Máquinas e Inovações Agrícolas

Normas para segurança ocupacional em colhedoras

Foto: David Mark/Pixabay 

Por Luciana Fleury

As colhedoras contam com uma robusta coletânea de normas técnicas internacionais voltadas a garantir, por parte de seus fabricantes, a segurança, saúde e conforto ocupacional do operador. Um patamar para o qual o Brasil caminha a passos rápidos para alcançar com o trabalho realizado pela Comissão de Estudo de Equipamentos para Colheita e Conservação do ABNT/CB 203 – Comitê Brasileiro de Tratores, Máquinas Agrícolas e Florestais, que já resultou na adoção nacional de 14 textos normativos do total dos 24 existentes internacionalmente. “No momento, temos duas normas no penúltimo estágio antes da publicação e a expectativa é de chegarmos ao fim do primeiro semestre de 2019 com 16 em vigor”, comenta João Zago, coordenador da Comissão.

Apesar de um tanto tardia – o mundo conta com normas de colhedoras pelo menos desde 1983 enquanto a primeira versão nacional data apenas de 2015 – a adoção é relevante. “A imensa maioria dos fabricantes já considera o estabelecido internacionalmente no momento de desenvolver seus produtos, até porque atende outros mercados além do Brasil. Porém, a existência de normas brasileiras contribui para que a legislação nacional acompanhe os conceitos, padrões e graus de risco estabelecidos de forma global.

Na ausência de um texto sobre colhedora, por exemplo, qualquer regulamentação sobre sua operação teria de ser construída tendo como referência equipamentos similares que contam com normas, como máquinas operatrizes, o que não é o ideal”, explica Zago. Principal aspecto abordado nos textos normativos, a segurança em uma colhedora não é algo trivial. O equipamento realiza movimentos diversos, sendo dotado de muitas partes móveis de alta rotação; tem uma área de coleta e expulsão de resíduos, que, pela característica do funcionamento acaba ficando exposta, não podendo ser totalmente protegida; possui motor a diesel, demandando atenção com relação à temperatura que atinge determinadas partes; é de grande porte, com o operador chegando a ficar a 3 metros acima do solo, o que faz com que o risco de queda não possa ser desconsiderado; além disso, possui elementos afiados, destinados ao corte. Desta forma, vários requisitos recaem sobre a necessidade de proteção do operador, como os que determinam que as transmissões não fiquem expostas, os que incluem avisos sonoros ou luminosos no caso de algum mau funcionamento, os que preveem formas seguras para acesso a determinados componentes no momento da manutenção, os que exigem a existência de guarda-corpos, corrimões ou pega-mãos, entre inúmeros outros.

Indo além do aspecto da segurança, saúde e conforto, também são previstas padronizações importantes. Um exemplo é a ABNT ISO 5687 dedicada à determinação da capacidade e desempenho do dispositivo de descarga do tanque graneleiro de uma colheitadeira de grãos. Ela descreve como deve ser realizado o ensaio de esvaziamento do tanque e a forma como este resultado deve ser apresentado. “A grande vantagem é fornecer, para o consumidor final, dados comparativos para uma decisão de compra mais acertada”, comenta Alessandro da Silva, gerente de homologação da CNH Industrial. O estabelecimento de padrões também ajuda na compatibilidade entre equipamentos. “Uma colhedora de grãos é desenvolvida para trabalhar em diversas culturas e, para isso, funciona de maneira integrada com uma plataforma de corte específica para determinado cultivo. A padronização por norma técnica garante o correto acoplamento de diferentes plataformas, até mesmo de fabricantes diferentes”, diz Silva.

Demandas nacionais
Outro ganho resultante da adoção das normas ISO é a participação brasileira nas discussões normativas, possibilitando que a realidade e demandas nacionais possam ser incorporadas aos textos internacionais e passem a valer mundialmente. Por regra, todas as normas publicadas devem, periodicamente, passar por revisões, podendo ser simplesmente confirmadas e mantidas ou serem foco de alterações. Este é o momento para a incorporação de inovações e desenvolvimentos experimentadas pelo mercado como um todo, e, também, para o atendimento a questões identificadas localmente. Foi o que ocorreu com as colhedoras de cana. “Conseguimos incluir na parte 7 da ISO 4254, a principal norma de segurança do subcomitê de colhedoras, requisitos específicos para estes maquinários”, comemora Zago. “Era uma demanda represada, originada das políticas de melhoria das próprias usinas e dos produtores de cana”. Os novos itens tiveram como foco, por exemplo, o reforço da proteção de partes móveis – mais pesadas nas colhedoras de cana – e a inclusão de um aviso sonoro de mudança de direção do equipamento. “A norma ISO não prevê um alarme de ré para as colhedoras porque, em geral, elas trabalham de forma isolada. Muito diferente da colheita da cana, que demanda todo um aparato acompanhando a operação, especialmente para o transbordo, que é constante”, afirma.

A inclusão de novos requisitos vale a pena, mas é algo trabalhoso. Primeiro é preciso fazer com que o grupo de trabalho internacional responsável pelo texto aceite iniciar a discussão sobre o assunto, o que demanda a apresentação de estudos de caso, dados e fatos que comprovem a necessidade de se tratar do tema. Posteriormente, é necessário haver a clara comprovação da necessidade técnica dos aspectos apontados, debate sobre impactos da inclusão, das possíveis exceções e a identificação de desdobramentos (como ensaios respectivos). Uma vez formulada, a alteração passa por vários estágios de aprovação até a publicação de uma versão atualizada que a contemple. Nasce daí a importância da participação do consumidor final nos grupos de trabalho nacionais. Afinal, o agricultor pode agregar às discussões a visão de quem acompanha a realidade do uso do equipamento no campo, nas diferentes condições climáticas, nos distintos terrenos e, tem ciência até, de hábitos do operador que possam resultar em riscos. “O produtor participante tem a chance de levar suas necessidades e, também, pode contribuir com os estudos de caso comprobatórios, ajudando o grupo técnico a encaminhar a questão defendida. Além disso, é uma grande oportunidade de aprender sobre o maquinário e aprofundar seus conhecimentos sobre sua operação”, comenta Silva. Zago reforça que a participação é gratuita, voluntária e aberta a qualquer interessado, bastando entrar em contato com a secretaria do CB 203 pelo e-mail cb- 203@abnt.org.br para ter acesso ao calendário de reuniões.

Requisitos específicos
Considerado um bom arcabouço para a realidade internacional, o conjunto de normas para colhedoras ainda não abrange todos os equipamentos em uso no Brasil, uma das maiores potências agrícolas mundiais. É o caso das colhedoras de café. Ao contrário dos grãos, a cultura cafeeira é perene, ou seja, na colheita, retira-se apenas o fruto, mantendo-se a planta. Para atender o maior produtor mundial, o mercado disponibiliza maquinários sofisticados que realizam esta tarefa de forma segura e com alta produtividade, sem, no entanto, contar com a existência de normas específicas que padronizem os requisitos mínimos. “Grande parte das exigências básicas para colhedoras são atendidas pelas de café, porém, há itens que simplesmente não se aplicam e outros que não estão previstos”, comenta Paulo Henrique Fulanete Guirao, Gerente de Negócios de Colhedoras de Café da Jacto. A solução encontrada pelos fabricantes é, então, adotar partes das normas, selecionado aquilo que pode ser aplicado. Guirao, no entanto, acredita ser interessante a elaboração de uma norma específica. “Por suas características, acolhedora de café é dotada de diversos componentes hidráulicos que precisam ser projetados de forma a evitar vazamentos prejudiciais ao meio ambiente e ao próprio grão colhido”, destaca.

Para ele, inclusive, deveria haver textos normativos voltados ao desempenho e qualidade de operação, estabelecendo itens como critérios máximos de aceitação de perdas de café na colheita. Se faltam normas para um equipamento tão tradicional como uma colhedora de café, o que pensar da colhedora de amendoim, recém-chegada ao mercado. Produto da MIAC, foi lançado no ano passado e também projetado de forma a atender o maior número de requisitos normativos possíveis. Como explica Fábio Massahide Santos Tanaka, gerente de projetos da MIAC, divisão de máquinas agrícolas das Indústrias Reunidas Colombo, a colheita de amendoim, uma leguminosa, é bem peculiar, por ser indireta. É preciso realizar o arranquio do amendoim que está no solo, invertê-lo, deixar secar para depois colher.

A colhedora desenvolvida recolhe o que foi depositado, retirando as ramas separando-as da vagem e remove as impurezas minerais. “Se houvesse uma norma específica para este equipamento, esta questão da retirada dos resíduos teria de ser um ponto a ser considerado, pois é preciso garantir um nível máximo de geração de poeira, além de prever o uso de equipamentos de proteção individual”, comenta. Ele também defende a inclusão de requisitos de desempenho, visando garantir que a vagem não seja danificada. Em ambos os casos, seja no do café ou do amendoim, será necessário esperar, porém. No momento, as maiores demandas surgidas nos grupos de trabalho são para questões relacionadas a colhedoras de cereais e de cana, mas o caminho natural é o da inclusão destas temáticas no futuro.

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