Por Leonardo Gottems
Como funcionam os sistemas híbridos em máquinas agrícolas
As máquinas agrícolas, na figura do trator, surgiram originalmente na Europa com o intuito de tracionar, ou seja, puxar ferramentas pesadas, como arados e afins. No Brasil, o primeiro trator totalmente feito no País surgiu em 1960, mas foi somente a partir da década de 1990, com a abertura da economia nacional e a redução das taxas de importação (de 32,1%, em 1990, para 13,1%, em 1995), que esses maquinários ganharam notoriedade.
Com o tempo, a ideia de tracionar – que aliás deu o nome ao “tractor” –, foi sendo ultrapassada, segundo afirma José Paulo Molin, que é Professor Associado do Laboratório de Agricultura de Precisão (LAP). De acordo com ele, os tratores passaram a ter a função de “acionar”, ou seja, fazer com que ferramentas como plantadoras e pulverizadores funcionassem a partir da sua força e de seu motor.
“O trator deixou de apenas tracionar as coisas para acionar quando surgiu a tomada de potência (TDP) e logo a após a tomada de três pontos e também o levante hidráulico. Então a ferramenta atrás do trator passou a ser acoplada e não mais arrastada. Isso foi um grande mudança, um enorme avanço”, comenta.
No entanto, mesmo importante, esse não parece ser o único avanço destacado pelo professor. Ele explica que, a partir do ano de 2015, começou a notar que os tratores na Europa estavam migrando para a hibridização, que consiste na integração entre a hidráulica, eletrônica e a elétrica. “Nós aprendemos a lidar com a hidráulica, mas a sinalização agora é de que têm métodos mais eficientes, mais controláveis. Entra o acionamento elétrico”, completa.
O sistema híbrido, principalmente a tecnologia diesel-elétrica, defendida por muitos especialistas, consiste em um motor diesel conectado a um gerador para proporcionar a eletricidade necessária, tanto aos componentes de potência quanto aos sistemas auxiliares. O argumento usado é de que esse tipo de sistema oferece vantagens inclusive em relação ao sistema mecânico convencional, por exemplo, ao usar apenas o motor elétrico e as cargas da bateria quando o trator estiver parado, em marcha lenta ou alimentar o condicionador de ar.
“O acionamento elétrico implica em converter potência lá do motor em eletricidade e fazer acionamentos não mais por hidráulico ou TDP. Acho que nós vamos evoluir rápido para isso porque ele é mais automatizado, é perfeitamente controlado e compacto, sem os famosos vazamentos que os hidráulicos sempre têm”, indica.
Molin explica que, atualmente, são as semeadoras que estão definindo o modelo de trator a ser usado pelo agricultor, papel que os arados e as grades definiram no passado. Contudo, as semeadoras estão cada vez mais eletrificadas, com motores elétricos individuais para cada uma de suas 46 linhas, por vezes. “Nenhum trator disponível no mercado brasileiro tem a capacidade de acionar esse tipo de semeador, porque não foram equipados com a eletrificação. Então eu acredito que é evidente essa necessidade, isso falando somente do trator”, conta.
Brasil x Europa
Segundo o que informou Marcos Werner, supervisor de Marketing de Produto Colheitadeira na AGCO América do Sul, o uso no Brasil do conceito de processamento híbrido começou bem tímido em meados de 2008, atendendo inicialmente a um nicho de mercado de máquinas destinadas a colheita de arroz. Apesar disso, uma possibilidade maior de disseminação acabou sendo vislumbrada na época.
“Por ser uma condição de movimentação de material bem agressiva com a máquina, vislumbrou-se naquela época a possibilidade de trabalhar com esse conceito para outros grãos, olhando também, é claro, a performance desse tipo de processamento na Europa, porém em outros cultivares”, afirma.
No que se refere a motorização, devido às elevadas cargas exigidas de uma máquina agrícola, e à deficiência do armazenamento de energia elétrica, sistemas híbridos se detêm ainda a protótipos, mesmo em países na vanguarda do desenvolvimento tecnológico. E, consequentemente, no Brasil. É isso que acreditam o professor José Fernando Schlosser e o graduando Junior Garlet Osmari do Laboratório de Agrotecnologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
“Quanto à transmissão de potência de forma híbrida, tanto para tração quanto para acionamento de subsistemas, já temos alguns produtos entrando no mercado. No entanto, crescerá nos próximos anos com a utilização de pequenos geradores nas máquinas. Mas é necessário ficar atentos para avaliar as perdas na conversão de energia e não criar sistemas que apresentem essas perdas”, completam.
Apesar de o Brasil ter alguns produtos entrando no mercado, os pesquisadores da UFSM não veem ainda uma grande movimentação no setor. A explicação é de que, pelos trabalhos agrícolas executados no Brasil, muito exigentes em torque e potência, o desenvolvimento de altas demandas de tração é mais adequado aos meios de transmissão mecânica, ou seja, a base de engrenagens, por oferecerem mais eficiência energética.
Com isso, o sistema hidráulico nesses modelos possui apenas funções mais básicas, e os acionamentos são, em sua maioria, mecânico e a eletrônica segue em paralelo à indústria automobilística e está crescendo muito em tratores e outras máquinas, seja para implementar conceitos de agricultura 4.0, como agricultura de precisão, conectividade e automação. A elétrica ainda está pouco desenvolvida, e precisará de mais tempo para ser aperfeiçoada e se provar eficiente em um ambiente tão exigente como o agrícola.
A primeira colhedora híbrida do Brasil foi lançada pela Massey Ferguson com a capacidade de iniciar o trabalho no campo antes e finalizar depois que as demais colhedoras. A colhedora híbrida ofereceu, na época do lançamento, três tipos de plataforma de alto desempenho, a Dynaflex 8250 (caracol), Dynaflex 9250 (draper), única do mercado, e a série 3000 (milho) todas destinadas para suportar o máximo desempenho no corte e recolhimento dos produtos.
Mesmo sendo um produto com tecnologia avançada, de acordo com Werner, a aceitação do público vem sendo boa, já que esse conceito é o que consegue entregar a maior capacidade de processamento com menor perda de grãos, que é um fator decisivo na hora da compra. “Como a Massey Ferguson é a precursora desse tipo de processamento no Brasil, no que diz respeito a aceitação inicial percebeu-se que precisaríamos passar por uma quebra de paradigmas, visto que o pequeno e médio produtor só conhecia até então o sistema de saca palhas, há décadas no mercado. No entanto, hoje a performance já é reconhecida, o que torna muito mais fácil a comercialização das colhedoras, e também porque desde o lançamento o coração do sistema é o mesmo, apenas com pequenas modificações”, comenta ele.
“Entre Brasil e Europa, o conceito em termos gerais é o mesmo, ou seja, ambas são máquinas com trilha convencional e separação axial. Porém, esse conceito na Europa é utilizado em máquinas maiores, Classes VI e VII,e no Brasil, não só a Massey Ferguson como os outros fabricantes no mercado, utilizam esse sistema em máquinas IV e V, trazendo para o pequeno e médio produtor uma tecnologia de ponta, muito bem reconhecida na Europa”, completa.
Na Europa, no entanto, existem outras duas vertentes crescendo, que são os motores totalmente elétricos e também aqueles maquinários de motor interno a diesel totalmente convertidos. Molim indica que esses são outros caminhos que estão um pouco mais distantes do Brasil, mas que estão se desenhando para sistemas totalmente autônomos. “O trator elétrico, com potência elétrica é outra vertente, é outro desafio que está acontecendo em paralelo”, afirma.
Em relação à conversão, o executivo explica que há hoje dois grandes caminhos para irem os tratores e as máquinas. “Um deles é o motor de combustão interna convertendo 100% de sua potência em energia elétrica, que é o modelo da locomotiva moderna a diesel, ela converte toda a potência em energia elétrica e os acionamentos são todos elétricos e todos com a máxima eficiência e atendendo a demanda. A outra vertente são as células fotovoltaicas, ou veículo agrícola elétrico movido a baterias, aí entra a energia solar que pode promover uma autonomia energética, carregando as baterias enquanto o trator trabalha, mas isso é muito para o futuro ainda”.
Futuro
Para os pesquisadores da UFSM, pouca coisa mudará do estágio que temos agora nos próximos cinco anos. “O que virá pela frente depende do grau de influência que os mercados mais desenvolvidos oferecerão nos seus países de origem. Mas sem dúvida, tudo que tiver sucesso será o que for mais eficiente, com menores custos e, em segundo plano com maior conforto. A restrição crescente da mão de obra também influenciará a expansão da automação, o que é tendência também em outros setores”, garantem.
“Se fosse apostar, diríamos que tratores essencialmente mecânicos sempre terão seus nichos e nunca desaparecerão. Os tratores com itens hidráulicos aumentarão, principalmente pela versatilidade que eles oferecem. Os pacotes tecnológicos hoje concentrados em modelos de maior potência, serão encontrados em modelos menores também. Quanto à eletrônica, certamente teremos um embate nos próximos anos quanto à vida útil de itens eletrônicos e à dependência externa dos sistemas eletrônicos, principalmente software e hardware, mas tudo caminha para um aperfeiçoamento e maior empregabilidade da eletrônica”, acreditam.
Para Werner, na busca por excelência em colheita, no que tange a conceitos, estamos bem avançados. “Os próximos passos diria que seriam a otimização de componentes e sistemas específicos, buscando tirar o máximo de desempenho e entregar um valor de colheita para o cliente, seja esse um valor rentável ou um valor agronômico”, diz.
Isso porque, ele crê que a integração desses três pilares é essencial para um bom funcionamento de uma máquina agrícola, pois a mecânica vem para fazer o serviço pesado, a hidráulica para agilizar e minimizar o esforço da máquina, e a eletrônica para fazer os dois conversarem e poder tirar o máximo de proveito do produto. “Por isso cada vez mais as máquinas serão carregadas de componentes eletroeletrônicos, visto que eles vêm para monitorar e aumentar a eficiência do equipamento a cada colheita”, conclui.