A toda hora surgem produtos e procedimentos operacionais para executar as atividades com mais eficiência e eficácia. Mas tecnologia para maquinários agrícolas deve ser simples
Por *Joel S. Alves – Vivemos um prodigioso desenvolvimento de novas tecnologias. A toda hora surgem produtos e procedimentos operacionais para executar as atividades com mais eficiência e eficácia, com maquinários bastante tecnológicos. Pode-se até afirmar que há algum exagero, tamanha a variedade de novos produtos que nos são apresentados. Via de regra, as novas tecnologias propiciam condições para ampliar a produção de alimentos, mais rapidamente e com menos custos, e, consequentemente, aprimorar resultados e aumentar o lucro.
Muitas tecnologias se estabelecem e são aperfeiçoadas, enquanto outras são passageiras: surgem, permanecem por algum tempo e depois desaparecem (às vezes, bem rapidamente), gerando estrago financeiro significativo para quem nelas apostou. Dessa constatação surge um dilema. O que fazer? Como saber se determinada tecnologia será realmente duradoura?
Parece que no mundo atual tudo é muito rápido, e muda constantemente. Será que é assim mesmo? E os custos do sucateamento de máquinas e implementos que não produziram o suficiente para arcar com os valores investidos? São indagações que muitos se fazem na hora de adquirir maquinário com mais tecnologia. Como questionar é a máxima da filosofia, vamos recorrer a um filósofo contemporâneo.
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No outono de 1948 o filósofo alemão Martin Heidegger, publica um escrito (O Caminho do Campo) que certamente nos aponta o rumo. É o seguinte:
“O Simples guarda o enigma do que permanece e do que é grande. Visita os homens inesperadamente, mas carece de longo tempo para crescer e amadurecer. O dom que dispensa está escondido na inaparência do que é sempre o Mesmo. As coisas que amadurecem e se demoram em torno do caminho, em sua amplitude e em sua plenitude dão o mundo. Todavia, o apelo do caminho do campo fala apenas enquanto homens nascidos no ar que os cerca forem capazes de ouvi-lo. Assim o homem se dispersa e se torna errante. Aos desatentos, o Simples parece uniforme. A uniformidade entedia. Os entediados só veem monotonia a seu redor. O Simples desvaneceu-se. Sua força silenciosa esgotou-se. O número dos que ainda conhecem o Simples como um bem que conquistaram, diminui, não há dúvida, rapidamente. Esses poucos, porém, serão, em toda a parte, os que permanecem. Graças ao tranquilo poder do caminho do campo, poderão sobreviver um dia às forças gigantescas da energia atômica, que o cálculo e a sutileza do homem engendraram para com ela entravar sua própria obra.”
Menos é mais nos maquinários agrícolas
Eis o rumo a seguir: o Simples. A tecnologia tem que ser simples, a eficiência e a eficácia estão na simplicidade. É assim mesmo: há uma nova máquina no mercado. A indagação a ser feita é a seguinte: é simples ou é complicada? Se complicou, cuidado, pois pode se tratar de mais um “Frankenstein” se aproximando.
Em “O Caminho do Campo”, Martin Heidegger parece que acertou “inesperadamente”, pois o Campo é o Caminho, e quem vive e conhece o agro sabe muito bem que tudo tem o seu tempo; tempo para preparar o solo, tempo para semear, tempo para nascer e crescer, e tempo para colher. E se atropelar ou pular etapas, nada acontece. O homem do campo é simples, mas não é uniforme, não é desatento. A simplicidade é que permanece – e é grande. Assim também deve ser a tecnologia: simples. Em se tratando de máquinas, que simplicidade seria essa?
Vamos direto ao ponto: simplicidade de funcionamento, manutenção, operação… Tudo deve ser Simples. Mas isso é possível? Sim, e há vários exemplos. Citamos alguns: dispositivos e sistemas eletrônicos, tanto de controle como de monitoramento. Como eram os controles mecânicos? Alavancas, catracas, molas, uma parafernália de peças. Como é hoje: uma manete, alguns botões, cabos de conexões, monitor de vídeo, tudo simples e eficiente. Claro, pode ser ainda mais; os sistemas eletrônicos evoluem muito rapidamente, porém é necessário estar atento, pois há muito complemento sem utilidade que não passa de “perfumaria” sem aplicação e que apenas perturba o trabalho de quem executa o serviço. Isso acontece, principalmente, na tela do monitor de controle. Como há infinitas possibilidades de visualização, muitas vezes há poluição visual de informações. Podemos afirmar que o uso dos recursos da eletrônica é uma tecnologia da simplicidade.
O caminho do simples
E na mecânica? Aí, complica. Motores de combustão, transmissão mecânica de força, isso é problema… Parece que estamos vivendo ainda o pós-guerra da década de 1950 do século passado. O complicado está na ligação do eletrônico com o mecânico. Eixos, engrenagens, luvas de engate, mangas de acoplamento etc. são peças ainda presentes nos sistemas de transmissão de muitas máquinas e não se integram muito bem com sistemas eletrônicos. Mas, tem solução? Sim. Transmissão de força hidráulica – este é o caminho, o caminho do Simples. Porém, ainda pouco utilizado.
Parece haver um certo receio no uso de tração hidráulica nas máquinas. Chegamos ao ponto de algumas utilizarem o hidráulico e o mecânico em conjunto para o mesmo sistema de transmissão. A transmissão de força somente hidráulica é possível e já é utilizada em muitas máquinas, como os pulverizadores autopropelidos na agricultura e as escavadeiras na construção civil e em máquinas multifuncionais. Então, estamos chegando ao Simples nos sistemas de transmissão de força, ainda lentamente: transmissão hidráulica, também conhecida como hisdrostática.
E os motores? Lamentamos profundamente afirmar que o atraso tecnológico é ainda maior que no caso das transmissões mecânicas. Motores de combustão interna, nos moldes que nos apresentam atualmente, são arcabouços anteriores às grandes guerras do século passado. Remontam a década de 1930. Basta olharmos os componentes básicos de um motor atual e compararmos com aqueles hoje expostos em museus e, tristemente, constatamos que pouco mudou. Vamos enumerar algumas peças: cilindro, pistão, biela e virabrequim.
Em 1930 eram assim os motores e, atualmente, também. Não podemos concordar que isso seja tecnologia. O Simples anda muito longe dos motores de combustão interna atual. E o problema se agrava pela falta de perspectivas, em um horizonte próximo, de surgimento de novas tecnologias para motores de combustão, parece que estamos empacados nesse velho arcabouço de cilindro, pistão e biela, e não saímos deste atoleiro, e faz tempo, até podemos apelar para um dito popular: “batendo biela”.
Fazem falta cabeças para desenvolverem novos motores de combustão ou de outra fonte de energia, que sejam mais simples e eficientes. Destacamos ainda a questão da poluição de motores que utilizam combustíveis altamente prejudiciais ao meio ambiente e à saúde. Parece haver um ato intencional e financeiro de aprisionamento aos derivados de petróleo ou mesmo de origem vegetal. De qualquer forma são processos de geração de energia com baixo rendimento e custos elevados de produção, além, é claro, da parafernália de peças. Então, onde anda o Simples para motores de máquinas e veículos? Ainda não sabemos, ou se alguém sabe, ainda não divulgou ou não está sendo aplicado – procuramos o Simples; que talvez um dia nos visite, inesperadamente.
No momento o que temos de tecnológico e simples em maquinários agrícolas são as transmissões hidráulicas ou hidrostáticas e os sistemas eletrônicos.
A eletrônica já está consolidada, fazendo-se necessário alguns ajustes no tocante a certos exageros de informações sem aplicação e maior acessibilidade aos dados de controle e diagnóstico, que permanecem enclausurados por alguns fornecedores de placas e processadores eletrônicos.
Já as transmissões hidráulicas ainda engatinham na real aplicação nos maquinários agrícolas, mas esperamos que em breve se firme e empurre para o passado os eixos, embreagens, engrenagens, luvas de engates e tantas outra peças que já deram o que tinham a oferecer.
O que mais?
Nas colheitadeiras há estudos bem avançados para um novo sistema de separação e limpeza dos grãos, fazendo uso de eletrificação entre grão e palha, algo que aponta para o Simples e eficiente, dispensando toda a parafernália de peneiras, rotores, batedores e dispositivos de ajustes e regulagens – estamos no aguardo.
E nas plantadeiras ou semeadeiras já está sendo posto em prática, ainda em caráter experimental, um sistema onde a semente é colocada em um rolo de fita biodegradável com um gel de nutrientes, e bobinada em dispositivo semelhante a um carretel, para ser adaptado junto ao trator, dispensando assim toda a complexidade das máquinas de semear que atualmente conhecemos, é bem surpreendente, e Simples.
Estar preparado e abastecido de informações, saber o que é necessário e estar atento para não ser enganado, é o que devemos observar antes de aceitar algumas tecnologias que nos são apresentadas. Novas tecnologias são produtos mais simples e eficientes. Cuidado, há muita velharia com roupagem de novo. Conhecimento e simplicidade fazem parte do universo atual para que se permaneça no agro. Aguardamos a inesperada visita do Simples.
*Joel S. Alves é instrutor nas áreas de Operação e Manutenção de Máquinas e Implementos Agrícolas e Rodoviários
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