Mercado de máquinas usadas cresce acima do ritmo dos equipamentos novos

As vendas de máquinas agrícolas novas crescem na ordem de 20%, enquanto a comercialização das máquinas usadas chega a ser três vezes mais

Mercado de máquinas usadas cresce acima do ritmo dos equipamentos novospor Ana Machado – Em uma sequência de resultados positivos, o crescimento das vendas de máquinas agrícolas novas tem sido surpreendente. Ao longo de 2022, a alta foi de quase 20%. Em março deste ano, subiu 34% em comparação com o mesmo mês do ano passado. Os dados são da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), que faz esse levantamento junto às fabricantes e aponta o desempenho favorável das commodities como razão principal para a aquisição dos equipamentos.

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Se esse mercado tem apresentado resultados tão expressivos, vale lembrar que o de máquinas usadas tem um alcance ainda maior. “Chega a ser três e até quatro vezes maior que o de equipamentos novos”, explica Marcelo Kozar, diretor executivo do Grupo Via Máquinas, responsável pelo primeiro site de leilão exclusivo para máquinas agrícolas usadas.

Segundo ele, o segmento sempre ocupou um papel de destaque, mas alcançou o seu ápice durante a pandemia. “Houve a falta de componentes para a fabricação de alguns equipamentos, principalmente tratores e colheitadeiras, e eles ficaram indisponíveis para a pronta entrega nas concessionárias, causando o aumento da procura por máquinas usadas como alternativa para a crise que se instalou”, contextualiza Kozar.

Como o calendário agrícola não para, os produtores tiveram de recorrer aos equipamentos usados mesmo diante de preços muito acima do que normalmente era praticado. Em paralelo, houve uma grande especulação, com todo mundo guardando suas máquinas usadas, na expectativa de vendê-las mais caras – fato que influenciou ainda mais o boom nos preços. Na época, o valor de uma máquina usada chegou a ficar 300% mais caro, conforme o executivo.

Com o fim da pandemia e a normalização dos insumos na indústria, a situação agora é outra. “O que acontece hoje é que as redes de concessionárias estão com um estoque alto de usados, só que eles foram recebidos com um valor muito elevado. Na outra ponta, o consumidor dessas máquinas não está comprando porque está esperando o preço cair. Isso vai acontecer? Vai, mas está dependendo muito do fôlego financeiro de cada revenda”, comenta Kozar. Segundo ele, em algum momento essas concessionárias vão ter de assumir o prejuízo para conseguir girar os estoques. Ou o mercado vai se organizar para financiar essas máquinas com prazos e condições de pagamento mais atrativas.

Essa última opção tem sido a estratégia adotada pela indústria de máquinas novas. “Tem montadora que está oferecendo só 10% ou 20% de entrada, com dois anos de carência e mais cinco anos para fazer a quitação, com os juros do financiamento abaixo de 10% ao ano”, relata Kozar. “E isso está ocorrendo justamente para não derrubar os preços de imediato, porque a indústria também comprou os componentes e insumos com valores altos”, completa.

Na visão do executivo, quando a situação se normalizar por completo, e for possível perceber uma queda no preço dos novos, o mercado de usados tende a encolher. A explicação para isso é que quem migrou para o usado, logo vai voltar para o novo.

“Não existe uma competição entre esses dois mercados. Quem compra novo, sempre vai preferir novo. O que houve foi uma situação atípica que levou esse produtor para o mercado de usados, mas ele nunca foi, de fato, consumidor desse segmento. Inclusive, os preços dos usados já caíram significativamente. Quem hoje está oferecendo uma máquina usada, vai perceber que o valor oferecido pela revenda é muito inferior àquele que estava sendo praticado há dois anos”, esclarece.

Parâmetros mais precisos

Quando o assunto é valor de mercado, Kozar é especialista. Foi ele quem ajudou a formular a primeira tabela com os preços de referência das máquinas e equipamentos agrícolas usados. “Venho desenvolvendo o algoritmo da Via Consult desde 2006. Naquela época, esse trabalho era feito ainda em uma planilha do Excel, na qual a fórmula chegou a ficar tão pesada que conseguia travar o computador. Isso porque a análise de preços de máquinas agrícolas envolve uma série de fatores. Não dá para comparar máquinas de regiões diferentes do País, visto que cada estado tem suas peculiaridades. É preciso levar em conta todos os fatores regionais para definir quanto vale uma máquina em um determinado local. Isso foi muito trabalhoso, mas foi o que possibilitou a geração de um aplicativo com acesso gratuito, no qual as pessoas conseguem descobrir o valor aproximado das máquinas já com todos esses fatores regionais embutidos”, descreve.

De acordo com Kozar, as pessoas costumam simplificar a depreciação dos ativos e isso é um grande problema. Uma coisa é a depreciação da máquina assim que ela sai da concessionária, que chega a ser de 20%, porque o equipamento deixa de ser considerado novo. A partir daí, o quanto ela vai desvalorizar, não é fácil de prever. 

O Rio Grande do Sul, por exemplo, é o estado com as máquinas usadas mais caras do Brasil. Isso acontece por diversas razões, e uma delas tem a ver com o tempo de uso, que normalmente é menor do que em outros locais do País. A título de comparação, Kozar explica que o tempo de uso de um trator no Rio Grande do Sul varia entre 500 e 700 horas por ano, no máximo. Enquanto no Mato Grosso chega a 1200 ou 1300 horas por ano. Por conta disso, estima-se que um trator de mesmo ano, modelo e fabricação usado no Sul chega a ser entre 30 e 35% mais caro que no Sudeste.

Mas, de maneira geral, o preço dos tratores usados é calculado por cavalo (cv). “Hoje, uma máquina com cinco anos de uso, alcança uma média de 1.500 a 2.000 reais por cv. A partir de 6 anos de uso, o cv baixa para mil reais. Dessa forma, um trator de 75 cv, com 10 anos de uso, está na faixa de 75 mil reais. Essa lógica, no entanto, acaba não sendo aplicada em outros tipos de máquinas agrícolas, pois são usadas outras metodologias de cálculo”, aponta Kozar.

Para não ter erro, o meio mais simples de consultar os valores é com o app da Via Consult, que tem a tabela atualizada constantemente, com os preços praticados inclusive no atacado e varejo. Recentemente, a própria Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) passou a publicar a Tabela Fipe de Preços de Máquinas Agrícolas. Disponível desde agosto do ano passado, ela ainda é incipiente, pois abrange apenas tratores e colheitadeiras, mas é possível filtrar por sete grandes marcas, além de modelo e ano de fabricação.

Como acertar na escolha 

O mais importante, conforme o professor Kleber Pereira Lanças, titular de Mecânica Aplicada do Departamento de Engenharia Rural da Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP, é se certificar sobre o estado geral da máquina usada. “O produtor nunca deve fechar negócio sem saber se a manutenção está em dia e qual é o nível de desgaste dos componentes. Afinal, sem esses parâmetros não dá para dizer se vale a pena ou não o investimento”, diz.

Nesse ponto, Lanças afirma que acaba sendo mais ou menos o mesmo processo de revisão antes da compra de um carro, no qual a pessoa interessada leva o veículo em uma oficina para ter um laudo completo emitido por um mecânico de confiança. A diferença é que, no mercado de máquinas agrícolas, o ideal é ter um parecer de um técnico especializado nesse tipo de equipamento.

Marcelo Kozar corrobora a visão do professor e diz que naturalmente as pessoas tendem a comparar o mercado de máquinas e equipamentos agrícolas com o de veículos, mas é necessário lembrar que são dois nichos completamente distintos. “Máquinas e equipamentos agrícolas não são veículos, ou seja, não são bens de consumo, mas, sim, bens de capital. São equipamentos desenvolvidos para gerar riqueza. Assim como acontece nas demais indústrias, as máquinas existem para fabricar outros produtos. E, para comprar um bem de capital, é necessário ter apoio de um especialista, alguém que realmente entenda o equipamento e sua aplicabilidade”, pontua.

Um bom técnico consegue dar um primeiro diagnóstico até mesmo a partir da vibração e do ruído do equipamento. Isso porque esses fatores são capazes de indicar se a máquina está com folgas nas peças, com componentes desgastados ou com problemas mais graves.

No caso de uma máquina grande, o principal elemento a ser analisado é o motor. Além de sua importância para o bom funcionamento do equipamento, trata-se de um componente mais caro e que precisa ser prioridade no momento da análise. É necessário observar o tempo de uso, se não está fumaceando, se há vazamentos, se a potência está sendo atingida, entre outros detalhes. 

Com o motor em dia, parte-se para uma análise criteriosa e individual dos outros componentes da máquina, desde as transmissões, rolamentos, sistema de arrefecimento, caixa de mudança de marcha e todo o resto. É certo que algumas peças são mais baratas e recomenda-se a troca, mas um check-list bem-feito abrange tudo, inclusive a funilaria.

Cuidado com os anúncios online

Hoje em dia, existem muitos marketplaces voltados ao agronegócio. Trata-se de plataformas online nas quais até mesmo um produtor pode anunciar uma máquina que deseja se desfazer. Eles funcionam como as antigas “páginas amarelas”, com os dados das máquinas e uma forma de entrar em contato com quem está vendendo, seja um produtor, seja uma revenda.

Inclusive, com pessoas mal-intencionadas, que anunciam máquinas baratas com a intenção de se aproximar do produtor para um possível sequestro, ou que anunciam máquinas alienadas, com financiamento em atraso no banco, e até mesmo máquinas com vícios e danos não mencionados. Nesses casos, é preciso tomar muito cuidado, porque não é a plataforma que está oferecendo aquele equipamento, e sim os anunciantes que se cadastram nela.

Além dos marketplaces, há ainda muitas lojas online. Para evitar golpes no ambiente digital, Kozar indica ainda que o produtor deve se certificar se o site está hospedado no Brasil e sujeito à legislação nacional. “Para descobrir isso, é muito simples: o site precisa ter o final ‘.com.br’. Isso significa que o site tem um CNPJ/CPF e, obviamente, uma pessoa que irá responder por qualquer tipo de dano”, alerta.

Outro fator a observar, conforme Kozar, é o canal usado na hora da compra. “Há muitos grupos de aplicativos como WhatsApp nos quais as pessoas publicam o anúncio de uma máquina e ela passa a ser comercializada dessa maneira, totalmente informal. O produtor deve se perguntar sobre quem é a pessoa que está vendendo. Afinal, como ele vai negociar um bem que pode ser a chave de sucesso da sua fazenda e até mesmo do futuro da própria família, via WhatsApp?”, questiona.

Alto potencial de expansão

Não dá para pensar no mercado de máquinas usadas sem falar do quanto ele é útil para o produtor que não tem condições de investir em um equipamento novo. Embora a indústria ofereça muitas opções de financiamento, quem opta por um usado normalmente tem de arcar com os custos à vista, mas acaba compensando porque é possível obter uma grande economia.

No caso dos pequenos produtores, inclusive, pode ser a única forma de conseguir se mecanizar. Agora, com a sobra dessas máquinas usadas no mercado, talvez seja o momento ideal para estar atento às oportunidades.

De acordo com o professor Lanças, da UNESP, trata-se de uma evolução natural, porque o campo está se mecanizando cada vez mais e para praticamente todo tipo de porte de produção. “Antigamente, a aquisição de uma máquina agrícola era algo restrito aos grandes produtores. Hoje em dia, o médio e o pequeno agricultor também estão comprando máquinas.

Isso explica por que o mercado não para de crescer. E como a economia rural é composta, em sua maioria, por pequenos agricultores, essa demanda só tende a crescer. Basta pensar que 60% dos alimentos produzidos no País vêm dessa parcela da agricultura familiar e que ela está mecanizando e automatizando processos sempre que possível”, pondera. 

Conforme o professor, que atua justamente na pesquisa de soluções de mecanização voltadas à agricultura familiar, há muito tempo o pequeno produtor sabe que a mecanização traz ganhos, mas não havia muitas oportunidades para investir.

“Agora, além de mais opções de financiamento, muitos agricultores conseguiram se capitalizar por conta de safras recordes e da alta no preço de algumas culturas, como a de grãos. Neste ano, como tivemos um longo período de chuvas, com certeza a produção também será mais alta. Dessa forma, 2023 tem tudo para ser muito especial para o agro, com produção e preços mais altos. Afinal, nem sempre há essa conciliação: às vezes o preço está alto, mas a produção está baixa, ou vice-versa. A expectativa é de novos recordes e isso deixa toda a cadeia otimista e mais inclinada a fazer novos investimentos”, estima Lanças.

Assim como o professor, Marcelo Kozar também enxerga um grande potencial a ser explorado. “Se pensarmos que atualmente o Brasil tem aproximadamente cinco milhões de propriedades rurais e que apenas um milhão é mecanizada, tudo o que se produziu de máquina agrícola desde os anos 1960 só atendeu um quinto da demanda do País”, esclarece o executivo.

 

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