Máquinas e Inovações Agrícolas

Solucionar problemas, não causá-los

Máquinas devem atender perfil adequado de cada operação

*Por Prof. Dr. Ricardo Ralisch

A mecanização agrícola é uma das tecnologias que intensificam a produção agropecuária e deve ser empregada para otimizar e qualificar o trabalho ao oferecer redução de riscos às pessoas e ao ambiente. A ferramenta tem evoluído junto com a agropecuária e, no Brasil, apresenta uma história com algumas particularidades em relação a outros países, pois é um claro caso de evolução espontânea, ou seja, sem indução por políticas específicas contínuas.

Um pouco de história

No País, a introdução da mecanização agrícola aconteceu na década de 1960, atendendo a um programa do governo federal de modernização da agricultura: o Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas, de 1959. Esta indústria veio na esteira da indústria automobilística, incentivada fortemente pelo governo federal na década de 1950. Segundo João Amato Neto, da USP de São Carlos (SP), em 1960 se produziu no Brasil 37 tratores agrícolas, 35 destes da marca Ford. Em 1964 foram produzidos 11.537 tratores, já com maior diversidade de marcas, como Massey Ferguson, Ford, Fendt, Valmet, Demisa e CBT.

Este foi o único plano federal específico para a mecanização agrícola, cuja evolução derivou da dinâmica natural do setor e atendeu mais a aspectos mercadológicos. Como consequência, houve uma natural e significativa diferença evolutiva para variados setores agropecuários e regiões, em função das diferenças nos desempenhos econômicos que houve na época e continuam até hoje. Junto com os tratores, foram introduzidos alguns implementos agrícolas, que são os realizadores de operação agrícola de fato, concentrados nas operações de preparo de solo.

Considerou-se o conceito que vigorava na época, derivado da Europa, de que quanto mais preparado for o solo, melhor. Por influências que não são totalmente esclarecidas, mas baseado em outros países de expansão recente da agricultura, como os EUA, optou-se no Brasil por introduzir os implementos de preparo de solo a discos, como arados e grades, em função das dificuldades operacionais que se encontrariam nas áreas recém desmatadas, em função dos resíduos dos desmatamentos que deveriam ocorrer, como galhadas, raízes etc.

A lógica empregada foi de que os discos, pelo seu modo de ação, têm maior capacidade de cortar e, eventualmente, superar estes obstáculos, diferentemente se os implementos forem dotados de ferramentas fixas, como aivecas ou hastes. Nota-se que nestas decisões vigorou o interesse pelo desempenho das operações agrícolas sobre o efeito destas no ambiente, ou no solo especificamente.

Ainda segundo João Amato Neto, na distribuição da venda global nacional de implementos agrícolas por segmentos, os de preparo de solo superaram a 36% em 1976, seguido pelos implementos de colheita, como debulhadores e peneiras, com 34%, mostrando a importância que estes equipamentos de preparo de solo assumiram.

Destaca-se que, nestes casos, a fabricação é menos complexa do que dos tratores de pneus, portanto pôde ser feita por indústrias menores, pequenas oficinas e empreendimentos familiares, de forte conotação regional e com importante efeito na cadeia produtiva da agropecuária. No final da década de 1970 se iniciou o ciclo da soja no Brasil, alterando significativamente a paisagem agrícola em muitas regiões, por substituir lavouras perenes ou semi-perenes por uma cultura anual, com alto potencial de ser mecanizada.

Aliás, este foi um dos fatores da mudança de atividade de muitos agricultores, pois a soja depende menos de mão de obra e passávamos pelos resultados da expansão para o meio rural dos efeitos da Consolidação da Leis Trabalhistas (CLT), concebida para o meio urbano e suas indústrias, no governo Vargas.

O objetivo foi combater a exploração dos trabalhadores rurais, principalmente no nordeste do Brasil, mas a consequência foi uma avalanche de ações trabalhistas em atividades agropecuárias das regiões Sul e Sudeste do Brasil, por terem desenvolvido uma relação diversificada entre proprietários e trabalhadores rurais, mas que não estava prevista na CLT. Portanto, a mecanização e a soja passaram a ser vistas como uma alternativa a esta situação. O ciclo da soja se consolidou devido a enorme expansão do mercado consumidor desta leguminosa.

Temos, então, um contexto em que houve um pequeno incentivo à mecanização associado à expansão da produção de soja e a consolidação da produção de outras culturas cerealistas e anuais, rotacionando com a soja, como feijão, trigo e milho, dependendo da região. Vigorava o conceito de se realizar o preparo do solo a cada safra, com implementos a discos como arados, grades leves, médias e pesadas, realizando 3, 4 a até 5 operações de preparo de solo em cada safra, ora para afofar o solo, para combater mato, pragas e doenças, e em alguns momentos para incorporar insumos como herbicidas.

Isto degradou acentuadamente o solo, deixando-o muito vulnerável, o que resultou na calamidade da extensa erosão até o final da década de 1980, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, principalmente. O Centro-Oeste ainda se caracterizava por uma ampla adoção de pecuária extensiva. Portanto, o ciclo de erosões que tivemos no Brasil de meados ao final do século 20 se deveu, principalmente, a uma adoção inadequada da mecanização agrícola, realizando operações prejudiciais ao campo.

Apesar dos excelentes programas nacionais e de alguns estaduais de controle da erosão realizados, esta só foi controlada de fato com a consolidação do Sistema Plantio Direto, que surgiu graças a persistência de alguns agricultores pioneiros, simbolizados por agricultores do Paraná: Manoel Henrique Pereira, o Nonô, de Palmeira; Franke Djikstra de Carambeí; e Herbert Bartz, de Rolândia, este último tendo importado em 1972, por sua conta e risco, uma semeadora de Plantio Direto dos Estados Unidos, a Allis Chalmers, que vinha sendo usada pelo agricultor Harry Young Jr. em Plantio Direto, chamado lá de ¨No-Till¨, já havia 10 anos.

O advento do Plantio Direto rompeu o conceito do preparo de solo, evoluiu para o Plantio Direto na Palha, que propunha promover a cobertura permanente do solo, também limitando a incorporação dos restos vegetais da safra encerrada no solo pelo seu preparo, culminando no conceito do Sistema Plantio Direto (SPD), que se baseia na mínima mobilização do terreno, na manutenção da sua cobertura permanente e em promover a rotação de culturas e a diversidade vegetal.

O impacto positivo foi tão grande que a FAO, organismo da ONU para agricultura e alimentação, adotou estes três pilares como a base da Agricultura Conservacionista proposta para todos os países. Na mecanização, esta mudança de conceito reduz drasticamente a importância do preparo de solo, operação substituída pelas semeadoras, que devem promover o preparo da linha de semeadura, com a menor perturbação possível da cobertura e pelos pulverizadores, pois as aplicações são mais frequentes, já que na maioria dos casos o controle do mato passa a ser feito com herbicidas.

Além destes, as colhedoras assumem o papel de bem distribuir a palha durante a colheita, para atender a premissa do solo coberto e para facilitar o papel das semeadoras. O mercado de máquinas agrícolas se agita, muitas pequenas indústrias se adequam, oferecem boas alternativas aos agricultores e crescem, outras não resistem, mas muitas novas surgem e a gama de opções se ampliou.

A consolidação do SPD permitiu a expansão da produção cerealista ao Centro-Oeste, promovendo, inclusive, uma segunda safra, devido a redução dos tempos operacionais das máquinas e a preservação da umidade da terra. Surgiu a proposta da implantação de cultura forrageira associada à de cereais e a consolidação da Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e o surgimento da integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e nossas produtividade e produção global se expandem vertiginosamente.

 

O Brasil se tornou modelo de Agricultura Conservacionista, refletindo no desempenho econômico e no sucesso de nossa balança comercial nas últimas duas décadas. O Agro do Brasil passou a atrair muitas empresas fornecedoras de tecnologias, inclusive fabricantes de máquinas.

Mercado de máquinas

Nosso mercado de máquinas se consolidou e há uma boa oferta de alternativas às diferentes atividades agropecuárias. Os tratores e as colhedoras combinadas automotrizes, chamadas de colheitadeiras, são fornecidas pelos grandes fabricantes multinacionais, enquanto na área dos implementos e alguns autopropelidos são fornecidos pelas indústrias regionais ou de origem regional que se tornaram nacionais. Isto nos leva ao comentado no texto da edição anterior, colocando o papel dos grandes fabricantes em fornecer equipamentos genéricos, voltado para o mercado de atividade mais intensa, enquanto os fabricantes regionais oferecem soluções mais adequadas às realidades de seu entorno.

Uma atenção que deve ser dada pelos agricultores é que os grandes fabricantes de máquinas possuem estrutura e marketing nacionais e tratam todos os agricultores ¨de forma semelhante¨, promovendo equipamentos que se adequam à uma determinada realidade, como da região Centro-Oeste, às demais regiões. Há nisto um sério risco de adoção de equipamentos inadequados ao ambiente de produção do interessado na máquina.

Um exemplo disto foi a retirada de terraços em curva de nível iniciada na região Sul há 15 ou 20 anos, e que se expandiu rapidamente. A justificativa para tal fato foi a busca pelo aumento da eficiência operacional das máquinas, que se consegue com facilidade ao adotar equipamentos de maior largura de trabalho. Aliás, este tem sido um argumento de venda de máquinas, generalizado, mas irresponsável, até hoje. Esta justificativa se apoia na crença ou na informação oportunista de que o SPD controla erosão. Não controla.

Como tratado acima, a concepção do SPD possibilitou que as outras estratégias de controle a erosão funcionassem, por interromper o preparo de solo e sua degradação sucessiva, por recuperar a produção de biomassa, a matéria orgânica e a estrutura do solo, aumentando a capacidade de infiltração de água que diminuem o potencial erosivo das chuvas. Portanto, informar que o SPD controla a erosão é uma desinformação ou uso de má fé para promover, por exemplo, a venda de equipamentos específicos.

Mas a indução por emprego de máquinas mais largas, de maior potência e de maior eficiência operacional se generalizou, promovendo a retirada dos terraços em boa parte de nossa área agrícola e a erosão voltou a ser alarmante. Portanto, este novo ciclo de erosões, da década de 2010, também teve como fato deflagrador a mecanização inadequada. Outro problema desta busca por maiores rendimentos operacionais dos equipamentos agrícolas sem critérios adequados é o aumento dos custos operacionais.

Se o dimensionamento destes equipamentos for acima do recomendado para as características fundiárias e da atividade agropecuária, estes custos oneram o produtor, reduzem a rentabilidade, podendo inviabilizá-lo. Este fato já está sendo constatado em algumas regiões, inclusive com tendências a mudanças de atividades. Isto deveria preocupar os fabricantes e fornecedores de equipamentos agrícolas e poderia partir deste setor uma iniciativa de promoção da mecanização agrícola racional e por quê não a chamar de Mecanização Conservacionista, para entrar nesta onda.

Mecanização para solucionar problemas

Uma das características desta Mecanização Conservacionista deve ser a racionalidade, de custos, de meios de produção, de energia e de equipamentos. Mas este conceito exige mais: deve ser focado na solução dos problemas e dificuldades encontrados no cotidiano da agropecuária. Isto exige uma clara identificação e reconhecimento destes problemas e dificuldades. É comum encontrarmos no campo produtores que dispõem de equipamentos desnecessários, gerando ociosidade e custos. Situação que se agrava quando o produtor opta então por usar estes equipamentos.

Identificar o problema é importantíssimo na busca da melhor solução e normalmente é mais difícil do que parecer ser. A melhor forma de acoplar um implemento, características operacionais, como manobras, velocidades, uso adequado dos recursos dos tratores, como marchas, multiplicadores de velocidades, freios independentes, bloqueio de diferencial, bitola, lastros, pressão de inflação dos pneus, manutenções preventivas, regulagens dos implementos, posição das ferramentas, se necessário, altura ou profundidade de atuação, desgaste dos componentes, distribuição de insumos se houver, recolhimento de produtos para citar genericamente algumas situações.

Um produtor bem informado ou um bom consultor em mecanização, por exemplo, devem ser aptos a identificar o problema, para buscar a melhor solução em mecanização disponível no mercado. Também definem adequadamente as condições operacionais, como velocidade, regulagens, manobras, reabastecimentos, manutenções, condições climáticas e de solo para que a operação traga os melhores resultados possíveis.

Se as condições operacionais citadas dependem das condições climáticas e de solo, como temperatura do ambiente, umidade do ar e do solo e vento, estas devem ser alteradas durante o dia, o que exige um bom acompanhamento das operações por quem decide por estas adequações ou uma boa capacitação do operador se esta decisão for delegada a ele. De qualquer forma, é importante criar um sistema de monitoramento destas decisões tomadas, para constante avaliação. Estes sistemas podem ser simples, com fichas e apontamentos pelo operador ou mais complexos, como monitoramento remoto, como a telemetria, que já está disponível no mercado para todas as operações e equipamentos.

Das operações agrícolas que dependem das condições do ambiente, as que interagem com o solo são as que mais preocupam, pois operações inadequadas afetam diretamente nos custos operacionais, mas também podem causar grandes danos no solo e na sua estrutura, principal propriedade do solo afetada pela mecanização, mas este será o tema que abordaremos na próxima edição. Boa safra.

*Prof. Dr. Ricardo Ralisch é professor da Universidade Estadual de Londrina, doutor em agronomia, pesquisador de mecanização agrícola e manejo de solos, diretor da Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação e consultor da FAO-ONU
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