Máquinas e Inovações Agrícolas

Emissão de títulos: pulverização de recursos

Títulos do agronegócio permitem a captação de mais recursos para custeio da atividade no mercado de crédito privado

Por Viviane Taguchi

O empreendedorismo no campo, apoiado por sistemas de crédito e investimentos em diversas áreas – principalmente em novas tecnologias que garantem a sustentabilidade da produção – promoveram uma revolução econômica no segmento e a inclusão dos agropecuaristas no sistema econômico. Nesse ritmo acelerado, a sustentação da atividade depende, cada vez mais, da pulverização das fontes de financiamento.

As opções disponíveis para o custeio da produção agropecuária são várias. Da tradicional CPR, a cédula de produto rural criada nos anos 1990, e que sofreu alterações com a Lei do Agro, de 2020, aos novíssimos Fiagro, promulgados em junho, e os Green Bonds, créditos que priorizam a produção sustentável, os produtores têm mais liberdade e segurança jurídica para captar recursos no mercado de crédito privado (mercado financeiro e mercado de capitais) e garantir independência das fontes tradicionais de financiamento.

Títulos e a Lei do Agro

A abertura do mercado privado para o financiamento do agro ocorreu nos anos 1990 para fomentar os investimentos e ampliar a independência do produtor das fontes oficiais. Tão logo foi apresentada ao mercado, ganhou a simpatia do setor, que passou a empregá-los em diversos negócios. Os títulos mais tradicionais são a Cédula de Produto Rural (CPR Física e CPR com Liquidação Financeira), criados em 1994 e 2001. Em 2004, a Lei 11.076/2004 instituiu outros títulos, ampliando o mercado, com o Crédito de Depósito Agropecuário (CDA) e a Garantia Agropecuária (WA), os Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Crédito de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

Em abril de 2020, com a Lei do Agro (13.986/20), primeiro marco regulatório do financiamento ao agronegócio, as regras mudaram. José Ângelo Mazzillo Junior, secretário-adjunto da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), afirmou “que tais mudanças foram necessárias para lançar as bases para um mercado privado de crédito com maior liberdade de contratação e segurança jurídica, menos oneroso e mais transparente. “As mudanças promoveram adaptações dos instrumentos financeiros para promover a entrada da agropecuária nos mercados das finanças verdes. Novos tempos, novas leis”, disse. “Os novos mecanismos foram necessários para se carregar mais recursos financeiros privados para o agronegócio”.

Para se ter uma ideia do quanto os recursos aumentaram a partir da Lei do Agro, somente em emissões de CPR, entre julho de 2020 até maio deste ano, o estoque de CPRs registradas na B3 (volume total que consta nos papéis ainda não quitados) saiu de R$ 17 bilhões para R$ 40 bilhões, de acordo com Mazzillo. A quantidade de CPRs em estoque também aumentou, de 46 em julho do ano passado para 565 em abril deste ano. Segundo o Mapa, as CPRs relacionadas ao financiamento de soja e milho representam cerca de 70% do total.

Entre as principais mudanças, estão a criação de duas novas modalidades de garantia nas operações de financiamento rural, o Fundo Garantidor Solidário (FGS) e o Patrimônio Rural em Afetação (PRA); a expansão do financiamento ao agronegócio por meio de mercado de capitais, inclusive para a atração de investimentos estrangeiros e o aumento da competição no mercado de crédito rural, ao possibilitar a equalização de juros pelo Tesouro Nacional para qualquer instituição financeira autorizada a operar.

CPR

A Cédula de Produto Rural (CPR) foi o marco do desenvolvimento do sistema de financiamento privado do agronegócio. Criada pela Lei 8.929/1994, é um título de crédito líquido e certo, com a promessa de entrega futura de produtos. Em 2001, sofreu uma alteração (Lei 10.200/2001) e passou a título de crédito referenciado em produto rural, com a obrigação de pagamento em produto (CPR Física) ou de liquidação financeira (CPR Financeira).

Com a Lei do Agro, o registro passou a ser obrigatório e realizado por entidade autorizada pelo Banco Central, da mesma forma que já acontecia com as CPRs com valores acima de R$ 1 milhão e emitidas a partir de 1º de janeiro de 2021. Segundo Renato Buranello, coordenador do curso de Direito do Agronegócio do Insper, agora, para a nova CPR ser validada, é preciso que seja registrada em até 10 dias úteis da data de emissão. “As modificações incluíram as garantias e a CPR passou a admitir a constituição de todos os tipos de garantias previstas na legislação”, disse.

Produtor rural, associações ou cooperativas podem buscar os recursos através da CPR e também é possível quitar a dívida, não somente com a entrega de produtos primários, mas com produtos beneficiados ou industrializados. “A CPR é um dos principais meios de conseguir o valor financeiro para que o produtor possa exercer seu trabalho no agronegócio e ainda oferece algumas vantagens como a isenção do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e possui limite rotativo”, afirmou.

CDA/WA

O CDA e o WA, sempre emitidos em conjunto, representam a promessa de entrega de produtor rural em depósito e seu penhor rural, respectivamente. São emitidos por um depositário certificado pelo Ministério da Agricultura como armazém geral, mediante pedido de um depositante. São títulos normativos e à ordem, que podem ser garantidos por aval e passíveis de negociação autônoma. Deve ser emitido pelo prazo mínimo de um ano, e precisa, via de regra, qualificar o depositário, detalhando dados do armazém geral, produto empenhado e eventuais garantias. O título pode ser cartular ou escritural.

CDCA

Outro título instituído pela lei de 2004 é o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio, o CDCA, que também ajudou a ampliar a abrangência dos títulos privados na cadeia e pode ser emitido por produtores rurais e “outras pessoas jurídicas que exercem atividade de comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos e insumos agropecuários ou de máquinas e implementos”.

É um investimento de renda fixa atrelado aos direitos creditórios do agronegócio. Possui boa rentabilidade por conta da percepção de risco que é oferecida ao emissor. A sua aquisição pode ser feita no mercado de balcão, segundo Tiago Reis, fundador da Suno Research. “A sua emissão permite que as empresas ligadas ao agronegócio captem crédito em médio e curto prazo para investir em suas atividades no período de entressafra”, explica. “A emissão desses títulos permite que os produtores tenham acesso a taxas de juros mais competitivas quando comparado a um empréstimo bancário.”

LCA

As Letras de Crédito do Agronegócio, as LCAs, são investimentos em renda fixa oferecidos por bancos e corretores de investimentos com isenção de Imposto de Renda de Pessoa Física e para empresas, há a incidência de IR segundo a tabela progressiva do tributo estabelecida pela Receita Federal. Como em outras modalidades de renda fixa, é como se o investidor emprestasse dinheiro às instituições financeiras e recebesse, no fim do prazo, o valor acrescido de juros.

Existem três tipos de LCA: pré-fixado, quando o investidor já sabe desde o começo quanto vai receber de remuneração ao resgatar seu capital; pós-fixado, quando o investidor opta por ter seu rendimento atrelado pelo percentual de algum indexador, como a taxa Selic ou CDI e, neste caso, o investidor não sabe exatamente qual vai ser sua rentabilidade ao resgatar o capital; e a LCA Híbrida, que tem parte de sua rentabilidade atrelada a um indexador e parte relacionada a uma taxa de juros previamente definida.

CRA

Os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) são títulos de renda fixa lastreados em recebíveis originados de negócios entre produtores rurais, ou suas cooperativas, e terceiros, abrangendo financiamentos ou empréstimos relacionados à produção, à comercialização, ao beneficiamento ou à industrialização de produtos, insumos agropecuários ou máquinas.

Nessas operações, as empresas cedem seus recebíveis para uma securitizadora, que emitirá os CRAs e os disponibilizará para negociação no mercado de capitais, geralmente com o auxílio de uma instituição financeira. Por fim, essa securitizadora irá pagar a empresa pelos recebíveis cedidos. Assim, a empresa conseguirá antecipar o recebimento de seus recebíveis.

Os novíssimos Fiagro

Neste ano, as atenções do mercado financeiro estavam voltadas aos Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). A Lei 14.130/2021 foi aprovada e no início do último mês de junho, trechos que haviam sido vetados foram promulgados.

A lei que institui o Fiagro é decorrente do PL 5.191/2020, projeto de lei que tinha sido vetado parcialmente pelo presidente Jair Bolsonaro. O Congresso Nacional derrubou os quatro vetos e, com isso, foram reincorporados à lei trechos que preveem benefícios fiscais para os investidores, como a isenção de Imposto de Renda na fonte.

Buranello, do Insper, explica que o rol extenso de ativos confere “inerente polivalência” aos Fiagro, que podem atuar em searas distintas. Ele destaca, em especial, a possibilidade de transações de private equity, em que o fundo poderá atuar como investidor estratégico em empresas de capital fechado da cadeia agroindustrial. “Significa que o Fiagro tem vantagens em relação aos fundos imobiliários, por exemplo, que não podem participar diretamente em negócios do setor, e em relação ao Fundo de participação (FIP), que não pode ter participação em empresas ou ativos securitizados.”

Green Bonds

Na onda do ESG (Enviromental Social and Governance), usada para medir as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa, a sustentabilidade tem peso também no mercado financeiro. Diversos instrumentos financeiros vêm sendo criados para viabilizar a captação de capital para o financiamento de atividades econômicas sustentáveis. Nessa seara, destacam-se os títulos verdes, sociais, sustentáveis, uma combinação entre o verde e o social, e vinculados à sustentabilidade: Green, social, sustainability e sustainability-linked Bonds.

Os títulos verdes, sociais e sustentáveis são instrumentos de dívida emitidos por empresas, governos e entidades multilaterais, negociados nos mercados de capitais com a finalidade de atrair recursos para projetos que tenham como propósito um impacto socioambiental positivo. Já os sustainability-linked bonds (SLB) são instrumentos de dívida que tem como meta final fazer com o que emissor alcance as metas ESG, que são calibradas a partir de indicadores de desempenho (KPIs). Nesse cenário, o Brasil desponta como um destino de especial interesse para investimentos financeiros em títulos temáticos.

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