perfil de produtor, a busca será por tentar taxas menores do que temos hoje em boa parte do mercado.
Agora, um ponto que foi unanimidade em nosso levantamento, foi a questão do seguro rural, que é algo que o setor tem visto com bastante preocupação. Nós tivemos muitas perdas nos últimos anos, principalmente na região Sul do País, em que foram registradas secas severas, por conta do La Niña. A política do seguro rural foi importantíssima para conseguir manter a produção nesta região.
Diante desse cenário, quais são as propostas da CNA?
Pedimos ao governo pelo menos R$ 2 bilhões para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que oferece ao agricultor a oportunidade de segurar sua produção com custo. Ainda estamos fechando a conta dos recursos como um todo esperados para o Plano Safra para esse ano. De quanto será o montante. Mas, do que tivemos de incremento de preços, achamos que o volume de recursos deverá girar em torno dos R$ 400 bilhões, somando custeio e investimento. Mas ainda é um valor que pode sofrer alteração.
De recurso de equalização, a gente imagina que vai passar dos R$ 20 bilhões para conseguir equalização e taxa de juros. Foi o mesmo que pedimos ano passado. Esse ano, achamos que esse volume deva alcançar de R$ 23 bilhões a R$ 25 bilhões. É um volume bem maior do que o do ano passado, por conta da alta de custos que os produtores relatam que tiveram.
É verdade que teve um alívio no preço dos fertilizantes este ano, que caíram cerca de 30%, mas teve fertilizante no ano passado que subiu 100%. Então, cair 30%, agora, não significa que vai chegar no mesmo valor que tínhamos antes do início da guerra na Ucrânia. O preço ainda está bastante elevado.
Além disso, boa parte dos produtores relata que hoje está pagando financiamento mais elevado e que o preço dos produtos vem caindo. Quando analisamos o preço de milho, soja e boi, pegando o preço até o mês passado, ano a ano, observamos que houve uma média de queda de 15% a 20% no preço desses produtos.
Isso mostra que o preço dos principais produtos agropecuários tem caído, enquanto que o custo não tem caído na mesma proporção. É um cenário preocupante, porque com a taxa de juros de mercado, que tem chegado a quase 20% ao ano, há uma preocupação com o achatamento da margem de lucro desse produtor.
Havia um pleito no mercado para que o Plano Safra fosse adiantado e anunciado, inclusive, na Agrishow. Como a CNA tem se posicionado a esse respeito?
Depende muito das negociações com o Ministério da Fazenda. Sabemos que Ministério da Agricultura já iniciou essas conversas, mas é algo que demora um pouco mais. Então, acredito que pode ser cedo esse anúncio para a época da Agrishow.
Boa parte das negociações, tradicionalmente, é fechada às vésperas do anúncio do Plano, já no final de junho, faltando poucas semanas para ele entrar em vigência. Por isso, acho que seu anúncio pode seguir o rito normal.
Quais as expectativas em relação aos recursos liberados?
Há muito tempo, o crédito rural oficial não consegue acompanhar a velocidade de crescimento do setor. Isso é perfeitamente compreensivo nesse governo, porque já aconteceu nos anteriores. O Plano Safra é importante muito mais no sentido de fomentar algumas políticas, que não teriam do mercado privado uma facilidade como existe hoje no governo, como as linhas de produção sustentável, caso do Plano ABC, por exemplo, por ser iniciativas que demoram a dar retorno. E também a construção de armazéns, que é um investimento de alto custo.
Então, é importante que haja o Plano Safra, até para direcionar investimentos em linhas específicas e, principalmente, para favorecer o pequeno investidor, que tem mais dificuldade para acessar o mercado privado de crédito rural. Tivemos algumas evoluções, especialmente no governo anterior, na gestão da ministra Tereza Cristina, quando foi aprovada a Lei do Agro e dos Fundos de Investimento do Agronegócio (Fiagro), que foram iniciativas que trabalham a questão do mercado de capitais e visam aumentar o funding do setor agropecuário nacional. É por isso que acreditamos que o mercado privado deve seguir sendo a principal fonte de financiamento para o setor.
O que precisamos trabalhar agora é em como fazer com que mais investidores busquem o agro. Como dar mais transparência, visibilidade e garantias desse setor. O que para nós é muito comum, para o investidor, que não é do setor, existe dificuldade de entendimento de como as coisas funcionam, o período, a necessidade de recursos, custos e tudo mais. Esse é um trabalho que temos feito, inclusive, na CNA. Nossa ideia é fazer um seminário sobre o Fiagro, até para dar mais visibilidade, construir mais entendimento com os produtores e com os investidores. Esse é um caminho que tem que ser pavimentado.
E quanto aos volumes destinados à compra de máquinas agrícolas?
A questão do financiamento de máquinas é algo que, de certa forma, conta com várias condições de mercado. Além dos bancos de montadoras, os próprios blocos facilitam a compra desses equipamentos, que é algo que ajuda muito no incremento da produtividade. Além disso, a própria máquina é uma garantia. Então, há mais facilidades para buscar investimentos para a compra de máquinas do que fazer um programa ABC ou um programa de armazenagem, por exemplo, que são mais complexos, e cujo tempo de retorno é maior.
Máquina, de certa forma, conta com recursos do Moderfrota, além do próprio capital do produtor, que nos últimos três anos, priorizou a compra desses equipamentos, por entender que o investimento dá resultado. Acho que esse é o ponto: é um investimento certo, que vai trazer maior rentabilidade para ele.
Essa demanda por equipamentos continua, e é algo que é crescente. A única coisa que pode inibir é esse achatamento das margens do produtor, aliado a taxas de juros de mercado muito elevadas. Esse é um ponto que precisamos acompanhar para ver como vai se comportar, após o anúncio do Plano Safra. Porque boa parte das taxas de mercado usa as taxas do Plano Safra para se balizarem.
A demanda, ainda acreditamos, será crescente, até porque a tecnologia se faz presente dentro do sistema produtivo da agropecuária brasileira. Ela é essencial para que o Brasil continue competitivo no cenário mundial e só não avança mais, muitas vezes, pela questão da falta de recursos.
No final do ano passado, a CNA manifestou preocupação com desafios tanto internos quanto externos…
Acho que tem muita coisa que comentamos no final do ano passado que podemos agora avaliar como vem se desenhando. Quando falamos dos primeiros meses de governo, vemos que o mercado já precificou a atual gestão. Havia uma expectativa de que o PIB ficaria na casa de 1%, no ano, e não fugiu muito disso. Isso expressando já 2023. O último boletim Focus, do final de março, aponta que o PIB do Brasil ficará em torno de 1,1% no ano.
Então, não há uma expectativa de crescimento exorbitante dentro do País. A questão da geração de emprego e até uma sinalização de ajuste fiscal precisam ser dadas ao mercado. Da mesma forma, a questão da taxa de juros. A Selic ainda segue para fechar o ano em 13%, que é um valor elevado. Com isso, não foi dado para o mercado um sinal de que ele pode trabalhar com taxas menores. Isso é ruim para o produtor?
É, mas não tem para onde correr. É a forma como o Banco Central tem trabalhado. A medida é amarga, mas é o que tem sido feito para controlar a inflação.
E falando de inflação…
A perspectiva é de que haja ainda um crescimento dessa taxa. Fechamos 2022 com expectativa de 5,8% de inflação, e lembro que, em nosso balanço (divulgado em dezembro), apresentamos um número menor. E o último dado do boletim Focus mostra que ela está em 6%. Então, em um cenário de inflação alta e economia que não cresce na velocidade que gostaríamos, temos uma dificuldade de absorver produtos do agro, como um todo.
Como falei, o setor é importante para a balança comercial brasileira, mas boa parte do mercado consumidor do agro é o Brasil. Temos seis produtos, apenas, que são mais exportados do que internalizados: café, algodão, açúcar, soja, suco de laranja e celulose.
O resto, todos eles, boa parte da produção fica mais no Brasil do que são exportados. Isso significa que, se não tivermos a população brasileira consumindo, principalmente produtos de valor agregado, determinados cortes de carne, derivados de lácteos, alguns tipos de frutas, realmente podemos ter uma situação para o produtor em que a oferta pode ser maior do que a demanda.
E, embora não haja expectativa de que teremos custos com valores tão elevados, como em 2022, eles seguem pressionados. Somado à queda de valor de produtos agropecuários, chegamos a uma margem menor para o produtor. Então, internamente, o cenário não contribui para uma ampliação de preço ao produtor. Não estamos assistindo a um aquecimento da economia para favorecer a ampliação do consumo.
E o mercado externo?
No mercado externo, o que temos visto é que tem se confirmado aquela previsão de baixo crescimento do PIB mundial. Não é que ele não vai crescer, mas será um aumento em patamar menor. Isso também não favorece um consumo maior dos países que já vinham negociando produtos brasileiros.
É um crescimento ainda há uma taxa menor do que a de anos anteriores. Sem falar que, esse ano, se somam ainda as questões ligadas a ações protecionistas, como a questão europeia, em que criaram um arcabouço legal tentando evitar produtos oriundos do desmatamento, mas que sabemos se trata muito mais de uma barreira contra o Brasil. Essa legislação fere a soberania dos países e cria uma política de monitoramento, que nem eles sabem como vão aplicar.
A CNA pensa, inclusive, em acionar a OMC em relação a isso, em função dessa política que tem muito mais um ar de protecionismo, porque ela diferencia os países, cria uma classificação arbitrária, que um pode ter alto risco, o outro médio, outro baixo e eles mesmo não cumprem boa parte do que exigem.
Isso se mantém e é algo que a gente tem visto com bastante preocupação. Nosso intuito é sempre o de criar um cenário livre de amarras e de protecionismo, de interferências negativas de mercado, onde possamos expressar toda competitividade do agro brasileiro.
*Entrevista realizada em 10 de abril de 2023
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