Máquinas e Inovações Agrícolas

Ana Helena Andrade, Conectar Agro: “Não há agricultura digital sem conectividade”

por Gabriel Nascimento – A falta de conectividade rural inviabiliza a aplicação das tecnologias da agricultura digital. Quando a Conectar Agro foi fundada, em 2019, o panorama era bastante ruim. Além da falta de sinal, não havia, por parte dos produtores e das autoridades a percepção da importância dessa disponibilidade. Hoje o cenário melhorou, mas ainda está longe do ideal. Aproximadamente 46% das áreas de sede das propriedades rurais brasileiras têm acesso à internet. Em fevereiro de 2022, eram 27%. Porém, quando as máquinas vão a campo, esse sinal não existe. Nesses casos, a cobertura do território agrícola é inferior a 12%.

A tecnologia defendida pela Conectar Agro, que visa fomentar a expansão do acesso à internet nas áreas agrícolas do País, é a conexão 4G em 700 mega-hertz (MHz) de frequência, considerada a melhor disponível, e que possibilita uma maior cobertura com um investimento menor. O 5G ainda não aparece como uma tecnologia mandatória, uma vez que as soluções – softwares, hardwares, etc. – que precisam da conexão não existem em abundância. O 5G deve acelerar a transmissão do sinal, mas ainda não há um horizonte visível.

Em entrevista à Máquinas & Inovações Agrícolas, a presidente da Conectar Agro, Ana Helena Andrade, disse que a associação trabalha para a criação e o lançamento, em breve, do Indicador de Conectividade Rural, que fornecerá este número com exatidão e com atualização frequente. 

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Desde 2019, a associação esteve envolvida na cobertura de 14,4 milhões de hectares com sinal de internet. “Significa a cobertura de várias cidades, escolas, postos de saúde, estradas. Há um efeito virtuoso muito grande não só para o agro, mas para as regiões como um todo”, comemora a dirigente.

Uma aplicação em larga escala da agricultura digital no Brasil faria com que a produção agrícola crescesse até 30%. E, segundo Ana Helena, não há agricultura digital sem conectividade. O próximo salto de produtividade brasileiro deve vir da aplicação da agricultura digital, “não há alternativa”.

Além disso, a conectividade contribui para a agricultura sustentável, através da promoção do uso inteligente dos recursos naturais e apenas dos recursos necessários. Ana Helena vê uma tendência de forte integração da agricultura com a Internet das Coisas. Segundo ela, os dados coletados, se não forem estudados e interpretados, não viram informação.

Confira, a seguir, a entrevista com Ana Helena Andrade, sobre estes e outros pontos ligados à conectividade no campo:

Quais são as ações da Conectar Agro na busca pela conectividade no campo?

Trabalhamos em duas frentes. A primeira é a promoção de políticas públicas que incentivem a conectividade, todo o processo educativo de mostrar o quanto isso impacta o agro, buscando políticas que contemplem áreas remotas e viabilizem o desenvolvimento tecnológico. A segunda frente é demonstrar para o agricultor o impacto da conectividade, do uso de instrumentos que reduzem custos e aumentam a qualidade e a velocidade da produção. Também buscamos trabalhar com agentes que têm essa capacidade de estimular a instalação de redes de telecomunicação bancando investimento, como cooperativas, que podem trabalhar e contatar as empresas de telecomunicação para que seja disponibilizada a rede na sua área. Quando o cliente vê que há uma relação positiva, mais benefícios do que custos, ele vai buscar os ofertantes de rede.

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O trabalho da Conectar Agro também abrange a busca pela melhoria das tecnologias nas máquinas?

Nós não discutimos tecnologia de máquina na Conectar Agro. Nós somos “monofoco”. Discutimos apenas como levar conectividade às áreas rurais. A definição de tecnologias, do que vai ser desenvolvido, é uma atividade que vem com o conhecimento do mercado pelos produtores, de uma visão de futuro de atividade agrícola e discutida e aplicada, estudada e decidida por cada empresa. Não temos nenhum envolvimento nessa discussão.

Quanto por cento do maquinário, hoje em dia, é desenvolvido com tecnologia digital?

Não há uma estatística de mercado sobre tratores que saem de fábrica com instrumentos digitais, por exemplo, com uma antena pra captar sinal, com um piloto automático, etc. Além disso, o fato de a máquina não ter nascido digital não quer dizer que ela não tenha se tornado digital. Então, por exemplo: um trator que saiu de fábrica sem piloto automático, está no campo, rodando a três, quatro, cinco anos, e o agricultor deseja trazê-lo para a tecnologia digital. Ele pode fazer isso a posteriori. É complexo calcular esse número até por esse aspecto. Então, de uma certa maneira, não existe um risco de o maquinário se tornar obsoleto mesmo. Os mais antigos podem ser adaptados. Para uma parte significativa das máquinas, sim. Mas um trator dos anos 1970, mecânico, sem uma série de botões… A partir de determinadas características ele pode começar a instalar equipamentos, principalmente o piloto automático, que é sempre onde começa a jornada.

E quanto a falta de acesso à internet impacta no uso dessas máquinas? 

Muitas máquinas acabam chegando em uma propriedade não podendo ser usadas plenamente sem a conectividade. É a mesma coisa de quando alguém compra um celular com 5G, mas não há o sinal. Isso, obviamente, tem um impacto, porque o produtor compra a máquina e não consegue usar toda a tecnologia embarcada. É por isso que trabalhamos. E é por isso que os agricultores também trabalham. Eles compram um estado da arte da máquina, e a infraestrutura está na idade da pedra. A gente tem que aproximar essas duas realidades.

Como é a aceitação do agricultor quanto ao custo do investimento por essas novidades?

O agricultor brasileiro é muito tecnológico, é um dos que adota tecnologia com maior velocidade. A agricultura digital não é exatamente uma novidade. As soluções estão disponíveis há um bom tempo. O que é a novidade é o agricultor saber que ele pode investir na rede. O custo disso é em torno de R$ 400 mil para cobrir 300 mil hectares. Tomando essa decisão de investimento, é muito fácil quantificar o retorno. E aí as coisas ganham velocidade.

O quanto se consegue mensurar o benefício do emprego da conectividade na eficiência da propriedade?

Nem todos os dados dos setores estão calculados. Temos um projeto em Minas Gerais quantificando o impacto da agricultura digital em propriedades de pequena escala. Mapeamos cem propriedades. Agora vamos fazer esse estudo disponibilizando tecnologia. As operadoras farão o sinal chegar, nós vamos entrar com todo o ecossistema de agricultura digital e em seis meses vamos medir o que aconteceu na produtividade desses agricultores. Essa será uma das melhores informações. Certamente é o primeiro estudo focado no produtor, e vai trazer um número com bastante embasamento. De modo geral, uma aplicação ampla, em larga escala no Brasil, da agricultura digital, faria com que a produção agrícola total crescesse até 30%. É muita coisa. Mas isso é em ampla escala. Não é só ter sinal, mas ter as tecnologias difundidas.

Em quanto tempo o produtor vê o retorno do investimento, considerando os R$ 400 mil para cobrir 300 mil hectares?

Tudo que é geral demais é um problema, não é? Tudo que é média está sujeito a distorções. Um pé no forno e uma cabeça no freezer: a temperatura média é boa. Mas a gente tem o seguinte estudo: a cobertura custa meia saca de soja por hectare. O retorno, dependendo da cultura, em média, é de 18 meses. Dependendo da cultura, isso é ainda menor. É indiscutível: fatos e dados. Quanto mais dados a gente tem, mais fácil mostrar o valor de termos políticas públicas trabalhando nesse tema.

Qual a relação da Internet das Coisas, do Big Data, para um uso pleno dessas tecnologias?

Hoje as máquinas colhem um volume grande de dados, mas dado não se transforma em informação se não for estudado ou relacionado. É um universo já em andamento, mas ainda há muito a ser explorado, a ser criado, e com profissionais dedicados a isso. Dados não falam nada por si, não dá para saber se é bom ou se é ruim. É preciso saber o que é que esse dado pode permitir para a tomada de decisões. É preciso estudar, trabalhar, formar pessoas, entender a relação. Já é uma realidade, mas ainda não está disseminada plenamente. 

Como funciona a formação das pessoas? Parte dos produtores a iniciativa de capacitarem suas equipes?

A Conectar Agro tem duas iniciativas educacionais. Uma que é qualificação profissional com oferta de cursos dos associados disponibilizando treinamento. É uma atividade que todas as empresas oferecem, mas a Conectar Agro está funcionando com o polo de organização. Temos, também, uma atividade focada em capacitar as escolas que vão receber sinal a trabalhar com uma educação mais atraente, mais interessante, usando essas ferramentas. Também existem políticas públicas para isso, como o Centro Paula Souza, que é do estado de São Paulo. Universidades passaram a incluir esse tema na sua grade de cursos. Além disso, temos Senai e Senar, com um papel relevante para essa nova agricultura chamada 4.0.

Além do acesso à internet, que outros recursos ou serviços digitais são disponibilizados nas áreas rurais?

Há várias frentes. As duas mais fortes são a educação e a saúde, que são toda a realidade da pessoa, o acesso à informação. Outra coisa super importante: segurança no campo. Tratores são muito roubados, infelizmente. E a conectividade melhora muito a segurança na medida em que é possível monitorar onde está o trator e acionar rapidamente a polícia. Uma das grandes demandas é essa: monitorar a propriedade para a segurança. São necessidades básicas: educação, saúde e segurança. Conectividade muda a vida.

Quais são as tendências para o setor agrícola, pensando na conectividade rural, especialmente na parte de máquinas?

Primeiro, obviamente, a agricultura é cada vez mais baseada em dados,  uma integração muito forte com Internet das Coisas. Hoje, praticamente no mesmo patamar da segurança, uma das maiores demandas é o controle de clima. Então, quanto mais estações pluviométricas estão instaladas, maior a precisão nas previsões. Isso determina todo o processo. Se você tem informação de que você vai haver um ciclone, por exemplo, uma grande ventania, ninguém vai fazer pulverização. Agricultura digital é exatamente isso: agricultura de precisão, que passa a ser, também, de quantificação. A expectativa é muito otimista, pois o potencial é muito grande. São coisas que vão se intensificar e trazer muita produtividade para o Brasil.

Qual a importância da conectividade para o salto de produção que se espera do Brasil?

A conectividade é vital. É vital. Para um salto quantitativo neste momento em que nós já temos uma agricultura muito tecnológica, apenas a conectividade. Para um impacto mais generalizado, massivo, é a conectividade. Certamente o próximo salto de produtividade da cultura brasileira passa pela aplicação intensiva e extensiva de agricultura digital. Não há alternativa.

Para finalizar, qual a contribuição da conectividade para a sustentabilidade?

A conectividade suporta uma agricultura sustentável de duas formas: com o uso inteligente dos recursos naturais e com a utilização dos insumos, sejam fertilizantes ou defensivos, na medida da necessidade. Uma irrigação baseada em dados e gerenciada remotamente não utiliza mais água no solo do que o necessário. O próprio uso de solo, o monitoramento da qualidade do solo. Nos insumos, eu não vou pulverizar centenas de hectares se eu tenho que pulverizar só um, por exemplo. Então é extremamente importante reduzir o desperdício. Isso vale, por exemplo, se eu tiver menos tratores, um gerenciamento de frota melhor, o impacto é em muitos sentidos. Nas emissões de gases, no consumo de combustíveis. É bem complexo ter uma agricultura de larga escala sustentável sem ser apoiada em uma agricultura digital. E não há agricultura digital sem conectividade.

 

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