Ciência e indústria desenvolveram tecnologias tropicais para atender às exigências dos produtores e às peculiaridades das diferentes regiões do Brasil
por Gustavo Paes
Até a década de 1970, boa parte dos itens que constituíam a base alimentar da população precisava ser importada. E a região do Cerrado era considerada inapropriada para a atividade agrícola. Mas investimentos em ciência e tecnologia permitiram transformar solos pobres e ácidos em terras férteis, possibilitando adaptar diversas culturas importantes no País. O resultado é que o Brasil tem atualmente a agricultura mais avançada da faixa tropical do mundo e passou da condição de importador para a de grande exportador de alimentos. Para se ter uma ideia, a produção de grãos aumentou em 509%, a de arroz em 315% e, a de milho e trigo, em 240%.
Graças à tropicalização de culturas agrícolas e animais, o agronegócio brasileiro atingiu, em 2021, um Valor Bruto da Produção de quase R$ 900 bilhões, representando em torno de 21% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. E é responsável ainda por 48% das exportações brasileiras, com destaque para soja, café, açúcar, laranja, etanol, carne bovina e frango, além da geração de cerca de 19 milhões de empregos no País.
Uma dessas tecnologias genuinamente brasileiras é o Sistema de Plantio Direto (SPD), desenvolvido para solucionar os problemas causados pela erosão verificada no sistema convencional. Iniciado experimentalmente no Rio Grande do Sul, no final da década de 1960, e adotado pelos agricultores do restante do País a partir de 1972, o manejo conservacionista está, hoje, sendo adotado e adaptado em quase todas as regiões do Brasil.
A estimativa do pesquisador José Eloir Denardin, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo (RS), é que a área sob SPD ocupe atualmente 15,4 milhões de hectares, incluindo tanto grandes quanto médios e pequenos produtores. (Nesta edição você confere uma reportagem especial sobre o tema).
Os sistemas integrados de produção (SIP’s), que além de diversificar produção, trazem benefícios como menor pressão por abrir novas áreas e mitigação dos gases do efeito estufa, são outro exemplo de prática sustentável que permitiu ao País produzir cada vez mais. A área de sistemas integrados de produção no Brasil chegou a 18,5 milhões de hectares em 2021, conforme dados da Associação Rede ILPF com base em pesquisa contratada junto ao Kleffmann Group. A meta da entidade é chegar em 2030 com 35 milhões de hectares com sistemas integrados de produção. “As novas técnicas permitem retirar até três safras por ano na mesma área”, destaca o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli.
Produtor rural, engenheiro agrônomo e pesquisador nascido em Bambuí (MG), Paolinelli foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz de 2021 pelo seu trabalho à frente do Cerrado brasileiro na década de 1970, quando era secretário de Minas Gerais. Neste ano, foi indicado pela segunda vez ao Nobel da Paz. A nomeação foi feita pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP).
O crescimento do volume de produção agropecuária ao longo dos anos no Brasil se deu devido à expansão da área cultivada e aumento da produtividade, conforme Paolinelli. E o processo de mecanização agrícola foi essencial para que esse avanço da agropecuária ocorresse, já que com ela foi possível uma melhor utilização dos insumos.
Ele frisa que as máquinas podem substituir boa parte de mão de obra no campo, agilizam e tornam os processos de plantio, cultivo e colheita muito mais eficientes. “Uma máquina usada na cultura do algodão faz o trabalho de 500 empregados. E o mesmo ocorre na cultura da cana-de-açúcar, que hoje é quase que 100% mecanizada”, destaca.
Ministro da Agricultura de 1974 até 1979, durante o governo de Ernesto Geisel, quando implementou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Paolinelli foi responsável por promover a ocupação econômica do Cerrado, aliando produção agrícola com proteção ambiental em uma época na qual pouco se considerava o assunto em projetos de desenvolvimento.
Hoje, o Cerrado é responsável por cerca de 50% dos grãos produzidos no País muito pelos esforços da Embrapa, de universidades e de empresas de assistência técnica e extensão rural.
O ex-ministro também foi um dos grandes incentivadores da mecanização agrícola no País. “Em 1975, o Brasil renovou 78 mil tratores em um único ano, recorde que só foi ser quebrado há oito anos”, ressalta. E a exigência de qualidade dos projetos era tão grande quanto a paixão pela ciência e inovação. “Uns sujeitos colocaram quatro pneus, um motor e uma transmissão em uma caixa quadrada e me apresentaram como trator. Eu fiquei muito bravo”, brinca.
Expansão da soja
O ex-ministro salienta que foi a expansão da cultura da soja e o SPD que viabilizaram investimentos em tecnologia, impulsionando a implantação da indústria de tratores, máquinas e implementos agrícolas no País, potencializando o setor agrícola e garantindo empregos diretos e indiretos na área industrial. Até então, a soja só era cultivada na Região Sul, por causa da luminosidade. A oleaginosa foi oficialmente introduzida em 1914 no Rio Grande do Sul – estado que apresenta condições climáticas similares às das regiões produtoras nos Estados Unidos (origem das primeiras cultivares). “A renovação do solo do Cerrado e a adoção do Sistema Plantio Direto foram fundamentais nesse processo”, recorda Paolinelli.
Novas tecnologias na agricultura
Referência em mecanização agrícola para regiões tropicais e subtropicais, o Brasil vem avançando no desenvolvimento de novas tecnologias para máquinas e implementos agrícolas. A incorporação de novas tecnologias é fundamental para o País seguir competitivo no mercado mundial, além de que as inovações ocupam um papel importante para o desenvolvimento do País frente aos desafios climáticos, aumento da eficiência com diminuição dos impactos, uso racional da água e uso inteligente dos insumos agrícolas.
Para atingir essas metas, o Brasil conta com a pesquisa de órgãos como a Embrapa, entre muitos outros. Nos últimos anos, a maioria das empresas internacionais investiu no País, na compra ou modernização de fábricas locais, como na construção de novas instalações para atender às exigências dos produtores rurais e as peculiaridades das diferentes regiões produtoras do País. Muitos produtos são fabricados quase que sob encomenda para determinadas culturas ou regiões.
Paolinelli, que aos 85 anos ainda segue na ativa e preside o Instituto Fórum do Futuro – entidade que conduz um trabalho inovador por meio do Projeto Biomas Tropicais -, defende mais investimentos em pesquisa, inovação e difusão de novas tecnologias. E acredita que a evolução das máquinas e implementos agrícolas continuará.
“A Agricultura 4.0, com o uso de drones e máquinas equipadas com sensores e ferramentas com sensoriamento e processamento da imagem, facilita o gerenciamento da produção e permite o uso otimizado dos insumos, o aumento da produtividade e a preservação do meio ambiente”, sublinha. O experiente político acredita que o futuro aponta para a eletrificação e uso de máquinas autônomas no campo. “A evolução não para, pode apostar que, em breve, teremos máquinas para culturas ainda não atendidas, como laranja, oliveiras ou hortaliças”, projeta Paolinelli.
Agricultura em escala
O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 quilômetros quadrados, cerca de 22% do território nacional. As principais atividades são criação de gado e o cultivo de soja, milho, algodão e café. Por existir propriedades com área maior do que a média do País, e menor mão de obra disponível, o uso da mecanização intensiva torna-se mais necessária na região para o sucesso das explorações agrícolas.
As máquinas agrícolas usadas nas lavouras – principalmente na fronteira agrícola do Matopiba (área nos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) – se destacam pelo grande porte e quantidade de tecnologia embarcada. Os produtores normalmente usam colheitadeiras de classe 8 ou 9, tratores com potência de até 600 cv, pulverizadores enormes e plantadeiras com até 61 linhas de plantio, com cinco sessões.
O diretor de marketing de produto da Case IH para a América Latina, Rodrigo Alandia, diz que a empresa tem em seu portfólio equipamentos voltados para os empresários do agronegócio que trabalham com alta potência. Mas também oferece produtos que atendem médios e pequenos produtores em diferentes culturas, como milho, soja, arroz e café.
O executivo lembra que a inovação e o pioneirismo estão no DNA da companhia, que faz constantes investimentos na área de tecnologia para apresentar máquinas e soluções visando aumentar a produtividade no campo, além de estar sempre perto do produtor rural para ouvir as suas necessidades. “É preciso esse contato estreito para atender às demandas dos produtores, mas também precisamos entender a tendência e ver em qual direção o mercado está indo para continuar sendo inovador e surpreender os nossos clientes”, declara Alandia.
Alta performance
A Case IH fabrica tratores que vão desde 80 até 620 cvs, passando por diversas linhas, como Steiger e Magnum. O Magnum AFS Connect venceu o Prêmio Trator do Ano Brasil em 2021. A nova linha ganhou novos modelos, com 380 e 400 cv de potência, que já saem com telemetria de fábrica. “Esse trator combina tecnologia, resistência e desempenho para alta performance no campo”, observa.
A empresa também oferece colheitadeiras voltadas para pequenos, médios e grandes produtores. Para a região do Cerrado, essas máquinas são de classes 5 a 9. Os pulverizadores Patroit 250 têm barras de 27 a 32 metros, enquanto o modelo Patriot 350 vem com barras de 30 a 36 metros. A plantadeira Easy Riser é equipada com linhas de plantio de 11 a 36 metros.
Recentemente, a companhia lançou a plantadeira dobrável Fast Riser. Desenvolvida no Brasil, a máquina é oferecida nas versões de 27, 36 e 40 linhas com três seções, e de 48 a 61 linhas com cinco seções. “O fácil transporte é um dos diferenciais dessa plantadeira. Dobrável, é fácil transportá-la, seja dentro da própria fazenda ou em uma rodovia”, salienta. A empresa ainda conta em seu portfólio com colhedoras de cana-de-açúcar e de café e promete lançamentos ainda para este semestre.
Agricultura familiar
Especializada em agricultura familiar, a fabricante indiana de tratores Mahindra tem 11 modelos em seu portfólio, com potência variando de 25 cv até 110 cv. Os tratores foram desenvolvidos para atender às demandas dos produtores de frutas cítricas, maçã, café e hortaliças, além de grãos. Seis modelos já foram nacionalizados e adaptados às condições brasileiras de produção. “Os nossos tratores atendem às exigências dos produtores brasileiros e podem ser usados na maioria das culturas e também na pecuária”, destaca o diretor-geral de operações da Mahindra Brasil, Jak Torretta Junior.
Com foco na agricultura familiar, a companhia está lançando um novo modelo, de 49 cv, apropriado para pequenas áreas, como hortifrutigranjeiros. Há cinco anos em atividade no Brasil, a empresa aposta que o novo trator também deverá chamar a atenção dos fumicultores, por ter uma rodagem traseira adequada para as lavouras de fumo. “O crescimento do segmento de compactos é de 47%, o que traduz o aumento nas vendas dos tratores de até 50 cv. O 5050 é um trator que preencherá as necessidades dos produtores que buscam uma máquina multitarefas, aliada às características da marca como economia de combustível, força e baixa manutenção”, salienta Torretta.
Enquanto a indústria brasileira cresceu 26%, a montadora indiana alcançou índices de 92%, segundo o diretor-geral. “Este desenvolvimento mostra a força da nossa marca e a perfeita adaptação dos tratores Mahindra ao mercado brasileiro”, destaca. Ele observa, ainda, que a média horária de trabalho anual dos tratores na Índia é superior à média nacional, o que garante a robustez e durabilidade superiores dos equipamentos. “A cada ação de demonstração de campo, traduzimos a força mundial da Mahindra para os produtores brasileiros, construindo uma relação de confiança e parceria com a marca”, completa o executivo.