Antônio da Luz (Farsul): dependência do Plano Safra

Economista-chefe da Farsul fala sobre a importância de alternativas aos recursos do Plano Safra

por Clarisse Sousa

No ano passado, quando foi anunciado o Plano Safra 2020/21, o governo federal prometeu liberar R$ 236,3 bilhões em recursos, o que significa R$ 13,5 bilhões a mais do que em 2019/20, além de melhores condições de financiamento a juros mais baixos. Porém, os cortes no orçamento em 2021 acabaram afetando diretamente programas como Pronaf, da Agricultura Familiar, na ordem de quase R$ 1,35 bilhão, R$ 550 milhões de custeio e R$ 600 milhões de investimentos faltando apenas 75 dias para o ano-safra terminar.

Em resposta à redução do orçamento, em maio, o governo cortou financiamentos agropecuários do ano-safra em curso. A recomposição de R$ 2,5 bilhões para operações agrícolas e pecuárias viria, somente, com a aprovação do projeto de lei do Congresso Nacional (PLN 4/2021), em 1º de junho, permitindo ao setor receber um crédito suplementar de R$ 3,7 bilhões.

Na opinião do economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, o valor suplementado não representou mudanças significativas para o setor. A expectativa agora recai sobre a implementação do novo Plana Safra 2021/2. O programa foi apresentado com atraso, em 22 de junho, totalizando R$ 251,2 bilhões em financiamentos, 6,3% a mais em relação ao plano anterior. Os financiamentos já podem ser contratados e permanecem em vigor até 30 de junho de 2022. Antônio da Luz já previa que não haveria muitas novidades (a entrevista foi realizada dias antes do anúncio oficial), especialmente devido ao curto período de tempo destinado à criação do Plano, o que de fato acabou se concretizando. Acompanhe a entrevista:

Quais os impactos da aprovação do Projeto de Lei que recompôs o orçamento da União para o Plano Safra 2020/21?

Não devemos colocar muitas expectativas sobre ele, primeiramente porque não temos recursos nem para o ano safra 2020/21. Esse Projeto de Lei não resolve o problema da falta de crédito, somente repõe aquilo que tinha sido retirado. Os recursos continuam insuficientes para a nova demanda. As máquinas agrícolas tiveram aumento de preço elevado, assim como os demais insumos. Se antes precisava de R$ 1 milhão para comprar uma máquina, e hoje essa máquina custa R$ 1,5 milhão, isso, por si só, já aumenta em 50% a demanda por crédito para manter o mesmo número de vendas. Portanto, o recurso era insuficiente e tornou-se ainda mais. O PLN 4 só não deixa se instalar um “caos” no curto prazo, ele representa um “respiro” para os próximos meses. Não vamos observar esse “caos” também porque as indústrias não têm equipamentos para entregar. Porque, se tivessem, isso poderia ocorrer, já que não teríamos crédito disponível suficiente.

Qual a lição que se pode tirar de toda essa situação?

O PLN 4 deve ser lido pelo setor de máquinas como um aviso: não dá para contar com esse tipo de coisa mais. Simplesmente porque o orçamento de 2021 foi aprovado somente no dia 1º junho. Logo, esse projeto vem para “consertar” os problemas do orçamento, que, aliás, não tínhamos. Temos sinais claros de que o governo está com dificuldade de manter esse sistema como ele de fato funciona. Não é um problema só do agro, mas de outras áreas também. O governo está altamente endividado e está cortando tudo. É preciso começar a olhar para outras alternativas. Não exatamente neste momento, porque as empresas não têm equipamentos para entregar e, por essa razão, pode não haver necessidade desse crédito. Há uma “coincidência” de fatores que acabam ocasionando um acerto. “Não tenho crédito, mas também não há produtos”. O problema é que isso vai passar e, nesse meio tempo, é necessário que o mercado construa alternativas de crédito para que possa manter o nível de vendas que as indústrias estão acostumadas. As coisas estão mudando e os sinais são claros. Talvez não seja uma boa ideia ficar dependendo do Plano Safra.

Quais foram os impactos desses cortes no Plano 2020/21?

Hoje, quem quer fazer um investimento com recursos do Plano Safra não consegue. Ele precisa colocar dinheiro e, depois, recebê-lo de volta na virada do plano. Mais uma vez, isso não é somente para máquinas, mas, de maneira geral, não há recursos. Estamos realmente preocupados.

O crédito rural tem sido fundamental para o desenvolvimento do agro. No entanto, a cada ano constata-se essa escassez no crédito. O que fazer?

O crescimento do ano Safra 2021 até abril foi de 0,8% acima do ano passado. Somando maio e junho, podemos esperar crescimento de 5%. Nem sempre o que é anunciado pelo governo é o que efetivamente se tem para emprestar. Neste ano, estamos com R$ 190 bilhões. No ano passado, foram R$ 189,76 bilhões, e 2019, R$ 173 bi. Em 2014, foram R$ 154 bi. De lá para cá, aumentamos R$ 40 bi. E o custo, quanto aumentou neste período? E os preços dos equipamentos? Os valores efetivamente emprestados a título de crédito rural são abaixo do crescimento da demanda. Para 2021/2022, o gap será ainda maior, porque o aumento nos custos é enorme.

Por que muitos produtores não conseguem acessar o crédito?

Ao longo dos anos, muitos produtores têm sido expulsos do crédito rural. Eles já tiveram acesso e deixaram de acessar. Como se tem uma demanda muito grande por crédito e, ao mesmo tempo, há escassez de recursos, a seletividade aumenta. Avalia-se os riscos de emprestar para “João” ou “José”. João é maior, está capitalizado, está bem. Logo, o risco de se emprestar o dinheiro e ele não pagar é baixíssimo. Por outro lado, o José tem um histórico “mais ou menos”, sempre atrasa, renegocia, embora pague suas dívidas. Por essas razões, o empréstimo vai para o João. Para se ter ideia, em 2014, eram 2,574 milhões de contratos. Hoje são 1,696 milhão de contratos. O número de contratos entre 2014 e 2021 caiu 34%. Isso quer dizer que houve uma seletividade. Os bancos passaram a selecionar porque há muita gente buscando, para pouco dinheiro disponível. Isso [a seletividade] não está errado, é só uma constatação. Eles dão mais dinheiro para poucos selecionados.

O que esperar do novo Plano 2021/22?

Será bastante difícil para o Ministério da Agricultura construir um Plano Safra em apenas um mês. Embora os técnicos sejam muito experientes, não será fácil. Acredito que haverá pouco espaço para negociação. Ter menos tempo para a negociação é prejudicial para o produtor. Isso porque, com as finanças públicas do jeito que estão, a economia sempre vai tentar cortar o máximo que der. E cabe a nós tentar recompor, mas teremos pouco tempo para isso. Todo ano, nesta época, [início de junho, quando esta entrevista foi realizada] o Plano já está pronto, já está construído. Acredito em um Plano Safra possível, nada mais do que isso. Também não acredito em um aumento de volume que faça “cócegas” no aumento do custo de produção. Por isso tudo, teremos de ter discernimento e começar a pensar em alternativas. Esse modelo de investimento a partir de recursos do BNDES, e não acho que ele vá deixar de existir, mas se ficarmos somente dependentes deles, poderá chegar um momento em que o produtor vai querer muito comprar um equipamento, assim como a indústria pretende vender, e vai faltar o crédito. Não é uma previsão para agora, mas se não começarmos a pensar nisso neste momento, sofreremos as consequências lá na frente.

Neste momento, quais linhas oferecem as melhores oportunidades ao produtor?

Não dá para selecionar. A melhor linha é a que estiver disponível. Não tem essa opção, porque não tem dinheiro. O banco vai oferecer o dinheiro dele, não dos programas de financiamento. Não há muitas alternativas. Mas há um mundo de mercado de capitais que poderia financiar e é preciso começar a olhar para isso.

Quais as perspectivas para o agro neste ano?

Vamos ter um crescimento bastante robusto, com um PIB consistente, que vai ajudar o Brasil a crescer mais. Caminhamos para atingir 300 milhões de toneladas de grãos muito antes do que prevíamos. O câmbio, apesar de ter caído, ainda está em patamares bem mais altos do que estava no ano passado, o que favorece as exportações. A minha única preocupação, na verdade, é o que diz respeito à gestão. O processo produtivo está cada vez mais complexo e observo muito “oba oba” por parte dos produtores. Muitas pessoas estão tomando decisões gerenciais que, na ocorrência de uma primeira crise, teremos muitos dissabores. As coisas vão indo muito bem, mas já está havendo uma necessidade de mudança de patamar do ponto de vista da gestão.

Isso significa que os grandes desafios não estão dentro da lavoura…

Exato. Não estão mais dentro da lavoura, mas dentro do escritório do produtor. Há uma lista de problemas que precisam ser corrigidos, como investimento sem análise de viabilidade, inexistência de fluxo de caixa, falta de cuidado com capital de giro, inflacionamento de mercado de terras, de arrendamentos, falta gestão de recursos humanos adequada etc. O produtor é um sujeito inovador, investe em tecnologia, mas precisa saber que as coisas estão mudando e que há uma alternativa que ele deve estudar e conhecer. Quando perceber que gerir é uma técnica, ele vai atrás e vai aprender.

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