Alysson Paolinelli tinha 86 anos; sua carreira foi marcada pela criação da Embrapa e pelo desenvolvimento da agricultura tropical, também chamada de “revolução verde”
O ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli morreu nesta quinta-feira (29), em Belo Horizonte, aos 86 anos. O produtor estava internado há 28 dias no Hospital Madre Teresa, em Belo Horizonte, e teve complicações decorrentes de uma cirurgia no fêmur.
Em nota, a Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) lamentou o falecimento do ex-ministro. “Paolinelli foi uma figura ímpar no campo da agricultura brasileira, deixando um legado significativo para o setor. Sua trajetória exemplar como engenheiro agrônomo, pesquisador e líder inspirou gerações de profissionais e contribuiu de forma inestimável para o desenvolvimento agrícola do país”, diz a entidade.
A história de Alysson Paolinelli teve início em Bambuí (MG). Filho único, seguiu os passos do pai, que era agrônomo. Estudou na Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL) e seguiu na área acadêmica, como professor de Hidráulica, Irrigação e Drenagem.
Em 1971, assumiu a secretaria de Agricultura de Minas Gerais, criando incentivos e inovações tecnológicas que tornaram o estado o maior produtor de café do Brasil. Três anos depois, virou ministro da Agricultura. Nessa época, ajudou a modernizar a Embrapa e demais centros de pesquisa espalhados pelo país e a promover a ocupação econômica do Cerrado.
Em uma entrevista para a revista Máquinas & Inovações Agrícolas, em março de 2022, sobre a agricultura tropical e a revolução verde, ele comentou:
“Dei autonomia técnico-financeira para os pesquisadores e isso foi uma virada de chave importante, porque muitos estavam sufocados pela parte burocrática, tendo que lidar mais com prestação de contas do que propriamente com pesquisa”, relembra Paolinelli.
Segundo ele, outro passo importante foi não deixar o governo atuar sozinho. “Tanto no meu trabalho como secretário estadual lá em Minas, quanto como ministro, nós chamamos as universidades, as instituições de pesquisa estaduais e a iniciativa privada. Considero que esse também foi um elemento fundamental, porque a iniciativa privada é muito mais objetiva e trabalha para ter resultado, senão ela quebra. E essa mentalidade entrou no setor público e fez com que a Embrapa passasse a ser ainda mais eficiente. Em pouco tempo, ela começou a gerar o conhecimento que nós não tínhamos antes em agricultura tropical”, explicou na ocasião.
O resultado, segundo o ex-ministro, é que essa agricultura tropical foi criada em menos de 10 anos e é a mais competitiva e sustentável que o mundo tem até hoje. “Tudo isso só foi possível porque nós criamos um ambiente de pesquisa para chegar às soluções que precisávamos”.
Nobel da Paz
O Brasil, naquele momento, era importador de alimentos e o Cerrado era um imenso vazio no meio do País. Não existia agricultura tropical. Paolinelli foi o primeiro a voltar os olhos para essa região e a investir pesado na formação de profissionais que o ajudaram a elevar o Brasil, em cerca de cinco anos, de importador a exportador mundial de alimentos.
Em outra entrevista para a revista, em agosto de 2021, por ocasião de sua indicação ao Nobel da Paz, ele afirmou:
“O Cerrado de fato nos surpreendeu. Produzimos alimentos de melhor qualidade, com menor preço e com constância de oferta. Porque aqui, no Brasil, produzimos o ano inteiro. Temos, naturalmente, duas safras e, com irrigação, três safras no ano. Esse é o grande diferencial e que o Normam Borlaug (o último da vencer um prêmio Nobel na Alimentação) viu muito bem. Antes de morrer, nós fomos muito amigos. Borlaug acabou me indicando para o World Food Prize, que eu ganhei, em 2006. Tive muita convivência com ele até sua morte, em 2009. E ele sempre foi muito enfático: a grande revolução verde quem fez foi o Brasil. Essa é a razão para estarmos hoje brigando por esse prêmio.”
Presidente executivo da Abramilho, o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz 2021. A nomeação foi protocolada no Conselho Norueguês do Nobel (The Norwegian Nobel Committee) pelo diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), Prof. Durval Dourado Neto.
Seu nome recebeu apoio de 119 instituições do Brasil e do exterior, representando 24 países. Na ocasião, Paolinelli era enfático ao dizer que se o Brasil ganhasse o Nobel, que prêmio não seria apenas seu.
“O prêmio será do produtor que acreditou, do cientista que fez bem feito, do extensionista que fez a assistência técnica de extensão rural, dos técnicos que nos ajudaram a montar programas de políticas públicas e que deram certo e que permitiu ao Brasil essa revolução”, assinalou.
Ele não se mostrava otimista de que o prêmio viria para o País, mas constantemente afirmava que a agricultura brasileira merecia esse reconhecimento.
“É uma injustiça não dar atenção ao que estamos fazendo aqui. Os últimos relatórios da União das Nações Unidas (ONU) mostram que eles reconhecem o Brasil como a única área capaz de sustentar o mundo. Estão dizendo isso de forma muito clara. E reconhecem que a agricultura tropical sustentável que o País desenvolveu, nesses últimos 40 anos, é de fato a mais sustentável e é a única garantia que o mundo tem de ter um suprimento alimentar garantido no futuro”, aponta.
Expansão da fronteira agrícola no Cerrado
O mais emblemático exemplo de que a adoção de novas tecnologias no campo é capaz de dar suporte ao aumento da produtividade foi a “Revolução Verde” que tomou o Brasil na década de 1970 e foi iniciada alguns anos antes com o processo de ocupação produtiva nas áreas do Cerrado brasileiro. Uma das mentes por trás disso foi do engenheiro agrônomo Alysson Paolinelli.
“Não gosto de falar que liderei esse processo porque, na realidade, o que fiz foi levantar alguns problemas e procurar soluções através de um grupo que nós criamos lá em Minas Gerais, de profissionais muito comprometidos e voltados à resolução dos problemas que tínhamos na época”, relembrou Paolinelli na entrevista concedida em março de 2022. Segundo ele, era inacreditável que o Brasil, um país de clima tropical, era dependente da exportação de alimentos.
“Tinha de haver uma revolução, porque a agricultura era de subsistência. Mas, antes de propor o que propus, andei por diversos países, procurando o que tinha de pesquisa sobre agricultura tropical e não achei nada. O mundo não tinha respostas para nossas questões”, ressaltou.
A partir daí, Paolinelli voltou ao Brasil ainda mais interessado nessas respostas e se juntou a uma equipe formada por gente da iniciativa privada, do governo e ligada a organismos nacionais e internacionais.
“No início, foi um processo demonstrativo e indutivo. Tivemos quase que laçar uns 25 produtores para que eles entrassem no projeto de recuperação do Cerrado. Foi uma fase difícil, porque era tudo novidade e o sujeito tinha que ter uma mentalidade mais aventureira para aceitar participar dos testes de manejo do solo. Graças a Deus, o ano de 1971 foi muito bom de clima e isso nos ajudou bastante. Quando o projeto começou a dar certo, o processo foi invertido: no final do ano, nós já tínhamos mais de mil pedidos de adesão. E nisso tivemos de tomar um cuidado imenso, porque não podíamos frustrar os produtores. Para dar conta, fizemos um processo de captação de engenheiros agrônomos no país inteiro e trouxemos mais de 700 para que o projeto fosse colocado em prática, tudo com a ajuda do Banco de Desenvolvimento de Minas e de vários organismos do estado mineiro. A partir daí, criamos um sistema integrado de pesquisa para que todos trabalhassem na mesma direção”, explicou Paolinelli.
O resultado desse esforço conjunto é que as áreas do Cerrado, antes improdutivas, passaram por manejos ao longo dos anos, foram fundamentais para a consolidação de uma agricultura tropical e se tornaram a principal produtora de grãos do Brasil, alçando o país a uma potência agrícola no cenário mundial.
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