Como as agtechs vêm revolucionando o agronegócio brasileiro

Por Cristina Defendi

A revolução digital que o agronegócio brasileiro enfrenta atualmente é uma das principais apostas para mantermos os constantes ganhos de produtividade que marcaram o setor nas últimas décadas. Utilizando a Tecnologia da Informação, a Agricultura de Precisão tem ajudado o setor racionalizando o uso dos recursos e entendendo os processos biológicos, além de permitir o aumento da produtividade e a redução de custos e de erros da colheita, graças a dados de geolocalização, variabilidade do solo e níveis nutricionais, entre outros.

Análises preditivas possibilitam a antecipação dos efeitos das mudanças climáticas sobre plantios, contribuindo para embasar tomadas de decisão e gerar mais produtividade. Empresas têm recorrido às tecnologias embarcadas e recursos de Internet das Coisas inseridos nas máquinas agrícolas para monitorar processos de plantios em tempo real, como preparo, adubação e correção do solo. Inteligência artificial e machine learning (máquinas que aprendem) são conceitos que já estão sendo utilizados no campo para garantir ao agricultor uma produção melhor, mais eficiente e mais sustentável.

De onde vem tanta tecnologia? Para responder essa pergunta, precisamos olhar de perto as agtechs, empresas, em geral startups, que desenvolvem soluções para aumentar a produção e eficiência em todas as áreas da agricultura e que têm contribuído muito para a aceleração do desenvolvimento do setor.

Drones podem auxiliar no mapeamento de solo e durante atividades de plantio, colheita e pulverização

 

As agtechs fornecem serviços em diferentes áreas de atuação. Em função da variedade de serviços e da importância de aplicação, essas empresas têm sido alvo de investimento pelas grandes empresas do setor. Aquisições e parcerias movimentam o mercado, a fim de acelerar descobertas e o desenvolvimento, gerando uma movimentação significativa com US$ 437 milhões investidos apenas em 2017, cerca de 94,2% a mais do que no ano anterior, de acordo com a consultoria americana CB Insights.

Em 2014 o mercado das agtechs superava o das fintechs, recebendo investimentos da ordem de US$2,36 bilhões contra os US$2,1 bilhões da segunda.

Hoje, o Brasil conta com 1125 startups agtechs, segundo o “Radar Agtech 2019: Mapeamento das Startups do Setor Agro Brasileiro”, levantamento sobre o ecossistema de inovação brasileira para a agricultura, lançado em setembro pela Embrapa, SP Ventures e a consultoria Homo Ludens. De acordo com o estudo, quase 90% delas localizam-se nas regiões Sul e Sudeste do País. A cidade que concentra maior número delas é São Paulo, com 262, seguida por Piracicaba (SP), com 41, e Campinas (SP), com 38. Nas regiões Norte e Nordeste, a expressividade das agtechs em números ainda é tímida, mas as comunidades de empreendedores já começaram a descobrir o alto potencial do setor agropecuário.

Como elas atuam
De acordo com o relatório da CB Insights, as agtechs podem ser divididas em 18 categorias de solução, que podem ser aplicadas à pesquisa e desenvolvimento de fertilizantes, insumos agrícolas e controladores de pragas e doenças para uso no setor; formulação e criação de novos alimentos, aplicações que auxiliam na criação e gestão de programas de atração e fidelização, recomendação e recompensas para os consumidores; gestão animal, de lavoura e de propriedade; novas formas de plantio e acompanhamento e previsão de condições climáticas; automatização de criações de plantações; IoT; tecnologias para o monitoramento e acompanhamento de ativos, insumos e produtos gerados no campo; e drones e geoprocessamento, entre outros.

A Netword Agro, criada em 2017, possui um ambiente computacional web com elementos de IoT que disponibiliza aos agricultores o monitoramento continuado, com sensor de proximidade, da variação espacial georreferenciada dos atributos de solos e sua necessidade nutricional. As soluções da empresa permitem a identificação de possíveis danos antes mesmo de eles acontecerem, graças ao monitoramento por imagens da variação espacial georreferenciada dos atributos de lavouras (ervas daninhas, pragas e infestações).

“Nossos drones fazem o voo sobre determinado terreno, capturam as imagens, que são então armazenadas na nuvem, e posteriormente processadas, gerando mapas de incidências de pragas, doenças etc. A partir dos mapas gerados, integramos as informações com o maquinário de pulverização no campo. Tal inteligência de integração permite a redução de uso de defensivos em 40% na média, diminuindo também os custos operacionais”, comenta Marcos Ferronato, CEO da empresa.

O 5G proporcionará uma banda ultralarga, garantindo maior velocidade de conexão também no campo. Esse recurso é muito importante para aplicações em IoT, conectando máquinas e outros equipamentos agrícolas | Foto: Shutterstock

Já a Agrosmart, por meio de um sistema integrado a uma plataforma e um aplicativo móvel, realiza, em tempo real, a medição de diversas variações ambientais, como volume de chuva, umidade do solo, propensão de pragas, entre outras, por meio de sensores de solo e imagens. Todo o relatório gerado, de forma simples e informativa, mostra para o produtor informações exatas da plantação e o auxilia nas tomadas de decisões, podendo até diminuir os gastos. Com sensores espalhados pelas plantações, alguns clientes da Agrosmart apontam que tiveram uma economia de até 60% no consumo de água, 40% no consumo de energia e até 15% no aumento da produtividade.

“Hoje, nos deparamos com um problema sério para a população mundial. Em 25 anos, se não superarmos os atuais níveis de produtividade no campo, não haverá alimento suficiente para todos no planeta. Então, desde já é necessária a criação de soluções que ajudem a suprir essas demandas”, afirma Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart.

A Agrize, startup catarinense focada em atender os rizicultores, criou um método inovador de pulverização agrícola, substituindo o trator por um drone. A solução garante agilidade e segurança, pois a aplicação dos defensivos agrícolas ocorre de forma remota, não deixando o operador exposto a substâncias tóxicas. Esse serviço de pulverização agrega sustentabilidade ao negócio, evitando o desperdício. Outra vantagem é a possibilidade de aumentar a receita em 15%, já que sem o uso do trator não há o amassamento do arroz e, consequentemente, perdas na colheita.

De olho em todos esses benefícios, uma das maiores empresas de alimentos do país, a Urbano Agroindustrial, garantiu um aporte de R$ 2 milhões para a startup. A companhia, que atua no beneficiamento de arroz, feijão, farinha e macarrão de arroz, já utiliza a tecnologia da Agrize em fase de testes e acredita que a tecnologia do drone traz a solução de rastreabilidade, monitorando a produção, e mostra dados como o período de carência dos defensivos, trazendo mais valor agregado.

Prestígio Internacional
A Solinftec, que nasceu em Araçatuba e tem hoje pouco mais de uma década de vida, atende clientes que cobrem mais de oito milhões de hectares, em diversas culturas como a cana-de-açúcar, soja, milho, algodão, citros e café, em diversos países do mundo. A empresa utiliza uma plataforma integrada composta por soluções ponta a ponta que atendem tanto a demanda de gestão do parque de máquinas quanto a otimização da utilização de insumos, herbicidas, adubos e sementes.

Desde 2018, a Solinftec tem investido pesadamente em inteligência artificial (IA), lançando a Alice, sua plataforma de IA projetada para trabalhar com agricultores, e para integrar e processar dados de máquinas, pessoas, clima e insumos externos relevantes. Ela utiliza um sistema baseado em redes neurais e deep learning, e é treinada para analisar grandes massas de dados. Além disso, ela é capaz de detectar padrões que escapam ao olho humano, possibilitando melhorar o rendimento, indicar as melhores práticas, comparar, alertar e ajudar a programar as atividades do agricultor de forma mais eficiente.

Tanta inovação rendeu à Solinftec, no início desse ano, o reconhecimento como startup internacional mais inovadora na categoria Farm Tech do prêmio AgFunder Innovation Awards, que reconhece os empreendedores que impulsionam a indústria de tecnologia agrícola em todo o mundo.

Segundo Daniel Padrão, COO da empresa, “esse prêmio representa muito para a Solinftec e para o Brasil, pois demonstra como o ecossistema brasileiro de agtechs está crescendo e pronto para conquistar mercados internacionais. Certamente, é um reconhecimento que abre portas não só para nós como para outros empreendedores brasileiros”, conclui.

Impacto do 5G no agronegócio
Países de todo o mundo vêm estudando o 5G há cerca de uma década. No Brasil, a futura geração de telecomunicação móvel começou a ser discutida em 2015, mas somente em 2017, as operadoras, a indústria de telecomunicações e os centros de pesquisas fecharam um acordo do movimento 5G Brasil com seus equivalentes europeus. Com isso, o Brasil entrou na lista de países que debatem os últimos avanços e visões de pesquisa e desenvolvimento sobre essa tecnologia, espectro, padronização, teste de campo e aplicativos, com países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e China, além de parceiros.

No ano passado, as pesquisas começaram a dar espaço à preparação para o lançamento das primeiras redes, que poderão surgir a partir do primeiro leilão 5G, previsto para março de 2020. Entretanto, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já anunciou que a previsão pode mudar, por causa das interferências em antenas parabólicas. Isso porque uma das faixas que será leiloada é a frequência de 3,5 GHz e, de acordo com testes, a chegada na nova conexão pode causar interferências no sinal de TV transmitido por antenas parabólicas, que estão presentes em aproximadamente 22 milhões de domicílios brasileiros, principalmente em zonas rurais.

Enquanto o leilão não chega, a expectativa só aumenta. A tecnologia 5G irá proporcionar uma banda ultralarga, garantindo maior velocidade de conexão e, além disso, um maior número de usuários poderá ser conectado na mesma torre sem congestioná-la. Esse recurso é muito importante para aplicações IoT, em que os dispositivos conectados necessitam acessar e enviar informações em tempo real, remotamente, para garantir o monitoramento do comportamento e da produção no campo.


“Sabemos que o futuro do agronegócio está na conectividade. Os benefícios que ela traz para a agricultura de precisão são diversos. Além das funções tradicionais, tratores e colheitadeiras conectados se transformam em geradores de informações sobre o solo e a lavoura, auxiliando no combate às pragas e na correção da acidez do solo, entre outros inúmeros exemplos. A distância, é possível também ter dados do maquinário em tempo real, em geral, obtidos com alto investimento, permitindo a manutenção preventiva e customizada para cada tipo de equipamento, auxiliando, assim, na redução de custos”, explica José Gustavo Sampaio Gontijo, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia e Inovação Digital da Secretaria de Empreendedorismo e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

O Gontijo comenta ainda que a baixa latência é o benefício mais esperado da tecnologia 5G. Segundo ele, esse recurso garantirá, por exemplo, a telemetria em tempo real e, portanto, maior precisão do funcionamento das máquinas. Assim, o agricultor poderá ser mais ágil no processo corretivo durante as colheitas, além de conseguir fazer manutenções preventivas no campo.

Por fim, mas não menos importante, a 5G também irá endereçar o longo alcance para áreas pouco densas, como as rurais. “Hoje, a distância máxima de alcance de conexão é de 10km. A 5G considera incrementar essa distância para 50km a 70km”, conclui o diretor do MCTIC.

Câmara Agro 4.0
Além da chegada do 5G, o Governo Federal, através de uma iniciativa entre as pastas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) anunciou recentemente a criação da Câmara Agro 4.0 como parte do Plano Nacional de Internet das Coisas. A proposta dessa iniciativa é promover ações de expansão da internet no campo e a aquisição de tecnologias e serviços inovadores no ambiente rural.

Com um Conselho Superior formado por representantes do MAPA, MCTIC, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), a Câmara 4.0 possui quatro grupos de trabalho, focados nos seguintes eixos: desenvolvimento tecnológico e inovação; capital humano; cadeias produtivas e desenvolvimento de fornecedores; regulação, normalização técnica e infraestrutura.

O plano de ação para o período de 2019-22 foi aprovado em setembro e visa alavancar o uso de conceitos e práticas relacionados à Indústria 4.0 no Brasil. Outros objetivos são melhorar a inserção do País nas cadeias globais de valor e introduzir o uso de tecnologias da manufatura avançada nas pequenas e médias empresas.

Uma das ações já feitas pela Câmara foi o mapeamento dos hubs de inovação e das maiores e menores concentrações de conectividade no País. “A ideia foi cruzar as informações para determinar por onde o trabalho deve iniciar, especialmente nas áreas menos privilegiadas”, finaliza Gontijo.

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