por Adriana Gavaça
Das cinco milhões de propriedades rurais do Brasil, 77% ainda não estão conectadas. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados mostram ainda que 97% dos agricultores e gestores do campo possuem celulares, e quase 90% são smartphones. Porém, quanto ao acesso à internet no campo, longe da sede da fazenda, onde geralmente há conexão, o índice de cobertura é de apenas 11%.
A pandemia ajudou a acelerar o processo de digitalização no campo. A tecnologia se tornou indispensável na disseminação de informações, otimização do tempo e redução de custos. Iniciativas como a do ConectarAGRO – associação civil criada para fomentar a expansão do acesso à internet nas áreas remotas do Brasil, da qual fazem parte empresas como AGCO, Bayer, CNH Industrial, Jacto, Nokia, Solinftec, TIM e Trimble – têm ajudado nesse processo. Em dois anos e meio, a associação já levou internet para mais de seis milhões de hectares no campo. A meta, de acordo com Gregory Riordan, presidente da associação e diretor de Tecnologias Digitais da CNH Industrial para a América do Sul, é ultrapassar a barreira dos 13 milhões de hectares em 2022.
Na entrevista a seguir, Riordan fala sobre os desafios e dos avanços na conectividade em áreas rurais, a importância de sua disseminação para que o agronegócio brasileiro se transforme no grande protagonista mundial, além dos próximos passos da associação. Acompanhe:
Como é possível aumentar a conectividade no campo?
O primeiro ponto que eu queria comentar aqui é que os atuais 23% de conectividade hoje é um número bastante otimista. Porque quando falamos em 23%, o número a que nos referimos aqui é praticamente de qualquer conectividade no campo. E o que aprendemos, principalmente depois de quase dois anos e meio de ConectarAGRO, é que nem toda a conectividade atende todas as necessidades. Hoje, para atender as funções de comunicação na fazenda, comunicação entre as máquinas, dados de operação, precisamos de, no mínimo, 4G. E aí esse número baixa para 11%. O modelo de negócios que as operadoras utilizam atualmente tem focado basicamente em conectar pessoas. Quando olhamos como a conectividade pública tem se expandido no Brasil, percebemos a existência de um percentual de quase 98% de 4G de cobertura nas cidades. Detalhe: 85% da população vive lá. No meio rural, esse índice de cobertura 4G cai para 11%, lembrando que só 15% da população mora no meio rural. Esse foi o grande fenômeno do por que a conectividade não expandiu em regiões agrícolas. Só que quase 27% do nosso PIB se deve à agricultura, ao meio rural.
O que tem sido feito para mudar essa situação?
A conectividade aumenta a eficiência e a produção nessas áreas. O que buscamos é, em vez de olhar apenas para as pessoas, olhar também para a produção agrícola que acontece nesses locais. Esse é o espírito: viabilizar a conectividade em áreas agrícolas e remotas, onde há uma densidade populacional menor, mas que é compensada pela eficiência na agricultura. Esse pensamento leva ao modelo de negócios, pelo menos o que está sendo adotado nesse primeiro momento, em que quem se beneficia é o agricultor, viabilizando a atividade no meio rural, mas que também contribui para a infraestrutura local. Com o ConectarAGRO já foram seis milhões de hectares cobertos dentro desse modelo. Quando olhamos o Brasil agrícola isso representa em torno de 8%, entre locais de produção de cana e grãos. Não estou incluindo a parte de gado. Esse índice indica que é um modelo extremamente interessante para avançar nesse tipo de cobertura. Observamos, inclusive, outras operadoras, que não estão no ConectarAGRO, também indo nessa direção.
Qual o papel da ConectarAGRO nesse processo?
Hoje é muito natural falar sobre conectividade no campo. É algo que todo mundo está falando: governo, produtores, empresas. Há dois anos e meio não era assim. Havia algumas iniciativas pipocadas de conectividade. Nós e outras empresas do mercado, juntamente com os clientes, nos questionávamos: a conectividade aparentemente é importante, ela traz mais rentabilidade e tem uma série de funções que eu posso fazer com ela que me parece eficiente, mas qual conectividade eu escolho? Essa era a grande incógnita. Todos estavam com medo, porque a conectividade demanda um investimento interessante e importante para o produtor. Ninguém quer errar na hora de instalar e, se fica uma sombra de dúvida, o que é que acontece? A pessoa pensa: vou esperar mais um pouquinho e instalar depois. Essa era a situação há dois anos e meio. As empresas que hoje fazem parte da Associação ConectarAGRo, as oito que deram início ao movimento, tinham essa discussão muito presente. Nos eventos em acabávamos nos encontrando, discutíamos esse ponto e chegávamos a uma conclusão: era preciso entender qual é o melhor caminho para só então começar a conversar sobre o assunto, a dividir essa experiência com os demais, e, a partir daí, criar um movimento com segurança para expandir. Conversamos durante três meses com produtores, cooperativas, empresas de telecom e outras de comunicação privada, tentando entender: o que o cliente precisa? Qual a solução técnica para isso? Depois de fazer essa avaliação longa, concluimos que o produtor precisava de três coisas básicas: ele queria simplicidade, uma relação custo/benefício interessante e que conectasse todos os equipamentos.
Por que a escolha pelo 4G?
Quando comparávamos as outras diversas soluções que existiam no mercado, o que melhor se encaixava como resposta era o 4G, mais especificamente sua variável de 700 megahertz. Estávamos ligando a TV analógica naquela época e esse 4G 700 megahertz indicava uma frequência mais baixa do que o 4G normal. E, quanto mais baixa a frequência, mais longe vai o sinal. Para o ambiente agrícola era o ideal. Procuramos conversar com as operadoras para levar conexão não só para a cidade, mas priorizar também o campo. Acabamos nos encontrando com TIM, com Nokia, que também fazem parte da formação da associação, para construir esse modelo de negócios que permitisse levar a tecnologia mais adequada para o ambiente rural. Feito isso, nesse último ano e meio de formação da ConectarAGRO, chegamos em 6 milhões de hectares com a tecnologia 4G instalada, viabilizada por dez grandes projetos de produtores. O que é interessante, e parafraseando um pouco o slogan da TIM, é que “a conectividade não tem fronteiras”. Quando é instalada em uma área, ela não fica limitada àquela região, daquele produtor, ela expande, extrapola para a área dos demais. O que se descobriu com essas 10 grandes instalações é que, na verdade, a conexão transbordou para uma área de mais de 50 mil produtores. E dentro desses, 90% são produtores abaixo de 100 hectares, produtores de porte pequeno, familiar. E o mais legal é que acabamos disponibilizando também o sinal e todas as ferramentas tecnológicas para esses produtores. De certa forma, a instalação nessas 10 grandes áreas de produção agrícola, democratiza, traz esse benefício para quem está no entorno.
Quais os próximos passos da Associação?
Buscamos expandir mais essa conectividade. Temos um desafio de até 2022 elevar esses seis milhões de hectares para 13 milhões de hectares. O interessante é que, quando falamos no 4G puro, abaixo dele existe a Internet das Coisas (IOT), que serve para conectar pequenos sensores. A abrangência dessa conectividade é praticamente o dobro do 4G. Se hoje levamos 4G para 6 milhões de hectares, já foram 12 milhões em IOT. Aprendemos também, ao longo desses dois anos e meio, que não adianta pensar só no quantitativo. É preciso treinar as pessoas. Então, como parte da expansão, estamos criando uma iniciativa de educação. Outra frente está relacionada ao ecossistema, a fim de agregar outras empresas para serem conhecedoras da iniciativa e poder desenvolver aplicações para isso. Um terceiro pilar dessa estratégia foca em novos modelos de negócios. Muitos dos projetos que têm sido habilitados pelo ConectarAGRO são executados em grandes propriedades. Mas temos estados onde eventualmente em vez de um grande produtor ocupando 15 mil, 20 mil hectares, existem 30 produtores, cada um ocupando mil hectares. Como viabilizar a instalação de uma infraestrutura, de forma coletiva, nesses locais? Porque, no final das contas, o objetivo da entidade não é só levar conectividade para o grande produtor. É viabilizar conectividade para todo o Brasil rural.
O que muda com a entrada do 5G?
O 4G hoje traz um mega benefício para a agricultura. É a tecnologia que existe hoje. Ela não depende do leilão que está para acontecer. Por isso, temos batido tão forte na tecnologia 4G, porque é o que nós temos, é o que faz sentido. O 5G, como o próprio nome diz, é uma evolução do 4G. Mas não quer dizer simplesmente arrancar todo 4G já existente e mudar para 5G, jogar fora toda a infraestrutura que se criou. Vejo como uma evolução natural. O 5G abre, inclusive, algumas possibilidades de avanços para o que o pessoal chama de latência, que é a demora para o sinal chegar, além de capacidade de transmissão. Eu acho que ele configura várias oportunidades, mas ainda existe um caminho bem importante a ser percorrido com o 4G.
A falta de conectividade pode comprometer o protagonismo do Brasil, como maior produtor agrícola mundial?
Sem dúvida, pode. Teve um estudo, não tão recente, do BNDES, em que o foco era tentar identificar setores essenciais no Brasil, que deveriam avançar em relação à conectividade. Das várias verticais, quais seriam prioridade para o Brasil. Se não me engano, foram definidas quatro áreas: Saúde, Cidades, Indústria e Agricultura. Essas foram das vinte e poucas verticais, as quatro selecionadas. Naquele estudo, se antecipava que um Brasil Conectado Agrícola poderia gerar um ganho, em até cinco anos, de 23 bilhões de dólares ao ano. É um número absurdo de benefício que se pode trazer para nossa agricultura. Isso, hoje, são coisas que estamos perdendo. Estamos deixando isso na mesa, estamos deixando de aproveitar.