por Adriana Gavaça
A Agricultura de Baixo Carbono (ABC) é um modelo sustentável para reduzir os impactos ambientais negativos da produção agrícola. A busca pela descarbonização do setor se baseia nas exigências do Acordo de Paris, cuja principal meta é neutralizar as emissões de dióxido de carbono até 2050 e de todos os gases de efeito estufa (GEE) até 2070. Esse foi um dos temas da nossa conversa com Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG). Na entrevista a seguir, ele destaca a importância de o Brasil investir em um modelo orientado por sustentabilidade, diversificação da pauta de exportações e investimento em tecnologias limpas, para suprir as demandas dos mercados interno e externo, ampliar a sua competitividade internacional e reduzir riscos aos produtores. Acompanhe:
O congresso da ABAG deste ano discutiu muito a sustentabilidade. Essa é a chave para o futuro do agro?
O tema foi escolhido a dedo. É um assunto que agora se está falando muito e que antes do dia 2 de agosto ainda era pouco discutido: [o fato de que] “nosso carbono é verde”. Fala-se de questões do meio ambiente, em diminuição dos gases de efeito estufa, através da descarbonização, em que a agricultura procura trazer para o mundo moderno energia limpa e sustentável. Já temos como exemplo o RenovaBio e estamos assistindo às práticas agrícolas que produzem com menor incidência e otimização de gases ou energia suja.
Como investir nesse tema pode ser benéfico ao Brasil?
O Brasil é um dos raros países que faz duas safras por ano. Ao final do congresso chegamos a ousar falar que o Brasil poderá ter uma terceira safra, que é a safra de carbono. Isso se conseguirmos manter, em breve, com muito esforço, todas as tecnologias que contemplam energia limpa, sistema de plantio direto, integração lavoura-pecuária-silvicultura e Amazônia intocável, fazendo entender que árvore em pé deve valer mais do que árvore derrubada. O mundo vai pagar por serviços ambientais. Se outros países acabaram com a sua vegetação e hoje dependem da manutenção das florestas de produtividade brasileira, o nosso carbono verde tem potencial de receita. Não é de curto prazo, mas meus filhos e netos se beneficiarão do fato de o Brasil preservar a sua produção através da não emissão de GEE. O Banco Central já está, inclusive, regulamentando os títulos de carbono. Em breve, será possível comprar e vender carbono ou descarbonização na Bolsa de Valores.
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O que ainda ameaça o setor?
O Brasil tem problema de imagem no mercado internacional. Devemos cuidar vivamente desse tema. Temos vantagens competitivas e capacidade de ter uma grande produção e produtividade sem derrubar qualquer árvore. Vamos conseguir ser competitivos e produzir de forma mais limpa, sem gases de efeito estufa, ou com a minimização e neutralização dos GEE, através do carbono.
As perspectivas são positivas…
A safra 2020/21 foi um recorde de receita agrícola, de endinheiramento por todo o Brasil. A próxima safra, que será plantada a partir da incidência de chuvas deverá ter incremento da receita agrícola, chegando a ultrapassar R$ 710 bilhões. No safra anterior, o Brasil teve apenas no mundo vegetal uma receita agrícola de R$ 516 bilhões. A previsão agora é de R$ 750 bilhões. A explicação para esse crescimento é que, em 2020, o dólar estava abaixo de R$ 4 quando a safra foi plantada e, quando foi colhida, em quase R$ 6. A safra 21/22 ainda passa por um efeito positivo da receita agrícola gerada nesse momento e, mais do que isso, o dólar hoje valendo R$ 5,30 nos leva a acreditar que o aumento da produção vai gerar aumento da receita agrícola, o que é muito positivo para o setor.
O que explica os resultados negativos do PIB do agro em alguns períodos de 2021?
Os R$ 750 bilhões de receita agrícola da área vegetal previstos são fruto de consultorias que fazem esse tipo de análise. De forma geral, são dois fatores que o agro não consegue controlar: clima e dólar. Não é possível controlar se terá geada, ou não, e também não dá para controlar se haverá seca, como ocorreu nas áreas de milho, e quanto se perderá em produção. Mas clima é uma coisa e câmbio é outra. Quanto ao câmbio, o produtor rural ficou suficientemente esperto para saber que quando recebe a safra, automaticamente deve fazer aquilo que os economistas chamam de hedge e comprar antecipadamente fertilizantes e defensivos que são arbitrados em dólar. Se você perguntar sobre o mercado de fertilizantes e defensivos, boa parte da safra já estava vendida. Isso porque quando o produtor recebeu a safra anterior, ele investiu para a próxima safra. O mais importante nisso tudo é olhar para os números que a Fundação Getulio Vargas vem apresentando, de que o PIB do agro representa 26,6% do PIB nacional.
É um número de grande relevância…
O agro é extremamente importante. Se não é a locomotiva que puxa a economia brasileira, certamente, é o primeiro e mais importante vagão da produção nacional. Mais do que isso, o agronegócio foi o gerador de 43% do volume de exportações do Brasil. Chegamos a US$ 100 bilhões com exportações, o que significa dizer que, nesse sentido, a balança de pagamentos está sendo realmente mantida através do agro. O Banco Central tem em seu poder de US$ 350 a US$ 370 no caixa, fruto de exportações do agro, sobretudo da soja, que foi muito superior ao que se exportou de minério de ferro e de petróleo, por exemplo, que eram dois produtos fortes em exportação. Não estou dizendo que eles deixaram de ser fortes, e sim que soja, milho, gado, suco de laranja, café, frango, porco, celulose etc., tudo isso está gerando uma receita em dólar no País que nunca antes foi vista.
Por que o emprego no campo não cresce na mesma proporção?
A tecnologia tem permitido, por exemplo, que se tenha tratores autônomos nas fazendas. Você pode ter colheitadeiras com GPS. Não é a mesma mão de obra que meu avô usava.
O que impede o setor de se desenvolver ainda mais?
Há dois anos havia a expectativa de que teríamos grandes privatizações no País, o que não se concretizou. Outra coisa que estamos devendo são avanços nas reformas institucionais estruturantes, como a tributária, administrativa e a política que ainda não saíram do papel.
Qual sua expectativa quanto ao avanço desses temas em 2022?
Conhecendo bem como funciona o Brasil, imagino que em 2022 só se falará em eleições. Não conseguiremos fazer nenhuma reforma substancial. Estamos cobrando e devendo reformas estruturantes ao Brasil, as quais poderiam torná-lo mais competitivo. Um terceiro aspecto é que temos de consolidar a nossa relevância no comércio internacional. Temos ainda a questão da imagem no mercado internacional, com problemas de desmatamento ilegal no Brasil. Precisamos discutir tudo isso para melhorar a imagem do País lá fora. A Organização das Nações Unidos para Alimentação e Agricultura (FAO) cobra do Brasil uma maior produção de alimentos para alimentar um monte de gente que ainda passa fome no mundo. O grande problema é que o Brasil tem que ter essa consciência de conseguir abastecer o mercado interno e externo com relevância.
A difícil equação de abastecer simultaneamente os mercados interno e externo pode ter resultado no aumento da inflação?
Talvez parte do excesso de exportação tenha gerado um problema de inflação. Como o País exportou muita soja, na hora de comprar o óleo de soja no supermercado o consumidor sentiu que o preço subiu. Claro! O País exportou toneladas de soja, óleo de soja e farelo de soja e, com isso, encurtou a oferta. Quando se tem um problema com o milho, que é o que está acontecendo agora por conta da seca, esse efeito acaba encarecendo o preço do frango, do porco e do bovino. Porque 70% do milho no Brasil é destinado à produção de rações. Então, um efeito colateral complicado disso é que, talvez, parte do problema da inflação seja creditado ao excesso de exportação.
Mas não é todo gerado por ele…
Uma parte substancial da pressão sobre a inflação é que achavam, há alguns meses, que se estava na Suíça. Os juros da Selic estavam em 2,5% ao ano. Agora já estão em 6,5% e caminham para 8,5% a.a. É preciso controlar a inflação. A inflação escapou um pouco, para não dizer muito, ao controle do governo. As reformas não foram feitas e está se perdendo um tempo precioso nesse sentido.
O que esperar do agro brasileiro no futuro?
Temos a obrigação de dividir com os países mais populosos a responsabilidade de alimentar o mundo. Muito se fala em China e Índia, que juntas têm um terço da população do mundo. Eles são grandes produtores, grandes mercados, mas não conseguem suprir toda a demanda. Nesse sentido, Brasil, Estados Unidos, Argentina e Austrália são produtores para suprir o que falta ao resto do mundo. Claro que usei China e Índia como exemplo pelo que representam, mas podia estar falando do Vietnã, da Malásia, da África subsaariana.
O Brasil tem papel de destaque nesse cenário…
O que se espera do Brasil é que ajude competitivamente a produzir mais e melhor e consiga ocupar e manter um lugar de destaque na produção global no agronegócio e na exportação. No ano passado, o Brasil forneceu para 180 países. Não apenas itens relacionados ao que o País hoje é líder em produção e exportação, como açúcar e suco de laranja, mas em uma série de produtos que vêm do agro e que ganharam relevância. A variedade de produtos para uma diversidade de mercados faz com que o Brasil seja importante no mercado internacional. Minha avó já dizia “não se deve colocar todos os ovos numa cesta só”. No tempo do meu avô, era só café e não tinha mais nenhum produto. Hoje é possível citar mais de dez produtos em que o Brasil lidera o ranking de exportação ou produção e, se fôssemos considerar o segundo, terceiro e quarto lugares, poderíamos aumentar ainda mais essa lista.
A chave então é a diversificação?
Sim. Hoje somos o maior exportador de frango no mundo árabe e um dos maiores exportadores de suínos para uma série de mercados, sobretudo a China, que é o maior consumidor de suíno no mundo. É uma soma de vantagens que diluímos com vários produtos e com vários mercados, o risco do nosso trabalho. Acredito que essa seja a chave do sucesso do agro brasileiro. O que isso quer dizer, traduzindo em miúdos: preço do café não está bom, mas o do algodão sim. A celulose está pagando muito bem, talvez o açúcar não. Vale lembrar a dádiva que o Brasil tem por ser tropical e que nos permite colher duas safras ao ano.