Máquinas e Inovações Agrícolas

Normas para sistemas de irrigação e drenagem contribuem para uso sustentável da água

Foto: Shutterstock

Por Luciana Fleury

Dados da ANA (Agência Nacional de Águas) apresentados no “Atlas Irrigação” indicam que o Brasil está entre os 10 países com maior área equipada para irrigação do planeta, totalizando 6,95 milhões de hectares. Estudo da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) divulgado em 2018 apontava a existência de 4,5 milhões de hectares de área prioritária pronta para receber a agricultura irrigada, considerando um horizonte até 2024. Para ser sustentável, no entanto, este impressionante salto de 65% precisa ser dado com o uso de sistemas bem projetados e instalados, dotados de componentes de qualidade para que a irrigação aconteça com precisão, economia e sem agredir o meio ambiente. É para contribuir com esse cenário que a CE-203:018 (Comissão de Estudo de Sistemas de Irrigação e Drenagem do ABNT/CB-203 – Comitê Brasileiro de Tratores, Máquinas Agrícolas e Florestais da Associação Brasileira de Normas Técnica) trabalha, realizando a tradução de normas que tratam de diversos aspectos relacionados aos sistemas de irrigação e drenagem. O Brasil já adotou 17 dos 40 textos internacionais existentes e a meta para 2020 é que mais oito estejam em vigor até o final do ano.

“As normas estabelecem requisitos mínimos que devem ser considerados durante o projeto e na fabricação dos componentes, para garantir que eles tenham a durabilidade, resistência e desempenho desejados”, explica Antonio Pires de Camargo, coordenador da CE-203:018 e professor na Faculdade de Engenharia Agrícola da UNICAMP. “Há, também, textos sobre os métodos para a realização dos ensaios que verificam o cumprimento desses requisitos mínimos”, complementa.

Como exemplo, Camargo cita a ABNT NBR ISO 9261:2006: Equipamentos de irrigação agrícola – Emissores e tubos emissores – Especificação e métodos de ensaio. Entre diversos aspectos, o texto estabelece um coeficiente de variação para os gotejadores. “O fabricante pode prever um gotejador com vazão nominal de 2 litros por hora quando submetido a uma pressão de 1 bar; no entanto, é natural que haja imperfeições no sistema de fabricação e nem todas as peças funcionem desta forma, algo aceitável dentro de um determinado limite, mas que pode gerar problemas caso a variação seja muito grande. Assim, a norma determina que esta variação entre os gotejadores do sistema não pode ser superior a 7% e descreve como o teste comprovatório deve ser realizado”, afirma.

Vale ressaltar que, quando se trata de textos normativos, a denominação “requisitos mínimos” é utilizada para garantir a qualidade básica necessária, mas dando a liberdade para o fabricante oferecer algo ainda mais robusto, resistente ou com melhor performance. Outra consideração importante é que todo o atual arcabouço normativo para sistemas de irrigação abrange os métodos pressurizados, ou seja, subterrâneo, por aspersão ou localizado; não incluindo o por superfície (mais antigo e ainda muito utilizado no Brasil, especialmente no cultivo do arroz irrigado).

Novas normas em discussão

Apesar de já contar com um conjunto de 40 normas, o comitê internacional da ISO que trata de sistemas de irrigação e do qual o Brasil faz parte, atua para ampliar os assuntos abrangidos, além de realizar revisões periódicas dos textos em vigor, para garantir sua permanente atualização. No momento, nada menos do que dez documentos estão em análise, sendo nove construídos totalmente do “zero”. Um deles, por exemplo, visa especificar os requisitos de montagem do cabeçal de controle. Bastante inovadora, uma outra norma trata de assuntos relacionados ao monitoramento e controle remoto da irrigação, algo complexo e que envolve outras questões para além do sistema em si, como o protocolo de comunicação de dados entre equipamentos. Apesar de a maioria das novidades estarem mais ligadas aos fabricantes, um dos novos materiais pode interessar diretamente o produtor. “Um dos textos em discussão trata da implementação de sistemas de irrigação pressurizados e vai trazer recomendações bastante práticas dos requisitos de cada tipo, configurando-se como um verdadeiro guia de instalação”, revela Camargo.

Para ele, no entanto, ainda falta a inclusão, entre os novos assuntos, de um texto normativo voltado para a avaliação de desempenho de sistemas instalados em campo. “Seria muito interessante, porque um técnico poderia ir a uma propriedade, e, tendo por base a norma, analisar todo o projeto instalado, identificando aspectos críticos, levantando informações operacionais e de desempenho, avaliando o sistema de filtragem; se as eventuais rotinas de tratamento de água e manutenção do sistema são suficientes para evitar desgaste precoce dos componentes, e, também, verificando as condições operacionais do sistema de bombeamento”, destaca.

Camargo afirma que este tema não está contemplado nas atuais discussões e que poderia ser discutido pela comissão brasileira e levado para a ISO visando sua adoção internacional.

Selo de qualidade

Além de apontar a necessidade de uma norma para sistemas instalados, Camargo defende a criação, no Brasil, de um processo de certificação para componentes de sistema de irrigação. “Sem isso, os fabricantes não são obrigados a submeter os produtos a ensaios normatizados; algo negativo para o consumidor, que fica sujeito a encontrar produtos com diferentes níveis de qualidade e sem condições de avaliar esta qualidade”, diz.

Opinião diferente tem Renato Silva, presidente da Câmara Setorial de Equipamentos de Irrigação da ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos). Segundo ele, o País já conta com produtos de qualidade e com mecanismos que contribuem para isso. “Os fabricantes são muito adeptos do que há de melhor nas tecnologias disponíveis e trata-se de um mercado protegido em função das linhas de beneficiamento do BNDES, ou seja, todas as fabricantes atuantes têm de ter presença local e não há importação direta, como ocorre com outros equipamentos e pode promover a entrada de produtos de qualidade duvidosa”, explica. Silva destaca, ainda, que o Brasil conta com normas de licenciamento ambiental muito avançadas, o que impacta em uma outorga criteriosa e demandante de controles bem exigentes com relação à água utilizada no processo de irrigação. Para ele, seria mais eficaz estabelecer uma certificação para o produtor. “Isso faria com que todo o produtor adotasse práticas modernas de uso racional da água, como a telemetria para ligar o pivô na hora certa, por exemplo”, comenta. Segundo ele, a criação de um selo aliado à redução da burocracia com relação à outorga e licenciamento ambiental poderia facilitar o crescimento da agricultura irrigada e, consequentemente, o aumento da produtividade, evitando novas aberturas de áreas, ou seja, sem desmatamento.

O produtor Fabiano B. Nardoto, no entanto, é a favor de uma certificação com foco nos produtos disponibilizados no mercado. Proprietário da Fazenda Esperimos, localizada em Cocalzinho de Goiás (GO), há três anos utiliza o sistema de gotejamento subterrâneo em uma área de 25 hectares dedicada para a rotação das culturas de feijão, milho e soja. Adquiriu o sistema de irrigação após muita pesquisa e por conhecer a marca, e destaca como grande vantagem o fato de poder realizar a fertilização e a irrigação com o mesmo equipamento. O aumento de produtividade foi significativo. “O de soja passou de 80 sacas por hectare no sequeiro para 100 no irrigado; e no milho, a gente tirava 180 sacas por hectare no sequeiro, no irrigado são 300”, contabiliza. “Eu não sabia que havia normas técnicas para os sistemas de irrigação, mas acho importante que tenha. E se tivesse um selo indicando que aquele produto passou por testes seria muito bom, porque teria uma garantia a mais do desempenho e durabilidade do sistema”, afirma. Ele é taxativo ao dizer que esta informação influenciaria de forma decisiva na tomada de decisão pela compra. Mesmo que representasse maior custo na aquisição.

Presença brasileira

O Brasil é um dos 10 países participantes com direito a voto do ISO/TC23/SC18 – Irrigation and drainage equipment and systems, grupo dedicado a discussões sobre normas técnicas internacionais sobre sistemas de irrigação e drenagem. Outros 22 países participam, porém, apenas como observadores.

Em um esforço do ABNT/CB-203, para alavancar a participação do Brasil nessas discussões, foi viabilizado o envio de um representante para participar presencialmente de uma reunião plenária do ISO/TC23/SC18 realizada na China. “Todos os especialistas presentes eram pessoas com muita experiência e nível técnico muito elevado. Foi uma participação bastante diversa, com representantes de fabricantes de componentes, de laboratórios de ensaios, além de professores universitários e pesquisadores”, comenta Antonio Pires de Camargo, Coordenador da CE-203:018 (Comissão de Estudo de Sistemas de Irrigação e Drenagem do CB 203 – Comitê Brasileiro de Tratores, Máquinas Agrícolas e Florestais da ABNT), que representou o Brasil. “A ida à China foi muito relevante para participarmos de forma ativa, indo além da criação de versões de documentos em português para a adoção pela ABNT, e passando a atuar também na revisão desses documentos e no desenvolvimento de normas em elaboração, o que permite a inclusão de demandas nacionais”, diz Camargo.

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