Seguro rural: cada vez mais decisivo ao produtor rural

Proteção contra instabilidades climáticas, naturais e mercadológicas ganha destaque e relevância na gestão agrícola

Por Leonardo Gottems – Não é incomum classificar a agricultura como “uma indústria a céu aberto”, ressaltando sua essência de instabilidade, que apresenta grandes riscos e bastante imprevistos – principalmente ligados ao clima e tempo. Todos os anos alguma região sofre com estiagem, por exemplo, causando perdas consideráveis na produção das safras de verão. Em outros anos, é o excesso de chuvas, além de precipitações em hora errada, ou mesmo ocorrência de geadas que dizimam a produtividade. A partir disso, um dos instrumentos que mais crescem em importância – ainda mais em uma agricultura tropical, como a do Brasil – é o seguro rural, que pode ser a verdadeira “salvação da lavoura” quando o tempo e o imprevisto sobrevêm.

Aline Milani, gerente de desenvolvimento de Produto Rural da Brasilseg, uma empresa BB Seguros, aponta que “o agricultor tem entendido cada vez mais a importância de estar protegido contra as instabilidades climáticas, naturais e mercadológicas que cercam a produção agrícola”. 

No caso das máquinas e implementos, com a tecnificação no campo e as máquinas cada vez mais no centro das tarefas operacionais, proteger estes equipamentos se torna algo vital na gestão das fazendas. “Cada minuto de uma máquina fora de operação, seja por quebra, roubo ou qualquer outro tipo de imprevisto, significa um prejuízo enorme para o agricultor”, comenta ela.

Informações divulgadas pela Schalch Sociedade de Advogados (SSA) indicam que os produtores rurais sofrem, em maior frequência, e em épocas inesperadas, com eventos climáticos extremos. Para se proteger de intempéries que afetam as lavouras, como chuvas intensas, granizo, geadas e estiagens prolongadas, a adesão ao seguro agrícola deu um salto de 129% entre 2019 e 2021, chegando a 217,9 mil apólices e culminando em um pagamento recorde de R$ 5,4 bilhões em 2022.

“Este cenário deixa evidente a importância do seguro, que evita perdas financeiras enormes. No entanto, é o cenário mais desafiador de toda a história do seguro rural, porque nos últimos anos as seguradoras vêm arcando mais com sinistros do que arrecadando”, diz a advogada Debora Schalch, sócia-fundadora do escritório SSA.

De acordo com Fábio Lamonica Pereira, advogado em Direito Bancário e do Agronegócio, a importância do seguro se dá pelo fato de ele auxiliar o produtor a minimizar os riscos de sua atividade, principalmente quando a contratação está direcionada para as despesas básicas com o plantio (custeio agrícola). “O seguro ainda facilita a contratação de financiamentos bancários ou operações com tradings, uma vez que oferece mais garantias aos credores”, diz.

 “Os seguros rurais podem cobrir diversos riscos, sendo que os mais comuns são os danos decorrentes de problemas climáticos nas lavouras como seca, excesso de chuvas e geada. Também há coberturas decorrentes de eventos como incêndio, raio, tromba d’água, ventos fortes, ventos frios, granizo e variação excessiva de temperatura, etc. É preciso conferir, quando da contratação, o que realmente está sendo objeto de cobertura”, completa o advogado.

Os tipos de seguro à disposição do agricultor

De acordo com Débora, o seguro rural comporta diversas modalidades, todas previstas na Resolução CNSP nº 404/202. Dentre essas estão o seguro agrícola, seguro pecuário, seguro aquícola, seguro de florestas, seguro de penhor rural, seguro de benfeitorias e produtos agropecuários e seguro de vida do produtor rural (devedor de crédito rural).

Sendo assim, pode-se dividir os seguros em três grupos: “Custeio”, que cobre os custos da produção da safra perdida; “Produtividade”, que cobre, além dos custos, a expectativa da produção da safra perdida, baseada no histórico de cultivo do agricultor; e “Receita”, que é o tipo menos comercializado de seguros agrícolas e assegura, além do custeio e produtividade, o preço dos produtos durante o período segurado. 

“Hoje também temos a figura do Seguro Rural Paramétrico, que é diferente do Seguro Rural ‘puro’. Naquele, as perdas do segurado não são avaliadas in loco, mas tão somente de forma paramétrica [o índice paramétrico se baseia em variáveis agrometeorológicas, de produtividade regional, de sensoriamento remoto e preço do produto]”, exemplifica a advogada do escritório SSA.

Fábio Lamonica destaca que, “em relação ao seguro rural, existe a contratação tradicional que se baseia no valor gasto com o custo de produção e o seguro que se baseia no faturamento garantido na apólice, tudo de acordo com os valores efetivamente contratados e que constem da respectiva apólice. Além das coberturas destinadas para prejuízos com as lavouras, há seguros de interesse dos produtores com coberturas para benfeitorias existentes nas propriedades, máquinas e implementos agrícolas e seguro de vida do produtor rural, etc”.

Quanto custa

Determinar o custo de um seguro rural não é tão simples assim, já que depende de vários fatores. Aline Milani cita alguns deles e afirma que a seguradora considera questões climáticas regionais, manejo, sazonalidade e características das culturas no caso dos seguros agrícolas e de florestas. No caso de patrimônio, a experiência da seguradora com aquele bem, o ano, e forma de uso também exercem influência. O cruzamento das variáveis é que determinará a taxa do seguro.

“O ideal é que a taxa seja o mais coerente com o risco real assumido, para que a seguradora consiga manter uma carteira saudável e sustentável. Taxas elevadas tendem a repelir os riscos mais baixos fundamentais para manutenção do equilíbrio, enquanto taxas baixas podem não fazer jus às indenizações devidas”, indica.

Para que tudo isso funcione da melhor forma possível, segundo Pereira, existe uma série de órgãos fiscalizadores, sem falar na legislação específica. “A atual legislação que regula os contratos de seguro (incluindo seguro rural), é suficiente para atender às demandas que são postas em discussão. O Código de Defesa do Consumidor, que também se a aplica aos contratos de seguro, ajuda a regular a relação entre os clientes e as seguradoras, uma vez que estas estão em situação superior nessa relação. Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) é um órgão governamental responsável por regular e fiscalizar a atividade de seguros no Brasil e concentra informações de interesse dos consumidores”.

Procura dos agricultores pelo seguro rural 

Se acordo com informações que foram divulgadas pala a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), o segmento pagou mais de R$ 10,5 bilhões aos produtores rurais que foram indenizados em 2022, um aumento de 47,1% ante o mesmo período do ano anterior. Esses dados colocam a modalidade entre as principais políticas agrícolas existentes hoje no Brasil. Para Thiago Ayres, superintendente de Estudos e Projetos da CNseg, o aumento da demanda está diretamente relacionado à percepção de risco pelo produto rural, já que esse tipo de seguro arrecadou mais de R$ 13,4 bilhões em 2022.

“Com o aumento constante na ocorrência de eventos climáticos severos, o produtor rural, cada vez mais, tem enxergado o setor de seguros como um forte aliado na saúde financeira do seu negócio”, destaca Ayres. Nesse contexto, o estado com a maior procura pelo produto, com R$ 2,5 bilhões, foi o Rio Grande do Sul, pagando R$ 3,2 bilhões em indenizações. O Paraná foi o estado que mais pagou, R$ 3,3 bilhões, arrecadando R$ 2,3 bilhões. “Com a ocorrência frequente de eventos climáticos que podem devastar lavouras inteiras, o setor de seguros traz a segurança que o produtor rural precisa para focar suas energias em aumentar a sua produtividade”, completa ele.

No entanto, na hora de especificar a procura, Debora afirma que não há no mercado medidores relacionados a esse tipo de procura/atividade por parte do produtor de forma geral no País. Ela garante que é uma questão individual que, quanto mais profissionalizada for, mais protegerá o seu negócio. Aline, por sua vez, traz alguns números de dentro do Banco do Brasil que podem dar uma noção desse panorama. 

“O seguro rural vem tendo um crescimento substancial no Brasil. Embora haja muito potencial para difusão, dado que menos de 20% da área plantada brasileira seja segurada, a procura pelo seguro triplicou nos últimos cinco anos, de acordo com dados da CNSeg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização). Em 2022, a arrecadação do ramo atingiu R$ 12,6 bilhões. Analisando somente a BB Seguros, o seguro rural fechou 2022 com R$ 8 bilhões em prêmios emitidos, um crescimento de 51,8% em relação a 2021”, afirma ela.

Seguro rural e subsídio público

Outro ponto de interesse e de atenção por parte do produtor diz respeito ao subsídio público, acredita Fábio Lamonica Pereira. “O governo federal, assim como governos estaduais, tem verbas específicas destinadas para o pagamento de parte dos prêmios dos seguros rurais, a fim de viabilizar a contratação por parte dos produtores, devido ao alto custo de tais seguros”, diz.

“Além dos seguros privados, os produtores podem contar com o ProAgro – Programa de garantia da Atividade Agropecuária, administrado pelo Banco Central, que é uma espécie de seguro público que supre parte das despesas com o custeio. A cobertura do ProAgro é limitada para valores menores (atualmente 335 mil) mas, por outro lado, há coberturas relativas a ‘doença ou praga sem método difundido de combate, controle ou profilaxia, técnica e economicamente exequíveis’, o que normalmente não é coberto pelos seguros privados”, completa o advogado.

Debora lembra que o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) oferece ao agricultor a oportunidade de segurar sua produção com custo reduzido, por meio de auxílio financeiro do governo federal. No PSR, o governo federal, por meio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), paga parte do prêmio de seguro rural devido pelo produtor.

“A subvenção econômica concedida pelo Ministério da Agricultura pode ser pleiteada por qualquer pessoa física ou jurídica que cultive ou produza espécies contempladas pelo Programa e permite, ainda, a complementação dos valores por subvenções concedidas por estados e municípios. Para contratar o seguro rural, o produtor deve procurar uma seguradora habilitada pelo Ministério da Agricultura no Programa de Subvenção”, ressalta.

Qual o futuro do segmento

O agro brasileiro tem sido cada vez mais incrementado e desenvolvido, segundo Débora, atualmente, com maiores projeções internacionais. “Isso, sem dúvidas, acaba impactando todos os setores envolvidos, notadamente, o seguro rural. Além da sua maior projeção, é fato que a variação climática também tem sido um importante fator de impacto no seguro rural, conforme os dados acima. E, aliado ao seguro, como visto, o uso e contínuo desenvolvimento da tecnologia no setor rural tem sido a maior tendência entre os produtores, no intuito de proteger e aumentar cada vez mais a produção do seu negócio”, explica.

“Nosso cenário é de um crescimento mais seletivo em 2023. Nem todas as seguradoras atuarão no segmento Rural, que é muito especializado e desafiador. Além disso, os eventos naturais mais frequentes e mais severos estão sendo precificados, o que trará mais sustentabilidade na oferta do seguro. Os subsídios, assim como outros fatores estruturantes do PSR (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural), continuarão sendo debatidos entre os agentes público e privados, porém, com cada vez mais maturidade e consciência, o que nos traz perspectiva de evolução”, complementa Aline.

Contudo, Pereira diz que o que poderia ser implementado para minimizar os casos de divergências, quando dos processos de indenização, seria justamente a mudança administrativa das seguradoras em considerar todos os laudos já elaborados pelo profissional que acompanhou as lavouras do segurado, desde a implantação, para fins de apuração do valor devido a título de indenização.

“Esse profissional, sim, tem condições de demonstrar, com mais detalhes e maior amplitude, qual a real situação das lavouras e se há enquadramento em relação à cobertura contratada. Contudo, as seguradoras, de forma unilateral, acabam por considerar tão somente um ou dois laudos elaborados somente quando da constatação das perdas”, conclui o advogado.

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