Máquinas e Inovações Agrícolas

Stanley Robinson (Embrapa): transformação digital na agricultura

por Adriana Gaçava

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agropecuária (FAO) estima que, em 2050, a população mundial atinja 9,8 bilhões, o que demandaria crescimento de 70% na produção de alimentos no planeta. Essa alta demanda pode levar o Brasil a ocupar o posto de maior fornecedor agrícola. Nos últimos anos, o País já assistiu a uma inversão em seu perfil de produção e consumo: passou de importador de alimentos na década de 1970, para um dos principais players na produção. Isso foi possível apenas, segundo o chefe-geral da Embrapa Agricultura Digital, o pesquisador Stanley Robinson de Medeiros Oliveira, graças a investimentos em pesquisa e inovação. Na entrevista a seguir, ele destaca agora a transformação digital, a tecnologia, com a evolução das ferramentas digitais na agricultura, o chamado agro 4.0, como o principal driver de mudança. Confira:

Como as ferramentas digitais evoluíram na agricultura nos últimos anos?

Passamos de uma agricultura tradicional, para uma agricultura movida a ciência. Um primeiro aspecto tem a ver com as demandas por aumento da produtividade, que exigem a inserção de tecnologia nesse ambiente. Um segundo ponto passa pela redução de custos com insumos. Com isso, a tecnologia vai ganhando espaço no campo. Outra coisa: como melhorar a tomada de decisão? Muitos dados são gerados por meio da tecnologia. Hoje estamos cercados por dados. Temos dispositivos, equipamentos, sensores, imagens de satélite, que acompanham a evolução da agricultura e isso vai subsidiar os tomadores de decisões com dados.

Qual a importância desses dados?

Esses dados são importantes porque mostram tendências e cenários que podem ser economicamente viáveis e também sinalizam ameaças. Essa é a forma como a tecnologia vem caminhando. Falamos na Embrapa que a tecnologia é o driver de mudança. Fizemos três estudos, nos últimos três censos. Em 1995, a tecnologia respondia por 50,6% da produção. Em 2006, no censo seguinte, ela já respondia por 56,8%. E, em 2017, último censo realizado, a tecnologia já alcançava 60,6% do crescimento bruto da produção. Então essa é a grande evolução. Temos agora um campo mais sustentável, que se tornou mais digital.

E qual é o papel da Embrapa nesse processo?

A Embrapa viabiliza soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para sustentabilidade na agricultura. Com isso, precisa monitorar constantemente sinais e tendências. A Embrapa tem dois escritórios no exterior, sendo um nos EUA e outro na França, em que captamos sinais e tendências, o que precisamos para montar toda nossa programação de pesquisas em cima dos grandes desafios do agro. O que isso traz de implicação? Por exemplo: temos que manter um quadro de empregados atualizado, com programas de pós-graduação, que visam valorizar a capacitação do pesquisador, tanto em nível de mestrado quanto de doutorado. Também temos o Programa Cientista Visitante, que acontece depois do doutorado, em que o pesquisador visita instituições em vários lugares no mundo. A Embrapa faz parte de um ecossistema de inovação forte, que engloba governo, academia e iniciativa privada. Nos aproximamos da iniciativa privada, para que sejam desenvolvidas soluções público-privadas, que são orientadas à inovação. Com isso, conseguimos um cofinanciamento. Não dependemos mais 100% dos projetos financiados só pelo Tesouro Nacional. Temos parceria de empresas do agro, que nos ajudam a pegar tecnologia gerada pela Embrapa e levar essa tecnologia para o mercado. Essa é a grande estratégia da Embrapa: atuar nesse grande ecossistema atual.

Quais as pesquisas em andamento, focadas no desenvolvimento de tecnologia e apoio à agricultura digital?

Temos vários projetos hoje. Só para contextualizar, a Embrapa possui 34 portfólios de pesquisas que vêm de demandas que representam as dores do produtor rural. Monitoramos doenças nas principais culturas, como soja, milho, algodão, feijão, arroz e etc. São cerca de 17 culturas agrícolas. O produtor nos ajuda: ele tira uma foto da folha com a doença, essa folha vem para a Embrapa e é analisada por um fitopatologista, que consegue dizer qual é a doença. Nós treinamos os algoritmos inteligentes e, com esses treinamentos, conseguimos gerar tecnologia que detecta doenças e traz para o produtor uma recomendação sobre o que ele deve fazer naquele momento. Isso é uma tecnologia para classificar e detectar doenças em culturas agrícolas. Outro exemplo: monitoramos áreas grandes, campos experimentais. Temos um campo experimental na Embrapa em Campo Grande, em que temos integração de lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Temos dispositivos instalados no campo, colar em animais, que informa sobre os batimentos cardíacos, frequência respiratória, e, com isso, conseguimos monitorar à distância o bem-estar animal naquela região e dar sinais de alerta em tempo curtos, a cada dez minutos se for preciso, de tal maneira que eles conseguem verificar o manejo do animal dentro daquele campo. Porque os animais passam por balanças, quando vão ao bebedouro, ou quando vão se alimentar, e ali, quando eles pisam, conseguimos inferir o peso do animal e, assim, diariamente conseguimos ver o ganho de produtividade, para estimar a data de abate, por exemplo, desse animal. Outro exemplo: nós temos robôs que passam no meio de uma plantação de uva e sai batendo fotos. Ao final do percurso, no corredor, conseguimos estimar a produtividade, ou seja, quanto tem ali de uva. O mesmo ocorre para a produtividade da laranja. E estamos estendendo isso para a maçã e também para a manga.

Um claro sinal de que a tecnologia pode ter cada vez mais uma forte inserção na agricultura…

Sim. Mais um exemplo: nós fazemos voos de drones por cima de propriedades e nesses voos conseguimos contar os animais. Isso ajuda rapidamente a encontrar animais que estão perdidos, animais que estão presos. Esses animais às vezes caem de penhascos, às vezes são vítimas de roubo. Com essa contagem rápida, conseguimos fazer a gestão da propriedade. É outro exemplo de tecnologia sendo aplicada no campo. Vou citar mais um, que está em evidência nos últimos dias, que é o zoneamento agrícola de risco climático (Zarc). Nós respondemos três perguntas para o produtor: quando plantar, onde plantar e o que plantar. Isso tem um impacto muito grande dentro do programa de seguro rural, do crédito rural e é apoiado pelo Ministério da Agricultura e pelo Banco Central, juntamente com a Embrapa, que trabalha nesse projeto em todo território nacional. O Zarc é uma tecnologia muito forte de ajuda ao pequeno, médio e grande produtor. Esses são apenas alguns exemplos. Existem muitos outros.

De que forma a conectividade no campo impacta na evolução do agro 4.0?

A conectividade tem um impacto forte. De acordo com o último Censo 2017, só 28% das propriedades têm acesso à internet no campo, conforme dados do IBGE. E qual o impacto dessa baixa conectividade? Um arsenal grande de tecnologia gerada pela Embrapa, pela academia e por outras instituições de pesquisa, não chega ao produtor rural, porque ele não tem acesso à internet naquele local. São tecnologias gratuitas, que muitas vezes estão disponíveis na loja do Google. Se a pessoa digita Embrapa, na busca, vai encontrar um arsenal de tecnologias disponíveis para celular ou para acesso pela web. São tecnologias que dão informações diretas ao produtor.

Que tipo de tecnologias o produtor tem à disposição?

Previsão do tempo, estimativa de produtividade, necessidade de água no solo, mapas de solo, todas essas tecnologias estão prontas. Outros exemplos são a recomposição da paisagem do meio ambiente. Temos um sistema online, que é web ambiente, em que o produtor interage com o sistema, faz uma simulação que lhe dá uma sugestão de como ele pode fazer a recomposição dessa paisagem. São muitas tecnologias e, só para enfatizar, o Norte e o Nordeste são as regiões com os maiores vazios de conexão. No Sul e no Sudeste isso é menor. Precisamos avançar urgentemente nesse sentido, com projetos de conectividade, para que os produtores possam se apropriar de tecnologias que já estão disponíveis, com custo zero.

Quais áreas da agricultura poderiam ser beneficiadas pela agricultura digital?

Basicamente todo percurso: desde a pré-produção, passando pela produção, até a pós-produção. A agricultura digital vai desde o escritório, desde a seleção de genes para um determinado experimento, da análise de insumos, de como produzir um antígeno para uma vacina, do planejamento à pré-produção, chega na produção quando está dentro da propriedade, monitora desde o plantio, o crescimento de vários estágios de uma cultura agrícola até a colheita. Depois, na pós-produção, tem questões como logística, para escoar a produção, monitoramento da perda desde a propriedade até à indústria, ou até a exportação. Nós conseguimos usar tecnologia para rastrear, para garantir que todos os padrões de um produto agroindustrial sejam mantidos no momento de exportação.

Que parcerias poderia destacar na área de mecanização?

Na parte de mecanização, a Embrapa trabalha muito em parceria com universidades, porque é uma área em que a Embrapa tem poucos especialistas. Aqui na Unicamp, onde a Embrapa está localizada, temos a universidade de engenharia agrícola, que trabalha com máquinas e implementos, assim como a Esalq/USP e outras universidades. A Embrapa, no Mato Grosso, tem parceria com a Universidade Federal do MT, por exemplo. Há um desenvolvimento muito forte nessa área e essas máquinas e implementos geram dados constantemente, portanto, elas são fundamentais. A geração de dados vai ajudar a detectar os cenários economicamente viáveis, de ameaças e, principalmente, na tomada de decisões estratégicas. Esse maquinário tem GPS e, assim, conseguem rapidamente monitorar, não só o movimento da própria máquina, mas toda a produção no campo.

Como o sr. enxerga o agronegócio do futuro e o papel do Brasil no cenário mundial?

O agro futuro está em franca expansão. No Brasil, só para se ter uma ideia, o agro já representa 27% do PIB nacional. É um valor expressivo. O Brasil produz alimentos suficientes para alimentar mais de 800 milhões de habitantes por ano, ou seja, quatro vezes a  sua população. E essa agricultura tropical, que é o nosso caso, é importante porque, em alguns casos, geramos duas ou três safras no ano. Enquanto outros países, que sofrem com períodos gelados, têm uma ou chegam em duas, no máximo. Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, porque, na grande meta de alimentar mais de 9 bilhões até 2050, a tecnologia se destaca e somos um celeiro na produção de alimentos. Enquanto na década de 1970, o Brasil importava alimentos, hoje ele é um dos maiores exportadores. Houve uma grande inversão. Isso graças à tecnologia, ao alto desempenho e escala e à crescente incorporação de práticas sustentáveis. Hoje o importante não é só produzir, mas produzir preservando o meio ambiente.

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