Máquinas e Inovações Agrícolas

Brasil já “respira”agricultura de baixo carbono

Por Leonardo Gottems

 

Produção de proteína aliada ao plantio de árvores compensa emissões

A pecuária tem sido apontada por ativistas como sendo uma das principais fontes emissoras de gases de efeito estufa (GEE), especialmente por causa do gás metano gerado no processo de digestão dos ruminantes. No entanto, vários estudos comprovam que a atividade é capaz de compensar suas emissões ao integrar a produção de proteína com o plantio de árvores e o manejo adequado das pastagens, entre outras técnicas.

De acordo com a organização sem fins lucrativos O Eco, gases do efeito estufa são aqueles que envolvem a Terra e têm como principal característica absorver parte da radiação infravermelha refletida pela superfície terrestre, impedindo que a radiação escape para o espaço e aqueça a superfície da Terra. Nesse sentido, os principais são os gases carbônico e metano.

Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima, o CO2 é o principal “culpado” pelo aquecimento global, sendo o gás de maior emissão (aproximadamente 78%) pelos humanos. O gás metano (CH4) é produzido pela decomposição da matéria orgânica. É abundante em aterros sanitários, lixões e reservatórios de hidrelétricas, e também pela criação de gado (a pecuária representa 16% das emissões mundiais de gases de efeito estufa) e cultivo de arroz.

O controle do carbono é mais simples. Basta aplicar o chamado “sequestro de carbono”, que pode ser realizado de forma natural ou artificial. Nos oceanos, florestas e outros locais, os organismos, por meio de fotossíntese, capturam o carbono e lançam oxigênio na atmosfera. São exemplos o reflorestamento e o sequestro geológico de carbono, uma forma de devolver o gás para o subsolo – onde é comprimido, transportado e depois injetado em um reservatório geológico.

O caso do metano é considerado mais complicado, já que a redução da emissão está ligada à melhoria da dieta do gado, com uma nutrição dos animais que minimizam as perdas de nutrientes, à melhoria dos pastos, à fertilização adequada dos solos e outras medidas que reflitam numa produção mais eficiente. No entanto, o lixo segue sendo uma fonte importante de metano. A prática de queima utilizada em lixões e aterros já assegura um benefício ambiental por transformar metano em dióxido de carbono que, como mencionado, é mais fácil de ser sequestrado e menos nocivo.

Pesquisa

Buscando aliviar as emissões dos gases de efeito estufa na produção agrícola do Brasil, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveram protocolo a ser seguido por fazendas interessadas em produzir carne mitigando os impactos causados por essas emissões. A entidade afirma que essas diretrizes são baseadas em experimentos com medições e estimativas de emissão e absorção de carbono-equivalente envolvidas na pecuária.

O resultado foi o protocolo “Carne Carbono Neutro (CCN)”, que tem como base os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), ou silvipastoris.  “A CCN está baseada nesse protocolo, um conjunto de normas que devem ser seguidas pelos produtores e atestadas por uma certificadora credenciada pela Embrapa,” resume a pesquisadora Fabiana Villa Alves.

A principal exigência dessas diretrizes é a essencial presença de árvores no processo produtivo. “A ILPF promove a recuperação de áreas de pastagens degradadas agregando, na mesma propriedade, diferentes sistemas produtivos, como os de grãos, fibras, carne, leite e agroenergia. Busca melhorar a fertilidade do solo com a aplicação de técnicas e sistemas de plantio adequados para a otimização e a intensificação de seu uso. Assim, permite a diversificação das atividades econômicas na propriedade e minimiza os riscos de frustração de renda por eventos climáticos ou por condições de mercado”, explica o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Em experimentos de longa duração, pesquisadores concluíram que o ideal é manter entre 200 e 400 árvores por hectare para neutralizar as emissões de metano de um a três bovinos adultos por ano, considerando que geralmente apenas metade dessas árvores são destinadas para produção de madeira serrada, que é o que efetivamente entra no cálculo de neutralização de acordo com o protocolo CCN. 

“A integração, sendo bem feita, gera lucratividade bem interessante”, atesta o engenheiro florestal Moacir Reis, diretor da fazenda Boa Aguada, do grupo Mutum, e presidente da Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas (Reflore MS). O gestor é da opinião de que, quando se trabalha com um único produto, a atividade fica muito vulnerável aos riscos econômicos, o que se reduz com a diversificação de renda.

Sustentável 

Além da ILPF, que é a mais comum, outras técnicas também promovem uma agricultura de baixo carbono. Uma delas é a conservação de solo. De acordo com a Embrapa, conservação do solo representa o conjunto de práticas agrícolas destinadas a preservar a fertilidade química e as condições físicas e microbiológicas do solo.

“A maior parte dessas medidas coincidem com aquelas recomendadas para o preparo do solo, como o uso de cobertura morta, o plantio em nível e a redução do uso de máquinas e implementos”, diz a entidade.

Isso porque, segundo artigo de Ildegardis Bertol, que é professor titular de uso e conservação do solo no Departamento de Solos da Universidade do Estado de Santa Catarina, até a década de 1960, predominou no Brasil o regime colonial de exploração das terras, em pequenas áreas, em que o preparo mecânico do solo era pouco agressivo. “O manejo do solo iniciava com a eliminação da vegetação nativa, seguida de preparo mecânico com tração animal, semeadura manual ou com tração animal e terminava com a queima dos resíduos após a colheita”, indica ele. 

Com esse desgaste, outra prática bastante usada é o plantio direto, que consiste no processo de semeadura sem ter o solo revolvido. “O plantio direto é uma técnica de cultivo conservacionista em que o plantio é efetuado sem as etapas do preparo convencional da aração e da gradagem. Nessa técnica, é necessário manter o solo sempre coberto por plantas em desenvolvimento e por resíduos vegetais. Essa cobertura tem por finalidade proteger o solo do impacto direto das gotas de chuva, do escorrimento superficial e das erosões hídrica e eólica. 

Indo mais a fundo e além do solo e do plantio, a recuperação das pastagens degradadas também é fundamental para o meio ambiente e para aumentar os lucros dos produtores. De acordo com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), pastagens degradadas são sinônimo de forragens pobres e solo erodido.

“Nas décadas mais recentes, com a exaustão dessa fertilidade, os produtores iniciaram trocas sucessivas de espécies forrageiras por outras menos exigentes em fertilidade, e consequentemente com menor produtividade, até o ponto em que mesmo essas espécies menos exigentes, como o capim-braquiária, não conseguem sobreviver”, diz a Embrapa.

“A possibilidade de sustentabilidade econômica de um sistema em que as pastagens estão degradadas é muito pequena. Então, há necessidade da tomada de decisão para reversão do problema, escolhendo-se a reforma ou a recuperação dos pastos degradados. 

Implantação

Para o produtor que quiser implantar a ILPF ou a ILP (Integração-Lavoura-Pecuária), não basta apenas plantar as árvores e distribuir o gado nas lavouras, existem métodos e certificações que garantem uma melhor eficácia. “Caso o produtor pense em implantá-lo em uma área de pastagem, deve ter o cuidado de colocar os animais somente quando as árvores estiverem com, no mínimo, seis centímetros de diâmetro. Essa medida assegura que a entrada dos animais no sistema não causará danos às árvores, diminuindo o valor comercial da madeira que será produzida. É também exigida a apresentação do inventário florestal anual contínuo, para fins de monitoramento do sequestro de carbono”, indica a Embrapa.

“Com finalidade semelhante, é obrigatório o registro dos teores de carbono no solo, por meio de amostragens bianuais. Esses valores não podem diminuir ao longo do tempo. Plantas invasoras na área da pastagem devem ser controladas, e o produtor deve fazer a reposição de nutrientes no solo. Caso haja excedente de pastagem, outros animais poderão pastejar na área CCN desde que seja respeitada a lotação máxima e que os animais estejam devidamente identificados. Já os animais do Programa CCN não devem pastejar em áreas não certificadas”, completa.

Para uma maior eficiência, a fonte principal de alimentação para os animais deve ser o pasto, e eles devem ser suplementados o ano todo. A suplementação alimentar não deve exceder a taxa de 2% do peso vivo, sendo permitida a terminação com suplementação (“confinamento à pasto”) por até 105 dias. A água fornecida aos animais deve ser de boa qualidade e por fluxo corrente ou, na impossibilidade, por renovação frequente.

“A CCN é uma tecnologia genuinamente brasileira. Não fomos atrás e soluções do exterior, pelo contrário, somos referência para especialistas que vêm de outros países conhecer nossa tecnologia”, orgulha-se Fabiana Villa, ressaltando que o trabalho brasileiro tem embasado programas de mitigação de GEE na pecuária de outros países, como Austrália e Argentina.

Conseguir essa certificação não é simples, mas a Embrapa garante que o retorno é bastante promissor. O mercado da carne vermelha é de 13,2 milhões de toneladas anuais exportadas. Só o Brasil exportou 2,2 milhões, em 2019. “O mercado para uma carne especial como da CCN é favorável, assim como é crescente o número de consumidores que exigem qualidade e sustentabilidade dos produtos. Grupos frigoríficos têm se interessado e acompanhado a evolução da produção da CCN”, indica.

O pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Roberto Giolo, acredita que a carne brasileira será beneficiada com o selo CCN e atingirá mercados mais exigentes, tanto o interno quanto o o externo, podendo aumentar a exportação brasileira. Entre os potenciais clientes estão países da Europa. 

“O programa é inovador e com grande potencial,” aposta Fabian Perez Gonçalves, da empresa SGS de serviços de certificação. Sergio Pimenta, da certificadora SBC, disse que ficou surpreso com a base tecnológica e científica do protocolo CCN. “É bem ampla e nunca vi algo tão detalhado. São muitos conceitos, e o selo vai incentivar produtores a adotarem as tecnologias necessárias,” declara. A SBC opera vários protocolos no Brasil e é a maior certificadora de animais de rastreamento para exportação.

Sucesso

Um caso utilizado como exemplo pela própria Embrapa e divulgado através da Rede ILPF, que presta serviços de informação para produtores que desejam implantar essa tecnologia no Brasil todo, é o da propriedade em Rondônia, a “Fazenda Dom Aro”. “Chegamos à conclusão no momento, que remonta há cinco anos, que não tinha outra decisão. Nós na verdade só tínhamos três alternativas: deixar tudo como estava e ir levando a meia boca; usar agroquímicos e reduzir o rebanho enormemente; ou dar uma parada no processo e começar a reestabelecer dentro dos princípios modernos das técnicas agronômicas”, comenta Giocondo Vale, pecuarista e proprietário da fazenda.

De acordo com ele, integrar a lavoura junto com a pecuário foi fundamental para pagar os custos desta reestruturação. No entanto, Vale não pensou apenas no lucro, investiu muito também na parte ambiental da sua fazenda. O pecuarista afirma que fez o caminho inverso da maioria, primeiro acreditou no meio ambiente, para depois começar a produzir.

“Eu fiz uma opção inversa. Optei primeiro por consolidar a parte ambiental, porque há tempos a gente já percebeu os possíveis problemas com a legislação e com o meio ambiente, então resolvi me antecipar a isso, porque é mais fácil fazer pelo bom senso. Dessa consolidação ambiental se estrutura o solo e agora nós vamos para a soja”, completa.

Com o solo degradado, Vale afirma que conseguia produzir meio animal por hectare de terra. Após a consolidação, produz três animais por hectare, fazendo suplemento no coxo na época da seca. “A evolução é excepcional”, conclui o produtor.

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