Tamanho e localização da fazenda, formas de financiamento e características técnicas devem ser colocados na ponta do lápis antes da aquisição do trator ideal
por Adriana Gavaça – Braço direito do produtor, o trator é indispensável dentro das fazendas. Mas será que existe um trator ideal para cada caso? Como definir o tamanho adequado para atender às necessidades apresentadas? De que forma as diferenças topográficas, climáticas e de solo interferem na decisão de compra? Há uma máquina certa para determinada cultura?
A fim de responder a essas questões, convidamos um time de especialistas, com vasta experiência em mecanização agrícola, para formular um guia de orientação, com dicas para o produtor deve levar em conta antes de adquirir um novo trator e não errar na hora da compra.
Realidade da fazenda
O primeiro passo para decidir qual equipamento atende melhor à atividade é considerar que cada fazenda possui uma realidade própria (em função de tamanho da área, atividades realizadas, culturas exploradas, topografia e característica fundiária), que impactará diretamente a quantidade e as dimensões do trator ideal e de implementos necessários.
“O desenho da área em que se realiza a atividade agropecuária tem papel fundamental na definição dos equipamentos agrícolas a serem usados, pois isso afeta diretamente a conservação de solo e água, por exemplo”, destaca o professor Ricardo Ralisch, especializado em mecanização.
Ralisch aponta que, recentemente, cresceu de forma generalizada o emprego de equipamentos de maior dimensão e potência, muitas vezes justificado pelo aumento da eficiência operacional que eles permitem. “De fato, há um aumento dessa eficiência, porém, isso acarretou a retirada de terraços em curva de nível e retorno a algumas operações no sentido da declividade, ou ‘morro abaixo’, em regiões com maiores declividades, com o consequente retorno da erosão em larga escala. Isso é inadequado e inaceitável”, adverte.
Ele destaca que a busca pelo aumento da eficiência é pertinente, mas deve se limitar ao que a topografia e as características fundiárias da área explorada permitem. “Em suma, são as máquinas que devem se adaptar ao ambiente e não o ambiente às máquinas”, afirma Ralisch.
Uma vez consideradas as características físicas da propriedade, é hora de conhecer os diferentes modelos de máquinas oferecidos, de acordo com a potência do motor, quantidade de marchas, tecnologias embarcadas, pneu utilizado, consumo de combustível, tipos de transmissões, entre outras características, além de definir quais implementos trabalharão em conjunto com o trator ideal pretendido.
“A primeira coisa que produtor precisa saber é o que tem no mercado. Se já definiu que precisa de o trator ideal deve ter 400cv, por exemplo, precisa saber quais marcas trabalham com essa potência. É preciso que ele tome conhecimento, se familiarize com o que é oferecido, com as particularidades de cada máquina, antes de mais nada”, ensina o engenheiro agrônomo e consultor em mecanização agrícola, Arno Dallmeyer.
As informações técnicas devem ser o ponto de partida para os produtores interessados em adquirir uma máquina. Como os tratores são definidos e dimensionados pela sua potência (usada para tracionar implementos), serão, portanto, os implementos que definirão o trator ideal para cada propriedade.
“É preciso lembrar que a potência do motor dos tratores não estará toda disponível para a tração, pois há perdas principalmente na transmissão e na patinagem dos rodados de tração”, aponta Ralisch. Ele destaca que as transmissões mecânicas convencionais, com embreagem, são as que têm maiores perdas de potência devido ao atrito entre as engrenagens. “As transmissões hidráulicas, cujos nomes variam de acordo com o fabricante, aproveitam melhor a potência do motor, mas normalmente são mais caras, então esse item deve ser bem avaliado na escolha do trator ideal”, afirma.
Novidades ganham espaço
Ainda quanto aos critérios de escolha na hora de comprar, a ergonomia e o conforto têm ganhado cada vez mais relevância. “O perfil do operador de máquinas mudou muito. São pessoas qualificadas, treinadas e esse profissional quer trabalhar em um trator que lhe dê conforto. Ao menos o conforto que tem em casa para assistir à televisão”, explica Dallmeyer. Ele diz que isso se aplica desde ao assento ter amortecimento até se a cabine oferece uma visão boa de fora, se a altura para a pessoa entrar é suficiente para não bater a cabeça no teto, se possui vedação contra poeira e ruído e assim por diante.
O engenheiro aponta ainda a importância de o produtor escolher uma marca de confiança no mercado, avaliar se a rede de assistência técnica atende às necessidades quanto a proximidade, por exemplo, se o custo de manutenção é viável e se é fácil encontrar peças de reposição. Nesse quesito também vale pesquisar o consumo de combustível e o valor de uma futura revenda.
O apego à marca, aliás, segundo Dallmeyer, é um dos principais itens levados em consideração pelo produtor. “Tem pessoas que aprenderam a dirigir em determinada marca, o pai tinha a marca na fazenda. São experiências que acabam interferindo na escolha do produto”, assinala.
Ele diz ainda que muitas marcas dominam regiões inteiras do Brasil, onde viraram verdadeiros ícones, com fazendas vizinhas escolhendo pelo mesmo produto, muito mais pela confiança que a empresa desenvolveu no local do que por outro motivo. Isso se deve não apenas à qualidade do produto mas também aos serviços prestados na localidade.
O professor Roberto da Cunha Mello, pesquisador do Centro de Engenharia e Automação do Instituto Agronômico CEA/IAC, destaca ainda que vários outros fatores devem ser considerados ao comprar uma máquina, devido à diversidade de itens e à tecnologia embarcada. “Nos tempos modernos, não tem como ser competitivo em uma agricultura globalizada sem utilizar máquinas. A evolução delas foi muito rápida nos últimos anos, com a utilização de GPS na agricultura de precisão, piloto automático e telemetria, por exemplo. Essa evolução reduz o custo de produção, tornando os agricultores que investem em tecnologia mais competitivo”, avalia.
Tamanho versus potência
Historicamente, conforme Dallmeyer, o trator médio, que vai da faixa de potência de 80 cv até 109,9 cv, é o mais vendido no País, com mais de 50% de participação sobre o mercado, embora hoje o mercado não conte mais com o levantamento estatístico antes feito e divulgado mensalmente pela Anfavea. São considerados grandes, tratores com potência de 110 cv até 159 cv, e pequenos, aqueles com potência de até 79,9 cv.
“Os pequenos respondem por muito pouco do mercado, cerca de menos de 7% das vendas. Isso acontece porque o valor agregado é muito próximo a um de médio porte. O produtor pensa: para que comprar um trator pequeno se posso investir um pouco mais e pegar um médio, com mais fontes de financiamento e estímulos? Ou então pensa: em vez de comprar um trator de 35 cv zero, compro um de 85 cv usado, por um valor menor. Esse mercado tem muito esse tipo de detalhe. Com colheitadeiras vemos muito isso. Em vez de comprar uma nova, o produtor prefere comprar uma usada pagando 60% menos”, analisa.
Por outro lado, é importante que o produtor considere a frota já existente na propriedade. O engenheiro diz que se o produtor já conta, por exemplo, com dois tratores de 75 cv e decidiu comprar um de 90 cv, deve considerar que seus implementos, como roçadeira, carreta e arado, não servirão no trator de 90 cv.
Para culturas como cana-de-açúcar, soja, milho e outros cereais, cultivadas em grandes áreas, o pesquisador do IAC diz que as máquinas maiores são mais indicadas. Já para culturas como café, laranja e outras frutíferas, os tratores pequenos são mais indicados, pois o espaçamento entre as plantas impossibilita o uso de máquinas grandes.
“Para as pequenas propriedades no entorno das cidades, ondenormalmente são cultivadas frutas e hortaliças, é recomendado o uso de máquinas pequenas, pois são mais baratas, consomem menos combustível e óleo lubrificante. Também existem microtratores e tratores de rabiça, que podem ser boa opção para pequenos produtores”, afirma. Ele explica ainda que tratores 4×4 apresentam uma série de vantagens em relação aos 4×2, mas, em compensação, são mais caros. Nos terrenos inclinados ou em tarefas em que se exige maior força de tração, por sua vez, são recomendados os 4×4.
Renovação de frota
Um trator subdimensionado para as atividades previstas, além de não cumprir o calendário e prejudicar a lavoura, tenderá a realizar operações com baixa qualidade pela pressão de prazos colocados. Quando isso acontece, Ralisch diz que chegou a hora de verificar se é o caso de aumentar o tamanho ou ter mais um trator. “Investir em novos implementos atende aos interesses de se realizar uma operação que não se vinha fazendo antes, visando melhorar o processo de produção ou adotar implementos mais adequados para a aquilo que se pretende fazer”, explica.
O especialista usa como exemplo uma produção de cerais, em que se adota o Sistema Plantio Direto já consolidado e o controle das culturas de cobertura se faz com herbicidas e uso de pulverizador; busca-se aperfeiçoar este sistema de produção adotando culturas de cobertura que permitem o controle mecânico, sem herbicida e, neste caso, se optará por um novo implemento, como um rolo-faca, por exemplo, que não exigirá alteração do trator, por ser de baixa demanda de potência.
A mesma situação se aplica à busca de melhoria das culturas de cobertura, adotando-se um mix de plantas junto com uma das culturas comerciais e, para isso, será necessário investir em uma nova semeadora, o que pode exigir adequação do trator, por ter maior demanda de potência.
“Neste caso, avalia-se com muito cuidado a incorporação de mais um trator à frota, aumentando ociosidades, ou a troca por um novo modelo que atenda à necessidade. Trata-se de um estudo de cada caso, por isso, não podemos generalizar”, ensina.
Quando se fala em renovação de frota, Dallmeyer diz que a estratégia definida levará também em conta o perfil do produtor. “Nos Estados Unidos, por exemplo, acompanhei uma região que tinha a seguinte estratégia para essa questão: eles compravam a máquina ou colhedora, com garantia de recompra para dali um ano, com uma deflação de 10%. Olha que coisa maravilhosa. Esse produtor usava a máquina por um ano e, no fim do ano, entregava na concessionária, pegava uma nova, pagando 10% do valor. Em um país no qual a economia é estável, em que a inflação historicamente é menor que 4% ou 5% ao ano, comprar uma máquina 10% mais barato, vale a pena”, pontua. Na outra ponta, ele diz que há produtores interessados nessas máquinas, com pouco tempo de uso e preços mais atrativos. “São decisões muito diversificadas. Não há uma receita de bolo”, considera.
Trator ideal: novo ou usado?
Na hora de trocar a máquina por uma mais nova deve-se levar em consideração a intensidade de uso. Para uso mais intenso, como no caso de usinas de açúcar e álcool, em que a máquina trabalha 24 horas por dia, é recomendado o uso de máquina nova. O alerta é do pesquisador do IAC. “As máquinas novas têm custo fixo alto, devido ao alto valor de investimento, mas, se o número de horas trabalhadas for grande, compensa, pois o custo fixo é dividido pelo número de horas trabalhadas. Em contrapartida, as máquinas novas têm menor custo de manutenção e, normalmente, consomem menos combustível”, aponta Mello.
Se o uso não for intenso, ele ressalva, vale mais a pena uma máquina usada ou de menor porte, pois o custo fixo é menor. “Na hora de pensar se vale a pena comprar um segundo trator, deve-se levar em conta o número de horas excedentes, pois em certos casos fica mais em conta alugar uma máquina nas horas de pico de uso. Na hora de comprar outras máquinas, como colhedoras, pulverizadores ou algum implemento, deve-se levar em conta a quantidade de uso. Se o uso for esporádico é mais econômico alugar do que comprar”, afirma.
A capacidade de investimento é um fator limitante que também deve ser considerado na hora da compra. Como no Brasil a taxa de juros é alta, parcelamentos muito longos não são recomendados. “Uma boa opção, para quem não tem boa disponibilidade financeira, são os tratores usados, como dito anteriormente. No mercado de usados e seminovos consegue-se preços atraentes com descontos que ultrapassam 50% do valor de um trator novo”, ressalta.
Na hora de comprar um trator usado, no entanto, Mello diz que se deve ter uma série de cuidados, como a origem da máquina (se não é roubada), se o equipamento possui nota fiscal e manual do operador, entre outros itens. Além disso, deve-se observar o aspecto geral, como desgaste dos pneus, pintura, vazamentos de óleo e parte elétrica, recorrendo, inclusive, à opinião de um mecânico ou alguém que tenha conhecimento de máquina usada para evitar problemas futuros.
“Na compra da máquina nova, deve-se considerar a existência de concessionárias na região, a fim de facilitar a manutenção e compras de peças de reposição. As concessionárias também oferecem descontos e facilitam o pagamento”, aponta Mello.
O produtor deve ainda buscar o tipo de financiamento que mais se enquadra ao seu perfil. Dallmeyer cita financiamentos diretos com os fabricantes, em linhas particulares e também em produtos que recebem incentivo público, como o Finame (Agência Especial de Financiamento Industrial) . Além disso, ele diz que é muito importante para alguns produtores que, além da busca por taxas de juros mais baixas, negociarem um prazo de carência de até três anos, para iniciar os pagamentos.
Preço X custo operacional do trator ideal
Outro item importante é saber calcular o custo/hora da máquina a ser adquirida. Nesse tipo de cálculo, deve-se considerar o custo fixo e o custo variável. O pesquisador do IAC explica que o custo fixo é aquele que não depende do número de horas trabalhadas, como valor do investimento, taxa de juros, barracão para guardar a máquina e assim por diante; enquanto que o custo variável depende das horas trabalhadas, como consumo de combustível, óleo lubrificante e manutenção.
“Em muitas situações, é interessante ter um trator de menor porte para as tarefas de rotina e alugar um trator grande para executar tarefas esporádicas como preparo inicial do solo, construção de terraços, estradas etc. Não se justifica ter um trator grande e usá-lo em apenas algumas ocasiões”, aconselha Mello.
Comprar um trator envolve, conforme o especialista, mais do que o valor a ser pago por ele. “Será preciso colocar na planilha os custos com combustível, impostos, manutenção e possíveis troca de peças”, afirma.
Ralisch ensina ainda a considerar a taxa de utilização dos equipamentos por ano. E, nesse caso, não importa o tamanho da área explorada, ou tamanho do produtor. “Isto porque é essa taxa de utilização anual que define boa parte do custo/hora das máquinas e, quanto menor for esta taxa de utilização, maior serão os custos fixos destes equipamentos. Em síntese: quer dizer que o que mais pesa no custo de uma máquina é sua hora parada, pois além de ter o custo fixo, não está produzindo. Um bom gerenciamento das máquinas reduz sua ociosidade, diminuindo seu custo de produção”, aponta.
O pesquisador do IAC conclui dizendo que há “um trator ideal para cada propriedade e que é importante tomar cuidados antes da compra”. “Comprar a máquina certa evita problemas futuros e reduz o custo de produção. Portanto, a capacidade de investimento, tamanho da propriedade, topografia, tipo de cultura, disponibilidade de assistência técnica e facilidade de financiamento são itens que devem ser considerados para se fazer um bom negócio”, finaliza.