Cuidados corretos com o sistema de câmbio

Por Joel Alves

O sistema de transmissão do trator é o responsável por fazer com que a força produzida pelo motor chegue às rodas de tração da máquina. Essa força, porém, deve ser modificada conforme a necessidade dos serviços, dos implementos e dos locais onde o trator estiver operando. A modificação é sempre uma reduzida de velocidade e a consequente aumento de força. O conjunto mecânico que executa essa modificação de força e rotação é a caixa de marchas e de grupos, também identificado como o câmbio do trator. Isso é feito através de engrenagens com diferentes números de dentes que são acopladas conforme a necessidade de força e rotação.

Na caixa de marcha há três ou quatro opções que são identificadas como primeira, segunda, terceira ou quarta marcha; alguns tratores possuem caixa com até seis marchas. Nos grupos há dois, três ou até quatro, normalmente identificados pelas letras: A, B, C, D. Quando há dois grupos apenas: alta e baixa, ou lebre e tartaruga. 

Na operação para cada grupo são disponibilizadas todas as opções de marcha. Então, no trator com quatro grupos e quatro marchas, dispõe-se de 16 combinações de rotação e força para melhor utilização conforme a necessidade operacional. Há, ainda, tratores com mais um conjunto de grupo posterior a caixa de marcha, oferecendo mais opções de relação. 

Atualmente um fabricante disponibiliza um câmbio com 54 opções, uma caixa de 6 marchas com um grupo anterior de 3 opções e um grupo posterior de mais 3; 6 x 3 = 18 x 3 = 54. Também é possível encontrar tratores com um grupo de reversão onde a marcha a ré não se encontra na caixa de marchas e é feita através de um grupo separado, o que possibilita a mesma quantidade de marchas para trás e para frente. 

Com tantas opções disponíveis o operador deve estar preparado e treinado para aproveitar ao máximo os recursos disponíveis na máquina, assim como o proprietário deve saber escolher na hora da aquisição do equipamento o que melhor atende suas necessidades. Hoje, o Brasil é farto de opções de maquinário, o preço elevado é que faz com que muitos produtores não consigam adquirir o ideal. O trator certo e o operador treinado é ainda uma realidade distante. Mas enveredamos nesse sentido.

Saber escolher a marcha e o grupo adequado para executar o serviço de maneira eficaz é essencial para um bom operador.
Veja a seguir procedimentos básicos que devem serem observados:

Consultar o manual para saber a potência e o torque do motor e as opções de marchas e grupos;

Identificar o giro (RPM) do motor que apresenta o melhor rendimento, é a chamada faixa de torque do motor. Consta no manual e também em alguns dos indicadores de RPM (conta-giros) no painel do trator;

Observar as características do implemento que vai ser utilizado e quais recursos operacionais oferece, bem como quanto exige de esforço do trator;

Reconhecer o local onde vai executar o serviço, tais como: tipo de solo, relevo, inclinações, irregularidade e outros aspectos específicos do lugar;

Condições gerais do trator e do implemento quanto a manutenção e conservação;

Recomendações do fabricante do implemento e do orientador técnico para o tipo de serviço a ser executado;

Então, de posse dessas informações, é que o operador deve escolher a marcha e o grupo que melhor corresponde às necessidades para tal operação;

Ao efetuar a operação de troca de marcha observar o giro (RPM) do motor para que se mantenha dentro da faixa de torque, e também manter um controle correto do acionamento da embreagem, para que não seja muito lento e nem muito rápido. Há um tempo adequado para se manter o pedal da embreagem acionado e que varia conforme o implemento e o trator. Esse procedimento de troca de marcha, e controle da embreagem, deve ser feito com atenção pelo operador, pois muitos problemas poderão advir pelo uso incorreto de tal operação. O destaque a ser feito é que somente com muito treinamento e a prática do dia a dia é que os operadores adquirem o ritmo adequado para um trabalho profissional e eficiente. O trator é uma máquina robusta, que disponibiliza muita força, e toda a operação que envolve mudança nas relações de forças entre os diversos conjuntos mecânicos, e em especial a transmissão, devem ser operadas com bastante cuidado e atenção evitando movimentos bruscos e solavancos que podem provocar rupturas momentâneas ou posteriores.

Exemplo prático
Em um trator com três ou quatro grupos, o último grupo (de maior rotação) deve ser utilizado somente para deslocamentos; e os grupos mais baixos (de menor rotação e mais força) para implementos e serviços mais pesados.

Como regra básica, utilizar os grupos intermediários: B ou C, com marcha intermediária segunda ou terceira. Se houver necessidade de correção é possível fazer sem mudanças bruscas, primeiro nas marchas e somente, se houver necessidade, no grupo. Cito um exemplo: a velocidade recomendada para um serviço de 9 km/h, as combinações de marchas e grupos para tal velocidade em um trator com 4 marchas e 4 grupos, mantendo o giro dentro da faixa de torque, são as seguintes: C1, B4, B3. O operador deverá optar por B4 ou B3; com implemento mais leve, B4; implemento mais pesado B3; e deve evitar C1, pois se houver necessidade de correção deverá trocar de grupo, uma operação que exigem mais cuidados ou até parar o trator. 

Sempre trabalhar com a opção de reduzir nas marchas e não nos grupos, assim, evita-se trancos e mudanças bruscas no trator e implemento, sendo que as correções também devem serem feitas na RPM do motor, desde que observados os limites da faixa de torque. Não se deve corrigir a velocidade indicada através da RPM abaixo do torque do motor, por isso, evita-se o grupo mais alto. 

A operação correta e bem orientada certamente levará a uma vida útil maior para todo o conjunto de transmissão e, em especial, de câmbio. Ainda estamos carentes de profissionais competentes, que executem os serviços com rapidez e com os devidos cuidados do maquinário. O rumo a seguir é treinamento e aprimoramento constantes. É na rotina do dia a dia que se deve corrigir alguns procedimentos inadequados. 

Manutenção
A preventiva é simples, agora se houver necessidade de manutenção corretiva, aí vamos ter problemas com maquinário parado por um período mais longo e com custos de peças.

A manutenção preventiva da caixa de câmbio consiste na troca periódica do óleo lubrificante e do filtro. Esse procedimento é especificado pelo fabricante, mas, normalmente, situa-se entre 500 ou 600 horas de uso para os filtros, e 1000 ou 1200 horas para o óleo.

 É necessário estar atento aos procedimentos recomendados, pois, normalmente, esse óleo também é o mesmo para o sistema hidráulico. Alguns fabricantes vem utilizando mais um filtro na linha de sucção da bomba hidráulica, com recomendação de limpeza ou substituição com número de horas trabalhadas menores. 

Certos tratores, que possuem o comando totalmente mecânico e com a alavanca de acionamento posicionada ao lado direito, utilizam um tambulador. Esse dispositivo necessita de lubrificação específica, que se não realizada produzirá o desgaste prematuro e acoplamento de duas marchas, na linguagem dos operadores: “acavalar as marchas”. Ainda faz parte da preventiva a inspeção diária do operador, que nesse caso é a verificação do nível do óleo da transmissão, bem como observar se a alavanca de marchas apresenta folga. 

A manutenção corretiva ocorre quando a preventiva não foi realizada corretamente ou os serviços executados estavam além da capacidade do trator, ou devido ao mau uso do operador. Claro que o desgaste natural, após anos de uso, também poderá levar a uma manutenção corretiva, mas isso demora, pois as caixas de transmissão possuem componentes bastante robustos e duráveis. A desmontagem para consertos demanda muito tempo, custos com peças e pessoal capacidade e ferramental adequado. 

Eixos, mancais, rolamentos, engrenagens, dispositivos de acoplamentos, luvas deslizantes, anéis sincronizadores, hastes de acionamento, reténs de engrenamento, e inúmeras peças menores tornam o serviço meticuloso e exigem muita precisão na montagem, pois qualquer descuido pode favorecer estragos posteriores maiores. 

Câmbio automatizado
Atualmente estamos presenciando uma fase de transição nos sistemas de câmbio mecânico para os automatizados. Alguns fabricantes estão adotando um sistema híbrido com grupos com dispositivo mecânico, mas as marchas são automáticas. Nos automatizados a embreagem é substituída por um sistema totalmente hidráulico, o “conversor de torque”, que é bastante simples mas requer cuidado especial quanto ao fluído específico. 

Nesse sistema a caixa de marchas e de grupos funciona com dispositivo de engrenagens tipo conjunto epicíclico, com discos de acionamento banhado a óleo. Nas oficinas é conhecido como “pacotes das marchas”. Esse é um sistema mais compacto e robusto, porém com custos de manutenção corretiva mais elevados. Durante a manutenção preventiva desse conjunto, que também está relacionada à troca de óleo e filtros nos períodos recomendados, é de fundamental importância observar as especificações corretas dos mesmos. Já presenciamos sérios danos aos conjuntos epicíclicos por utilização de óleo incorreto. 

Outras novidades nos sistemas de transmissão são os conjuntos variáveis, identificados como: CVT, AVT, VT ou variação infinita. Tais sistemas podem ser mecânicos, hidráulicos ou híbridos, mas ainda estão presentes apenas nos maquinários de maior potência e nas opções top de linha das montadoras. Observando a sequência da linha do desenvolvimento de máquinas agrícolas, arrisco-me a afirmar que o futuro (e bem próximo) dos sistemas de transmissão de tratores será totalmente hidráulico, também conhecido como transmissão hidrostática, já presente na maioria dos pulverizadores autopropelidos. 

De todos os requisitos exigidos pela moderna agricultura, a transmissão hidráulica atende com eficiência, simplicidade e precisão. Preparem-se mecânicos, operadores e agentes administrativos: a hidráulica está chegando para marcar posição por um longo período. A evolução avança para melhor, e é assim, pois necessitamos de mais tecnologia para produzir os alimentos de bilhões de pessoas.

Joel Sebastião Alves é instrutor de operação e manutenção de máquinas e implementos agrícolas e rodoviários *

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