Máquinas e Inovações Agrícolas

A agricultura praticada no Brasil é conservacionista?

*Por José Eloir Denardin, pesquisador da Embrapa Trigo

A Lei n° 7.876, de 13 de novembro de 1989, institui o Dia Nacional da Conservação do Solo a ser comemorado, em todo o País, no dia 15 de abril de cada ano. Essa data foi a escolhida, inclusive em vários países, por marcar o nascimento de Hugh Hammond Bennett, em 15 de abril de 1881.

Bennett era agrimensor, pesquisador e difusor incansável do combate à erosão do solo. Criou, em 1935, o Serviço de Conservação do Solo nos Estados Unidos e foi seu diretor até 1951, quando se aposentou. Faleceu em 07 de julho de 1960 e, por sua trajetória em prol do conservacionismo, foi cognominado o Pai da Conservação do Solo, nos EUA, e considerado um modelo como protetor do solo aqui no Brasil e em muitas nações.

Assim, o dia 15 de abril é dedicado a reflexões alusivas à qualidade com que o solo está sendo utilizado e ocupado pelo homem. Nesse dia, cabe uma análise de o quanto e como o recurso natural solo, que constitui o centro da resolução dos principais problemas da humanidade, vem sendo preservado, mantido ou recuperado, objetivando conquistar a sustentabilidade das atuais e futuras gerações. Nesse contexto, questionar se a agricultura praticada no Brasil é conservacionista é tema propício à meditação neste dia.

Esse questionamento, direcionado exclusivamente à utilização do solo para fins agrícolas, que, aparentemente, suscita resposta simples, do tipo “sim” ou “não”, para ser, oportuna e adequadamente abordada, requer uma diversidade de considerandos e, até mesmo, a formulação de outras perguntas, como: O que é Conservação do Solo? O que se entende por Agricultura Conservacionista? Qual o significado de Conservacionismo? Qual é o conceito de solo? A que extensão de área agrícola a pergunta é referida a alguns estabelecimentos rurais, a alguma bacia hidrográfica específica ou a toda área agricultada do País?

Em adição, há que se considerar a relatividade implícita no compasso ou descompasso entre a evolução do conhecimento técnico-científico, pertinente ao manejo do recurso natural solo, e o avanço da utilização ou ocupação deste recurso pelo homem. Portanto, a resposta a essa pergunta, supostamente simples, assume inúmeros pontos de vista, dignos de reflexão e propícios ao debate, não apenas no Dia Nacional da Conservação do Solo, mas permanentemente nas cotidianas e corriqueiras tomadas de decisão relativas à utilização do solo.

Conceitos inerentes à ciência da Conservação do Solo

Conservacionismo: é a gestão da utilização dos elementos da biosfera, de modo a produzir benefícios à população humana, mantendo suas potencialidades necessárias às gerações futuras. Portanto, o conservacionismo contempla ações de preservação, manutenção e recuperação dos elementos da biosfera.

Solo: sob o ponto de vista elementar, é, simplesmente, um corpo da paisagem natural representado por uma matriz de sólidos que abriga líquidos, gases e organismos vivos. Solo, sob o enfoque funcional agrícola, constitui o ambiente natural onde se desenvolvem as plantas, atuando como elemento de suporte e de disponibilização de água e nutrientes, e determinante da produtividade do sistema produtivo em função de limitações de sua fertilidade.

Sob esse enfoque, solo é um recurso natural renovável, patrimônio da coletividade, essencial à vida e à soberania da nação, independente de sua utilização e posse. Contudo, na escala de tempo do ser humano, o solo deve ser tratado como um recurso natural não-renovável, tendo em vista que taxas de erosão induzidas pela atividade antrópica podem superar ao infinito as taxas de erosão natural, de renovação e de reposição de solo. A utilização do solo interfere na qualidade do ambiente (ar, água, biodiversidade, clima), na produção agrícola, na segurança alimentar e na saúde humana.

Conservação do Solo: é a ciência que estuda e apregoa ações de preservação, manutenção e restauração ou recuperação das propriedades biológicas, físicas e químicas do solo, estabelecendo critérios para sua utilização, sem comprometer suas potencialidades primitivas.

Agricultura Conservacionista: é a agricultura praticada em conformidade com os fundamentos do conservacionismo e as indicações técnicas enunciadas pela ciência da conservação do solo. Portanto, a agricultura conservacionista é entendida como a agricultura conduzida sob a proteção de um complexo de tecnologias de caráter sistêmico, objetivando preservar, manter e recuperar os recursos naturais, mediante o manejo integrado do solo, da água e da biodiversidade, devidamente compatibilizado com o uso de insumos externos.

O complexo de processos concebido pela agricultura conservacionista constitui a base de sustentação da agricultura, conservando o solo, a água, o ar e a biota dos agroecossistemas, bem como, prevenindo poluição e degradação dos sistemas do entorno. Portanto, agricultura conservacionista é entendida como agricultura eficiente ou efetiva na utilização dos recursos disponíveis, e, por esta razão, é contemplada como mecanismo de transformação, organização ou reorganização e sustentação de agroecossistemas, objetivando obter competitividade para o agronegócio, atender às necessidades socioeconômicas, garantir segurança e qualidade alimentar e manter respeito ao ambiente.

Analisando as ações inerentes aos conceitos de conservacionismo, de conservação do solo e de agricultura conservacionista, é possível perceber que todas têm como sujeito o homem, e que os agentes passivos dessas ações são os recursos naturais ou os elementos da biosfera. Portanto, a implementação do conservacionismo, da conservação do solo e da agricultura conservacionista é, simplesmente, o estabelecimento de relações entre o homem e os elementos da biosfera, do qual o homem busca vicejar benefícios de natureza econômica, social e ambiental, tanto para a atual como para as futuras gerações.

É a essa qualidade da relação entre o homem e os elementos da biosfera, com emergência de benefícios econômicos, sociais e ambientais à humanidade, que se denomina, verdadeiramente, de sustentabilidade. Em outras palavras, sustentabilidade refere-se à emergência de ambiência suprema ou de bem-estar a toda a biodiversidade do Planeta, a partir do relacionamento estabelecido entre o homem e os elementos da biosfera.

Agricultura Conservacionista compreende:

– Consideração à capacidade e à aptidão de utilização do solo;

– Preservação de ecossistemas sensíveis (margens de rios, de córregos e de lagos, entorno de nascentes, terrenos declivosos, solos rasos e de textura arenosa…);

– Redução ou eliminação de mobilizações intensas de solo;

– Preservação de restos culturais na superfície do solo;

– Manutenção da cobertura permanente do solo;

– Aporte de material orgânico ao solo em quantidade, qualidade e frequência compatíveis com a demanda biológica do solo;

– Ampliação da biodiversidade, mediante o cultivo de múltiplas espécies, em rotação e/ou em consorciação de culturas;

– Diversificação de sistemas agrícolas produtivos (sistemas agropastoris, agroflorestais, agrossilvipastoris, silvipastoris…);

– Redução do intervalo de tempo entre a colheita e a semeadura (implementação do processo colher-semear);

– Emprego de práticas mecânicas para controle da erosão;

– Controle de tráfego de máquinas e equipamentos agrícolas;

– Uso preciso de insumos agrícolas; e entre outros

– Manejo integrado de pragas (insetos, doenças e plantas daninhas)

Aplicação da ciência da conservação do solo

O recurso natural solo sempre esteve e estará no centro da resolução dos principais problemas da humanidade. A soberania de uma nação está alicerçada nos preceitos da conservação do solo. A degradação do solo pode ser extremamente rápida, porém sua formação e/ou regeneração, comprovadamente, é lenta. Solos inadequadamente manejados e contaminados podem levar à perda irreversível de suas propriedades.

Exemplos, como os das últimas enchentes vivenciadas no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, em São Paulo e em Minas Gerais e os dos desmoronamentos ocorridos em Niterói, em Angra dos Reis e na região serrana do Rio de Janeiro mostram que a simples ocupação errônea e desordenada do solo pode levá-lo à perda de suas propriedades potenciais de sustentar a vida na terra.

Todavia, apesar da importância que é dedicada ao solo, há pouco conhecimento público a respeito de sua conservação e proteção. A legislação brasileira, que disciplina a utilização do solo, não prevê, adequadamente, sua proteção. Mesmo diante desse cenário, o estudo da ciência do solo, voltado à utilização agrícola, propiciou ao Brasil evoluir de níveis insustentáveis de produção para uma potência agrícola de reconhecimento mundial, mediante a geração de tecnologias orientadas à identificação, avaliação e utilização do solo, visando preservar, manter e recuperar suas funções, e assegurando benefícios econômicos, sociais e ambientais.

Em referência à utilização agrícola do solo no Brasil, lastimavelmente são poucos os produtores rurais que aplicam, em sua plenitude, os fundamentos apregoados pela conservação do solo ou que implementam, integralmente, o complexo de tecnologias preconizadas pela agricultura conservacionista. São raros os produtores rurais que propiciam emergência de ambiência nas relações que estabelecem com o solo, a água e a biodiversidade ao gerirem agroecossistemas.

Fatos históricos que ilustram e comprovam essa percepção é que, na época em que predominava o preparo convencional do solo, a preocupação conservacionista resumia-se à prevenção da erosão provocada pela enxurrada, adotando-se, isoladamente e, em larga escala, o terraceamento agrícola. Naquela época, os efeitos decorrentes da energia erosiva da gota de chuva sobre o solo intensamente mobilizado e desnudo eram desprezados. Em adição, os aspectos relacionados ao respeito, à obediência e à utilização de áreas frágeis, com a promoção da biodiversidade, com a preservação dos restos culturais, com o controle do tráfego de máquinas e equipamentos agrícolas e, entre outros, com o uso preciso de agroquímicos eram, praticamente, desconsiderados.

Na atualidade, com a adoção em larga escala do Plantio Direto, e embora a abrangência das preocupações conservacionistas tenha sido ampliada, mediante ações de prevenção da erosão causada pelo impacto da gota de chuva sobre o solo (reduzindo e suprimindo mobilizações de solo, preservando restos culturais na superfície do solo e mantendo cobertura permanente do solo), de ampliação da biodiversidade, de controle do tráfego de máquinas e, entre outras, de racionalização do uso de agroquímicos, é evidente a desconsideração para com a erosão provocada pela enxurrada que continua a fluir da área de lavoura para os sistemas do entorno, transportando solo, corretivos, fertilizantes, nutrientes, material orgânico, matéria orgânica e, até mesmo, com remoção completa de frações expressivas da camada superficial do solo, com consequentes perdas econômicas e poluição ambiental.

Em adição, ainda é notório, em extensas áreas, o aporte de material orgânico ao solo em quantidade, qualidade e frequência aquém da demanda biológica do solo, má preservação de carreadouros e o desrespeito à preservação de ecossistemas sensíveis, como margens de mananciais hídricos e de nascentes, terrenos declivosos e dentre outros solos rasos e de textura arenosa. Portanto, no Brasil, não se incorre em risco de erro ao afirmar que as relações estabelecidas entre o homem e os recursos naturais, na gestão de agroecossistemas, ainda estão aquém do almejado conservacionismo com emergência de sustentabilidade.

Razões determinantes desse cenário, em que há apenas adoção parcial do complexo tecnológico preconizado pela agricultura conservacionista, encontram argumentos em inúmeros fatores. Dentre esses, a substancial redução da concentração de solo em suspensão na enxurrada produzida em áreas manejadas sob Plantio Direto, associada ao incipiente conhecimento da mecânica da erosão hídrica pluvial, por parte de expressivo contingente de técnicos e produtores rurais, e a ainda frágil consciência conservacionista no Brasil podem ser apontados como fatores de relevância.

Contudo, a carência de discernimento para eleger um complexo mínimo de técnicas exigidas e essenciais para induzir conservacionismo a distintos sistemas produtivos, indubitavelmente, contribui para restringir a implementação plena da agricultura conservacionista. Nesse contexto, os próprios conceitos de conservacionismo, de conservação do solo e de agricultura conservacionista são confundidos com os conceitos de Semeadura Direta, Plantio Direto, Plantio Direto na Palha e Sistema Plantio Direto. É, portanto, primordial perceber a evolução e a diferenciação conceitual implícita nos termos Semeadura Direta, Plantio Direto, Plantio Direto na Palha e Sistema Plantio Direto, pois nenhum deles possui fundamento, amparo ou suporte etimológico.

É manifesto, portanto que no gerenciamento de agroecossistemas, a simples e isolada adoção do Sistema Plantio Direto não constitui relação entre o homem e os elementos da biosfera capaz de propiciar a emergência de sustentabilidade. A perseverança nesse propósito requer adoção plena de todo o complexo de ações preconizadas pelo conservacionismo, pela conservação do solo e pela agricultura conservacionista, e o Sistema Plantio Direto constitui apenas a ferramenta fundamental, considerada propícia, inquestionável, irrepreensível e de valor inestimável.

No Brasil, mesmo diante do crescimento da área manejada sob Semeadura Direta ou Plantio Direto e da magnífica evolução técnico-científica de Semeadura Direta ou Plantio Direto à Sistema Plantio Direto, que passou a caracterizá-lo como eficiente e eficaz ferramenta da conservação do solo e da agricultura conservacionista, há que se lamentar a existência de fatores conjunturais limitantes, de cunho logístico, genético, mecânico, agroindustrial e, entre outros, político, que dificultam a expressão absoluta do potencial do conservacionismo na promoção de ambiência suprema, benefício este, não apenas à população brasileira, mas ao Planeta Terra como um todo.

Diferenciação entre os termos:

Semeadura Direta ou Plantio Direto: termos que expressam, simplesmente o ato de depositar no solo sementes ou partes de plantas na ausência de mobilizações intensas de solo, tradicionalmente promovidas por arações, escarificações e gradagens. Esses termos são fiéis ao conceito dos termos “zero-tillage” ou “no tillage” ou “no-till”, ou seja, “sem preparo de solo” ou “sem amanho”, oriundos dos EUA e da Inglaterra, de onde essa técnica foi introduzida em 1969, sob o enfoque de um simples método alternativo de preparo reduzido de solo. Portanto, Semeadura Direta ou Plantio Direto reúne apenas dois preceitos da agricultura conservacionista: redução ou eliminação da mobilização intensa de solo e preservação dos resíduos culturais na superfície do solo.

Plantio Direto na Palha: termo que expressa o ato de depositar sementes ou partes de plantas no solo na ausência de preparo intenso de solo, mediante arações, escarificações e gradagens, porém, necessariamente na presença de palha ou de restos culturais na superfície do solo. Portanto, Plantio Direto na Palha é sinônimo de Semeadura Direta ou Plantio Direto, apenas ressaltando a presença obrigatória de palha na superfície do solo, condição esta que não assegura a adoção dos demais preceitos da agricultura conservacionista.

Sistema Plantio Direto: termo, genuinamente brasileiro, que surgiu, em meados dos anos 1980, em consequência da percepção de que a viabilidade da Semeadura Direta ou do Plantio Direto, de modo contínuo e ininterrupto, em regiões tropical e subtropical, requeria um complexo tecnológico mais amplo do que simplesmente o abandono do preparo intenso de solo e a preservação dos resíduos culturais na superfície do solo.

A Semeadura Direta ou Plantio Direto necessitavam ser entendidos e praticados como um sistema de manejo e não como um simples método alternativo de preparo reduzido do solo. Nesse contexto, o termo Sistema Plantio Direto passou a ser, consensualmente conceituado como um complexo de processos tecnológicos destinado à exploração de sistemas agrícolas produtivos, compreendendo mobilização de solo apenas na linha ou cova de semeadura, manutenção permanente da cobertura do solo e diversificação de espécies, via rotação e/ou consorciação de culturas.

No início dos anos 2000, esse conceito foi ampliado, passando a incorporar o processo colher-semear, que representa a minimização ou supressão do intervalo de tempo entre colheita e semeadura, prática relevante para ampliar a biodiversidade e, consequentemente o número de safras por ano agrícola, construir e/ou manter solo fértil e aportar ao solo material orgânico em quantidade, qualidade e frequência compatíveis com a demanda biológica do solo.

Portanto, é sobre essa base conceitual que, na atualidade, Sistema Plantio Direto é interpretado como ferramenta da conservação do solo e da agricultura conservacionista capaz de induzir caráter de sustentabilidade à agricultura. Enquanto a Semeadura Direta ou o Plantio Direto atende a apenas dois preceitos da agricultura conservacionista (reduzir ou eliminar a mobilização intensa de solo e preservar os restos de cultura na superfície do solo), o Sistema Plantio Direto, em razão do verbete sistema, atende a, pelo menos, sete preceitos da agricultura conservacionista (reduzir ou suprimir a mobilização intensa de solo, preservar os restos de cultura na superfície do solo, manter a cobertura permanente do solo, aportar material orgânico ao solo em quantidade, qualidade e frequência compatível com sua demanda biológica, ampliar a biodiversidade mediante o cultivo de múltiplas espécies em rotação e/ou em consorciação de culturas, diversificar sistemas agrícolas produtivos e reduzir o intervalo de tempo entre a colheita e a semeadura).

O Sistema Plantio Direto preconiza, ainda, a associação de todo esse complexo tecnológico aos demais preceitos da agricultura conservacionista. Assim, o Sistema Plantio Direto engloba a Semeadura Direta, o Plantio Direto e o Plantio Direto na Palha. Portanto, a agricultura conservacionista não é sinônimo de Sistema Plantio Direto. A agricultura conservacionista é mais ampla que Sistema Plantio Direto e Sistema Plantio Direto envolve apenas parte dos preceitos da agricultura conservacionista.

Sistema Plantio Direto na Palha: termo que abriga o mesmo conceito de Sistema Plantio Direto, apenas enfatizando a presença obrigatória de palha na superfície do solo, condição esta já implícita no verbete “sistema”. Portanto, Sistema Plantio Direto na Palha também é englobado pelo Sistema Plantio Direto.

*José Eloir Denardin é pesquisador da Embrapa Trigo
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