A produção de etanol a partir de cereais pode se tornar mais uma alternativa para a liquidez dos cultivos de inverno no Rio Grande do Sul. É o que apontam os estudos da Embrapa Trigo, que participa do Grupo de Trabalho Proetanol/RS, criado com o objetivo de expandir a produção de biocombustíveis no estado.
O consumo de álcool combustível, conhecido como etanol, ganhou força em 2003, com a chegada dos motores flex ao Brasil e os incentivos do governo para expandir o mercado de biocombustíveis. Com a base da produção na cana de açúcar, o Brasil ocupa o segundo lugar na produção mundial, ainda que o etanol represente apenas 30% do mercado brasileiro de combustíveis. A estagnação no consumo, segundo especialistas, está no preço do etanol, com valor pouco abaixo da gasolina na maioria das vezes, mas com consumo maior pelos veículos – o rendimento do etanol é cerca de 25 a 30% menor do que a gasolina. Várias regiões brasileiras ainda não se converteram em grandes consumidores de etanol por estarem distantes dos centros produtores e com grande variação na incidência de impostos. Este é o caso do Rio Grande do Sul, que apresenta o maior preço médio do litro de etanol entre os estados brasileiros (fonte ANP), principalmente em função do custo para trazer das regiões sudeste e centro-oeste etanol para atender a demanda de 1,5 bilhões de litros a cada ano.
A questão foi pauta das discussões do grupo de trabalho Proetanol/RS, que esteve reunido com o Secretário da Fazenda do RS, Marco Aurelio Cardoso, no dia 30 de maio. O projeto Proetanol começou a ser desenhado em 1997, reunindo lideranças políticas, empresariais, entidades de pesquisa, assistência técnica e extensão rural, cerealistas e sindicatos, entre outros. O objetivo era avaliar a viabilidade técnica, econômica, social e ambiental para expandir a produção de etanol no estado. Após superadas as questões técnicas, o projeto entrou na esfera política, com a elaboração de um projeto de lei que está em tramitação na Assembleia Legislativa gaúcha. Um dos temas na reunião com a Secretaria da Fazenda foi a possibilidade de redução do ICMS sobre o etanol produzido no Estado, passando de 30% para a mesma alíquota do biodiesel que é de 12%, entre outras possibilidades de incentivo à cadeia produtiva.
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Ao contrário das demais regiões produtoras de etanol no País, o ambiente do Rio Grande do Sul inviabiliza o abastecimento das usinas com cana de açúcar, pois a cultura está disponível apenas quatro meses no ano. Entretanto, a área disponível para cultivo no inverno pode ultrapassar os 6 milhões de hectares, espaço que fica muitas vezes ocioso nas propriedades gaúchas.
Sempre em busca de alternativas que assegurem os cultivos de inverno na região fria do Brasil, a Embrapa Trigo atua no Grupo de Trabalho Proetanol/RS visando prestar suporte técnico às iniciativas fomentadas pelos demais segmentos envolvidos no projeto. Neste sentido, estão sendo consideradas cultivares de triticale, centeio, cevada, trigo e aveia com potencial de atender as demandas na produção de etanol amiláceo – base na quebra de amido para geração de álcool.
Conforme o pesquisador da Embrapa Trigo, Alfredo do Nascimento Junior, entre os cereais de inverno aprovados para a produção de etanol se destaca a cultivar de triticale BRS Saturno, que pode apresentar até 60% de amido em seus grãos, podendo com isso produzir 350 litros de etanol por tonelada de grãos. O triticale também é uma cultura que suporta solos de baixa fertilidade com alto potencial de rendimento de grãos, que pode ultrapassar 6 toneladas por hectare.
De acordo com o engenheiro agrônomo da Emater/RS Regional de Erechim, Valdir Zonin, a diversificação da matriz produtiva na geração de etanol exige matéria prima o ano todo, fomentando as culturas de inverno (triticale, trigo, cevada, aveia e centeio), de verão (sorgo e arroz) e intermediária (batata). Eventualmente, ainda poderá ser utilizado o milho excedente que deixa o estado por falta de armazenagem no período da colheita. “Todas estas opções servem para produzir etanol amiláceo. Acredito que o agricultor irá optar pela mais produtiva. Independente da cultura ou cultivar, a qualidade do grão colhido influenciará no rendimento de etanol e coprodutos. O Proetanol prevê, pelo menos, três classificações qualitativas – muito bom, normal e abaixo, que deverão definir o preço pago ao produtor”, explica Zonin.
De fato, segundo diversos resultados de pesquisa, qualquer produto que contenha uma quantidade considerável de carboidratos (açúcares) constitui-se em matéria-prima para obtenção de álcool. Os materiais amiláceos podem ser divididos em grãos e feculentos (raízes e tubérculos). Entretanto, para que seja viável economicamente, é preciso que se considere o seu volume de produção, rendimento industrial e o custo de fabricação.
O conteúdo médio de amido conversível e açúcar em alguns grãos típicos é: cevada 50%; milho 66%; aveia 50%; centeio 59%; sorgo 67% e trigo 65%. A produtividade de álcool depende de quão completa é a conversão do amido, mas normalmente é de 260 a 380 litros por tonelada. Quanto às raízes e aos tubérculos, uma vantagem é que podem ser utilizados materiais de refugo, fora de tamanho, machucados e até mesmo com brotação desenvolvida.
Existem diversas opções avaliadas pela pesquisa agropecuária para produção de etanol amiláceo nas diferentes regiões do Rio Grande do Sul. Uma variedade de arroz gigante, desenvolvida pela Embrapa Clima Temperado, pode produzir 12 toneladas de grãos/ha, gerando cerca de 5 mil litros de etanol/ha. Uma tonelada de batatas de cultivares Embrapa pode atingir uma produção de 85 litros a 95 litros de etanol/ha, e de batata-doce, até 150 litros de etanol/ha. O uso do triticale desenvolvido pela Embrapa Trigo pode chegar a produzir 4 toneladas de grãos/ha, gerando cerca de 1,4 mil litros de etanol/ha. Uma lavoura de sorgo sacarino, segundo estudos da Embrapa Milho e Sorgo, apresenta rendimento de 50 toneladas de matéria verde capaz de produzir entre 2 mil a 2,5 mil litros de etanol/ha.
A aposta do produtor Ivonei Librelotto, de Boa Vista das Missões, RS, representante da Farsul no grupo Proetanol, é no trigo de duplo propósito: “A primeira renda do produtor já veio através do pasto e com a posterior colheita do grão é possível avaliar o melhor mercado para o trigo, seja a indústria de alimentação humana, como o pão, a alimentação animal, na ração, e agora na produção de energia, como o etanol”, avalia Librelotto, lembrando que “o produtor precisa assegurar a rentabilidade, não basta defender a importância da cobertura de inverno ou o combustível mais limpo. Precisamos garantir um projeto que assegure tanto o aspecto econômico, quanto o ambiental e o social, por isso o grande número de pessoas envolvidas no Proetanol”.
“Em qualquer mercado visado, a melhor opção sempre é o planejamento da área agrícola, intensificando o sistema de produção para o melhor aproveitamento de cada janela que possa diversificar as alternativas de geração de renda. O cultivo de inverno garante proteção do solo, estabilidade financeira e movimentação dos recursos disponíveis na propriedade”, destaca o Chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski.
Coprodutos do etanol
A produção de etanol amiláceo gera uma série de subprodutos que podem agregar valor à cadeia produtiva:
– DDG: sigla em inglês para grãos secos por destilação, um subproduto da indústria que consiste nos resíduos de grãos após a extração do amido, utilizado na alimentação animal como alto proteico e fonte de vitamina B;
– Dióxido de Carbono (CO2): destinado a diversos usos industriais, entre eles bebidas carbonatadas, extintores, soldas, entre outros;
– óleo fúsel: utilizado na produção de cosméticos, aguardente, aromatizantes e agroquímicos;
A extração do amido dos grãos agrega nutrientes aos resíduos (DDG) através do processo fermentativo, que pode resultar em farelos para dieta animal com teor de proteína acima de 30%. A qualidade do DDG é um dos focos de interesse da cooperativa Cotricampo no projeto de instalação de uma usina de etanol em Campo Novo, RS. A fábrica de rações da cooperativa busca alternativas de proteínas para a formulação de concentrados que tem na soja o maior custo.
De acordo com o Presidente da Cotricampo, Gelson Bridi, o cultivo de triticale está sendo avaliado na estação experimental da cooperativa há três anos. Caso a instalação da indústria de etanol se concretize, a cooperativa poderia fomentar uma área de 50 mil hectares de triticale no inverno, e avaliar a possibilidade de utilizar sorgo ou milho safrinha no verão, além da utilização dos coprodutos de etanol na produção animal. “A organização da cadeia está pronta, mas o projeto de etanol no Rio Grande do Sul só vai evoluir com o incentivo político e, principalmente, fiscal. Não vamos apostar num projeto que não assegure retorno ao associado da cooperativa”, conclui Bridi.
Atualmente, cinco projetos de usinas de etanol amiláceo estão em andamento no Rio Grande do Sul nos municípios de Camaquã, Campo Novo, Viadutos, Palmeira das Missões e Carazinho. A estimativa da Emater/RS é que o programa Proetanol possa beneficiar mais de 130 mil famílias rurais no estado.