Máquinas e Inovações Agrícolas

Alto índice de acidentes com máquinas agrícolas deve ser combatido

As máquinas cada vez mais substituem os esforços antes realizados pelo ser humano, realizando serviços mais rápidos e eficientes. Porém, há um distanciamento entre o operador da máquina e a noção de força e peso para execução dos serviços. Dificilmente um operador saberá quantas toneladas de terra movimentou no final de um dia de serviço, ou toras de madeira, ou outros materiais. Mas o esforço foi realizado pelos conjuntos mecânicos da máquina, e tais conjuntos encontram-se bem próximos do operador. Assim, tudo que foi produzido exigiu grande esforço da máquina. É simples: para movimentar toneladas de peso também foram produzidas toneladas de força. E toda esta disputa de forças entre máquina e serviços passa pelo operador. É ele quem centraliza e determina o que deve ser feito. Portanto, situações de riscos ocorrem. Será que foram detectadas? Ou reconhecidas?

Operador precisa ter excelente coordenação motora e rapidez nos reflexos para que o rendimento técnico operacional tenha o resultado esperado

Um operador treinado e capacitado necessita de excelente coordenação motora, rapidez nos reflexos e decisões corretas para que o rendimento técnico operacional tenha o resultado esperado. Contudo, um aspecto vem escapando do controle destes resultados: o alto índice de acidentes envolvendo máquinas veiculares e tratores. Mais do que nunca a Segurança passa a ser uma necessidade prioritária. Nosso País possui um verdadeiro exército de pessoas mutiladas vítimas de acidentes no trabalho. Os dados registram mais de 700 mil acidentes anuais. Isso envergonha todos nós cidadãos. Urge algo a ser feito, e as autoridades passam a elaborar leis mais rigorosas. O Ministério do Trabalho alterou e ampliou a legislação referente à segurança do trabalho, que são as NRs (Normas Regulamentadoras) e máquinas e tratores estão sujeitos a três normas: a NR-11, NR-12, e NR-31 e mais normas específicas para cada tipo de serviço.

Norma Regulamentadora Nº 11 – Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais.

Norma Regulamentadora Nº 12 – Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos.

Norma Regulamentadora Nº 31 – Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura.

Somando todos os itens previstos nestas três normas temos um complexo de procedimentos a serem adotados para operação de máquinas, que torna os serviços a serem executados bem mais cautelosos. As próprias máquinas necessitam de vários dispositivos de segurança que viabilizem bloqueios em caso de riscos.

O maquinário de fabricação mais recente (de 2012 em diante) já deve cumprir tais exigências, mas as anteriores foram estabelecidos prazos para adequações. O problema é que não há como fiscalizar tão grande número de equipamentos em serviços. Quanto ao ser humano, operador de máquinas? As normas preveem treinamentos e atualizações permanentes e uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individuais), mas também há o problema da fiscalização. Tudo isso faz surgir um ambiente bastante tumultuado entre empresas prestadoras de serviços agrícolas, construção civil e rodoviária, e proprietário de máquinas, e ainda os agentes de segurança do trabalho. É nesse emaranhado de situações que o operador de máquinas deve exercer sua atividade. De fato, fica bastante complicado. Mas, sempre tem um “mas”. Vivemos um período de acomodações de todos os interesses em jogo, e de qualquer forma, todos nós concordamos que os acidentes devem diminuir.

Educar para prevenir

Como integrante da área instrucional, convivo diariamente com estas situações, e não vejo outra saída senão o treinamento adequado e bem orientado. É claro que o processo ensino-aprendizagem é lento. O resultado não aparece no dia seguinte. Faz parte de todo um complexo individual que se modifica de pessoa para pessoa, onde entram valores culturais, éticos e da própria formação de cada um. Aqui, aproveito para destacar algo intrínseco na nossa cultura: quem de nós foi educado, desde pequeno, na família e na escola, para os aspectos de segurança? Até o contrário, falar em segurança, principalmente quando se trata de veículos automotores, é motivo de chacota e deixa revelar medo ou covardia. Sempre associamos operação de veículos e máquinas aos sentimentos de emoção, no dizer da juventude: tem que ter adrenalina. A razão fica esquecida, e daí para o acidente é um passo.

Então, o que fazer? Vejo da seguinte maneira: amplas campanhas de divulgação dos riscos que máquinas e veículos apresentam treinamento técnico-operacional e de segurança, e por fim, um processo educacional mais adequado e voltado para prevenção de acidentes junto ao ensino formal fundamental e médio.

Como instrutor de treinamento técnico-operacional faço questão de destacar esse aspecto: a importância de que o operador tenha um amplo conhecimento do funcionamento da máquina que opera. Essa tem sido uma das grandes dificuldades encontradas nos treinamentos. Conhecer os conjuntos mecânicos e o seu funcionamento traz para o operador um conhecimento adicional e, consequentemente, saberá agir com mais segurança, identificando os limites operacionais da máquina e situações que possam oferecer riscos de acidentes. Quanto mais se conhece o equipamento, mais racional será a operação, mais eficiência e segurança, e mais vida útil para máquina; então todos saem ganhando. Conhecer e entender o funcionamento do motor, da transmissão, dos sistemas de freio e de direção, dos sistemas hidráulicos e pneumáticos, faz parte de um operador capacitado para a função. As NRs preconizam tais aspectos, tanto que a inspeção diária da máquina é procedimento obrigatório, inclusive deve haver uma ficha para o operador verificar itens de procedimentos e assinar se estiver correto. É claro que, para realizar uma inspeção correta, é necessário conhecer o equipamento, e esta tem sido uma das grandes deficiências encontradas. Mais do que nunca este conhecimento é o diferenciador na prevenção, pois um grande número de acidentes (talvez a maioria) estão associados a tais itens, como por exemplo: a verificação do nível dos fluídos do motor, transmissão, e hidráulico. Temos aí líquido de arrefecimento, óleos lubrificantes, óleo hidráulico, e outros, dependendo da máquina. Quem executa corretamente tal procedimento? Quantos acidentes são causados por falha destes fluídos? São indagações que perturbam a muitos depois do acidente consumado.  Portanto, procedimentos simples, mas que envolvem conhecimento e responsabilidade, poderiam contribuir significativamente para reduzir os acidentes.

Conhecer não é decorar procedimentos para cumprir normas e preencher documentos. O conhecimento deve desencadear ações concretas no dia a dia do operador, para que execute suas tarefas de forma segura e eficiente. Portanto, é uma tomada de decisão consciente para trabalhar com segurança. Temos um longo caminho a percorrer, porém indispensável para que estes altos índices de acidentes de trabalho façam parte do passado desta nação. Valores culturais, ainda muito arraigados, devem ser mudados. Esta mudança de comportamento passa pelo treinamento e, acima de tudo, pelo hábito da leitura. Quem lê o manual da máquina antes de operá-la? E, pior ainda, se alguém se aventura a tal situação, provavelmente será mal visto, pois não faltará alguém para criticar e até perguntar: não conhece a máquina? De fato há muito a mudar.

Rotações por minuto do motor

Um dos principais fatores que contribuem para muitos acidentes é a questão de operar a máquina com o giro do motor acima do recomendado, ou seja a RPM (Rotações Por Minuto do motor) fora da faixa de torque adequada para o tipo de serviço. Muitos operadores trabalham sistematicamente acima do giro correto, talvez por entenderem que produz mais, ou quem sabe, por um hábito histórico de ouvir o ronco do motor – um termo muito popular entre operadores e bem sugestivo é: dê-lhe máquina e cano cheio. Este procedimento, além de aumentar o consumo de combustível e lubrificante, oferece um risco adicional muito grande, pois diante de qualquer um imprevisto ou situação um pouco diferente da rotina, levará a um acidente de proporções significativas pela perda do controle operacional da máquina. E, será que por trabalhar com o motor acima da faixa de torque recomendada, produziu mais? Afirmo categoricamente que não, pois o pouco que foi produzido a mais – se é que houve – não compensou o desgaste dos componentes e aumento no consumo de combustível e lubrificante.

Ainda, quanto a operacionalidade da máquina, outro procedimento que tem levado a muitos acidentes é o uso incorreto dos comandos: tanto de dirigibilidade como os comando para execução dos serviços. Aqui, soma-se o aspecto emocional    a adrenalina que citamos anteriormente. Muitos confundem eficiência com rapidez e realizam os serviços com manobras bruscas e desnecessárias – numa linguagem específica – manobras radicais. Exemplificando: na execução de uma tarefa que poderia deslocar a máquina em linha reta, se faz um zigue zague, criando um “efeito especial” na operação.

Outro procedimento de risco, é quanto aos comandos, e estão relacionados ao abuso e exageros nos procedimentos, principalmente movimentos rápidos e bruscos. Em geral estes comandos são acionamentos hidráulicos ou hidropneumáticos. O operador, ao proceder o acionamento, é quem determina o ritmo do movimento, seja uma lança ou um braço, caçamba ou torre de acionamento; ou simplesmente subir ou baixar um implemento.  Assim, pode executar de forma rápida e brusca ou e forma continua e suave, sem trancos e solavancos. Aqui, mais uma vez, percebe-se os aspectos culturais e emotivos, pois ao realizar procedimentos truculentos e bruscos, aparentemente deixa transparecer virilidade e serviços de robustez, o que não é verdade, pois poderia ser realizado o mesmo serviço com procedimentos suaves e contínuos, sem necessidades dos chamados trancaços na operação. Talvez, haja mais espetáculo em tais procedimentos. Agora, o pior de tudo: muito mais acidentes. Evidente que operar uma máquina não significa procedimento padronizado, se assim fosse então, poderíamos substituir o ser humano por um robô. Há os que preconizam tal fato, espero não se concretizar, pois de qualquer forma os acidentes continuariam, e não faltam exemplos de casos onde a robotização está chegando e acidentes até de maiores proporções. Operadores treinados, trabalhando com motor na faixa de torque correta, executando os comando de forma constante e suave, observando tudo que acontece na máquina, no implemento e a sua volta, é tudo que se espera de um profissional seguro e eficiente para um trabalho útil para todos. Não são pessoas robotizadas e sim pessoas capazes e com conhecimento necessário para em cada momento, ou em situações de emergências, serem capazes de tomadas de decisões corretas.

Mudanças comportamentais não acontecem da noite para o dia, mas devem ser implementadas o mais rápido possível, pois é o caminho mais seguro e eficiente. As leis e normas atualmente vigentes são excelentes, o que falta é o seu cumprimento e, se não houver um processo educacional eficiente, cairão no esquecimento e os acidentes ainda permanecerão manchando nossas famílias. Todos que, de uma forma ou de outra, se envolvem com máquinas, desde o processo industrial, passando pelas autoridades constituídas, técnicos de segurança, empresas e educadores devem dar sua parcela de contribuição. A sociedade exige de todos nós atitudes concretas para um mundo melhor e sem acidentes. Um sonho? Não. Uma meta a ser atingida. E afirmamos categoricamente: isto é possível, sim.


Joel Sebastião Alves
é instrutor nas áreas de Operação e Manutenção de Máquinas e Implementos Agrícolas e Rodoviários

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