Máquinas e Inovações Agrícolas

Cresce a participação feminina em cargos de liderança

Ana Maria Primaves tornou-se conhecida por sua atuação na área da agricultura sustentável

Presença de mulheres no comando de negócios rurais supera setores como o da indústria ou da tecnologia

 

Por Viviane Taguchi

Nos anos 1960, a engenheira agrônoma Ana Maria Primavesi começou a escrever seus primeiros artigos científicos sobre agricultura sustentável. Primavesi, de origem austríaca, veio para o Brasil após a Segunda Guerra, em 1949, e de imediato, não entendeu porque as técnicas agrícolas aplicadas em solos brasileiros eram todas importadas da Europa, em que o clima e os solos são diferentes. Embrenhou-se na causa, e em 1980, seu trabalho de pesquisa já era referência. O livro (uma de suas sete obras publicadas), “Manejo ecológico do solo: agricultura em regiões tropicais” tornou-se uma espécie de bíblia para a agricultura tropical sustentável. 

Primavesi morreu em janeiro do ano passado, aos 100 anos de idade. Oito anos antes, em 2012, ela recebeu o prêmio One World Award, considerado o Nobel da agricultura orgânica, concedido pelo International Federation of Organic Agriculture Movements (Ifoam). Foi a primeira mulher a receber a honraria no planeta, aos 92 anos de idade. À época, vivendo em Itaí, cidade do interior paulista, era ela que ainda comandava a propriedade rural da família. 

O protagonismo de Ana Primavesi, conquistado durante períodos em que o papel feminino no mercado de trabalho ficava em segundo plano, já mostrava que o setor agropecuário brasileiro tem muito espaço para as mulheres.

Hoje, elas são mais de 1 milhão ocupando cargos de liderança. “Sempre existiu aquela imagem de que o homem é que manda na fazenda, mas há inúmeros casos no nosso país rural em que a mulher é quem comanda”, comentou a Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias. “Essa é a minha história: uma mulher jovem, grávida, subindo no trator e lidando com os peões da fazenda o dia todo”. 

Tereza Cristina é hoje uma das mulheres mais poderosas do País e a segunda a assumir um dos ministérios mais importantes do governo (antes dela, a senadora Kátia Abreu comandou a pasta). Ministra de Estado, Tereza transita empoderada entre o Palácio do Planalto, o Itamaraty, a bancada ruralista, grupo da qual já foi líder, e costura acordos internacionais de peso. “Quando uma mulher assume as rédeas de um negócio e está focada, não tem o que a tire do prumo”, afirmou. “No campo, existem os olhares desconfiados, atravessados, para a mulher gestora. Na política, tem o preconceito em sua forma mais cruel”. 

A ministra, de 66 anos, tem uma história parecida com a de cerca de 1 milhão de mulheres gestoras de propriedades rurais no Brasil, dado revelado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o último censo. “Eu era a filha mais velha, precisava assumir o negócio e passei por inúmeras situações, como funcionário que tirava peça da plantadeira só pra eu ter problemas, e por aí vai. Eu fui testada por homens o tempo todo, mas respirava fundo e continuava”, lembra Tereza. “O segredo foi não baixar a cabeça”.

Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Tereza Cristina,

Elas no comando

Uma pesquisa realizada pelo International Business Report, da Grant Thronton, com 4.812 empresas, em 32 países revelou que no Brasil, em 2020, pelo menos 34% dos cargos de liderança sênior (diretoria executiva) foram ocupados por mulheres. Esse percentual coloca o País na 8º colocação no ranking dos 32 países, que é liderado pelas Filipinas (43%) e seguido pela África do Sul (40%), Polônia (38%), México (37%), Indonésia (37%), Nigéria (36%) e Turquia (36%). Em 2019, o índice brasileiro era de 25%, abaixo da média global, 29%. 

O avanço das mulheres brasileiras em liderança sênior foi de 9%, mas quando o assunto é a presidência (CEO), houve um salto de 32% em 2020 (contra 27% no ano anterior), índice muito superior à média global, de 20%. Na contramão, a contratação de mulheres para os cargos de diretor de operações (COO) caiu de 21% em 2019 para 16% em 2020, abaixo da média global.

No agronegócio, oficialmente, o número de mulheres gestoras de empreendimentos agrícolas no País, é baseado no censo do IBGE: 947 mil se declararam como a principal gestora do negócio e 19% delas, proprietárias das terras, enquanto o restante, 81% ocupa cargos de confiança. Já uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), realizada com 300 mulheres que atuam no mercado de trabalho agrícola apontou que 30% delas ocupam cargos de gestão, um índice bem mais elevado do que em setores como o industrial (22%) e o de tecnologia (20%). 

Exemplo global

Em agosto do ano passado, a multinacional Bayer fez um anúncio inédito: a divisão agrícola da companhia no Brasil apresentou uma mulher, a paulista Malu Nachreiner, 41 anos, como sua nova principal gestora. Malu é a primeira a assumir o mais alto posto na divisão mais importante da companhia, que, por sua vez, foi a primeira empresa do setor a posicionar uma mulher no comando. “A gente vinha se preparando para buscar novos cargos executivos na companhia e tudo convergiu no momento em que estamos vivendo”, disse a executiva, que traz na carteira uma carreira de 17 anos na empresa.

Malu Nachreiner, foi a primeira mulher a assumir o mais alto posto na divisão mais importante da Bayer no Brasil: a agrícola

Malu começou na Monsanto (empresa adquirida pela Bayer em 2016) como trainee. Formada agrônoma, partiu para o Rio Grande do Sul. “Atuava diretamente no campo, lado a lado com os produtores rurais e ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não houve uma resistência pelo fato de eu ser mulher”, afirma. “As pessoas do campo te acolhem como parte da família delas, é uma característica delas”. 

Do sul para o sudeste, ela conta que se preparou para os cargos executivos com o incentivo da empresa. “Gênero nunca foi uma condição, mas temos consicência de que é preciso abrir essa porta da inclusão porque há um viés inconsciente que deixou barreiras”, disse. Não por acaso, quase um mês depois de assumir o comando da divisão agrícola da Bayer, a companhia fez um anúncio ousado: um programa voltado para a contratação exclusiva de trainees pretos ou pardos, com salário inicial de R$ 6.900,00. “Se continuarmos trabalhando com os funis de sempre, a inclusão não vai acontecer”.

No dia em que Malu Nachreiner foi anunciada pela companhia como sua nova líder, outra Malu, a Weber, também assumia o posto de diretora global de comunicação da empresa. “Inclusão e diversidade são pilares estratégicos que impulsionam o jeito Bayer de fazer negócios”, disse Marc Reichardt, presidente global da Bayer. 

Em 2017, a Bayer tornou-se signatária dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs – Women Empowerment Principles) promovidas pela ONU Mulheres e pelo Pacto Global das Nações Unidas, além de ser signatária do movimento He for She, por iniciativas para a busca de equidade de gênero no mercado de trabalho. 

Tradição de um século

Em fevereiro de 2020, uma mulher quebrou, no agronegócio, uma tradição de 100 anos: a pecuarista e socióloga Teresa Vendramini, 61 anos, foi eleita presidente da Sociedade Rural Brasileira. O posto, antes só ocupado por homens, deu à Teka, como é conhecida no meio agropecuário, poder para tornar a entidade mais tradicional do agro, mais inclusiva. “As mulheres estão criando correntes sólidas em torno dos sindicados rurais, cooperativas ou mesmo, grupos independentes. Uma característica em todas elas é a busca constante por conhecimento”, comentou. 

Antes de ser escolhida para comandar a SRB, Teka já atuava na defesa das mulheres no agronegócio, incentivando as mulheres a assumirem os negócios no campo. “Foi desafiador apresentar uma legião de mulheres prontas para reivindicar sua liderança no agronegócio, mostrando o que pensam, o que temem e de que maneira trabalham”, disse ela, que em setembro, mais uma vez, quebrou uma tradição e foi eleita a primeira mulher presidente da Federação das Associações Rurais do Mercosul (FARM). 

Pesquisa e ciência 

Apesar de ser sempre representado no imaginário popular pela figura masculina, o setor de pesquisa e ciência também tem na linha de frente mais mulheres. Somente em São Paulo, as pesquisadoras ocupam 50% dos cargos científicos da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), de acordo com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, que possui seis institutos de pesquisa. Três deles são comandados por elas.

No Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), todos os seis centros técnicos são dirigidos por mulheres. Pesquisadora da entidade há mais de 35 anos, Eloísa Garcia encara como um grande satisfação o desafio de ser a primeira mulher a estar no posto de diretora-geral do Instituto, cargo que ocupa desde 2019. “A presença feminina é muito forte na pesquisa porque há mentes mais abertas, pessoas com visão mais inovadora”, afirma. Segundo dados do Instituto de Estatística da Unesco, no mundo apenas 28% dos pesquisadores são mulheres, que continuam sub-representadas nos campos da ciência, tecnologia, engenharia e matemática. 

A bióloga Ana Eugênia de Carvalho Campos, diretora do Instituto Biológico de São Paulo, considera importante a participação cada vez maior das mulheres em profissões estratégicas. “Dizem que as mulheres possuem a capacidade de fazer diversas coisas ao mesmo tempo. Que estamos sempre atentas, que somos curiosas e que conseguimos tomar decisões com rapidez. Todas essas características são importantíssimas para um gestor e para um cientista”, diz.

A visão é compartilhada por Priscilla Rocha Silva Fagundes, diretora do Instituto de Economia Agrícola (IEA). “O campo sempre foi visto como um ambiente masculino, apesar da mulher sempre ter uma participação importante dentro das propriedades rurais. Estamos, porém, ocupando cada vez mais lugar no setor dos agronegócios e na pesquisa científica”, conclui.

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