Por Prof. Otávio J.G. Abi-Saab e Prof. Ricardo Ralisch
Mecanização Conservacionista visa o menor impacto no ambiente
Das tecnologias agrícolas, a mecanização é a mais antiga, duradoura e adaptável às diferentes épocas, realidades e interesses. Ela está presente desde o início da agricultura e, consequentemente, desde o início das civilizações humanas. Considerando isto, o nível tecnológico adotado pela mecanização representa muito bem a etapa evolutiva das diferentes civilizações. Tanto é que frequentemente se ilustram diferentes civilizações, associando-as à sua agricultura e mecanização adotadas.
De forma análoga, políticas e estratégias de promoção de diferentes níveis de mecanização agrícola são empregadas como forma de induzir a evolução da atividade agropecuária de uma região ou país. Exemplos são a motomecanização introduzida no Brasil em 1959, com o Plano Nacional da Indústria de Tratores de Rodas, como sendo a única tecnologia agrícola em nossa história, induzida por uma política e que visou a modernização de nossa agricultura.
Outros casos que merecem destaque foram: a evolução do Sistema Plantio Direto (SPD), cujas etapas foram caracterizadas pelos surgimentos espontâneos de alguns implementos, como a importação dos EUA em 1972 da semeadora Allis Chalmers por Herbert Bartz, considerado o início do SPD na América do Sul, os lançamentos das semeadoras brasileiras, como a Rotacaster e as TDs e os desenvolvimentos dos pulverizadores autopropelidos. Da mesma forma, a expansão do SPD para a agricultura familiar da região sul do Brasil, fato que revolucionou este setor, foi desencadeada pela iniciativa da Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação, FEBRAPDP, que, com apoio financeiro da Semeato e da Monsanto, adquiriu 36 semeadoras de plantio direto para tração animal de diversos fabricantes voltados à agricultura familiar, modelo Gralha Azul.
É fácil visualizar a relação da mecanização agrícola com as diferentes etapas de evolução da agricultura, desde o seu início até atualmente. No início, a prioridade foi dar mais capacidade de trabalho às pessoas. Em seguida se necessitou dar mais capacidade de produção às pessoas, para ampliar a área explorada e ferramentas mais adequadas foram sendo desenvolvidas, com animais sendo domesticados para ampliar esta capacidade. Diferentes ferramentas e implementos foram surgindo e se adaptando para atender aos diversos interesses, ampliando a atividade agrícola e a produção.
E assim vem se evoluindo a agricultura e a mecanização agrícola. A mecanização ora visou ampliar a capacidade de trabalho das pessoas, depois atendeu aos anseios de padronização dos efeitos destes trabalhos, evoluindo para a redução da penosidade destes trabalhos, tornando-os mais fáceis e seguros de serem feitos, passando pelo interesse de ampliar a produção e a produtividade.
A agricultura se modernizou e há atividades intensamente mecanizadas que exigem um excelente gerenciamento das máquinas para evitar os efeitos negativos da mecanização excessiva. Para facilitar este gerenciamento, já convivemos com a agricultura 4.0, com características digitais, onde as máquinas passaram a ser gerenciadas à distância e já há modelos autônomos no mercado, diminuindo a presença de pessoas no ambiente de trabalho, reduzindo a insalubridade e os riscos de falhas humanas nas operações.
Mas e hoje, qual será a principal função da agricultura e como a mecanização deve ser encarada?
Principal função
Em qualquer ambiente que se discuta este assunto, a maioria das opiniões sobre a principal função da agricultura giram em torno da produção de alimentos e suas derivadas, como propiciar a segurança alimentar. A segunda opção mais frequentemente citada como função da agricultura é a produção de forma ampla, envolvendo, alimentos, fibras, matéria prima e energia. Outra citação frequente, é a capacidade de gerar riquezas e fortalecer as economias locais, regionais e nacional. Com menor frequência, mas também citada é a função de propiciar desenvolvimento social, pelo reequilíbrio de distribuição das populações. Mais recentemente começaram a surgir as manifestações de que a agricultura deve se preocupar com o ambiente.
Percebe-se que na maioria das vezes se destacam as opções associadas a capacidade de produção, porém, para se produzir, a agricultura precisa de um ambiente propício e recursos naturais equilibrados e preservados, que são basicamente, solo, água, atmosfera e biodiversidade. Porém, antagonicamente, é a própria agricultura intensificada a maior causadora de distúrbios no ambiente e nestes recursos naturais, causando degradação do solo, erosão, sedimentação e contaminação das águas, contaminação da atmosfera e drástica redução da biodiversidade. Logo, se queremos que haja uma agricultura produtiva, duradoura e perene é fundamental que esta agricultura tenha como prioridade máxima preservar o ambiente e os recursos naturais. A melhor agricultura é aquela que produz um ambiente produtivo, para que se possa perpetuar a capacidade de produzir bens de consumo, em volume e custos condizentes. Neste contexto que surgiu o conceito da Agricultura Conservacionista, produtiva e protetora do ambiente, proposto pela FAO e que se baseando no sucesso do SPD no Brasil e na América do Sul. Trata-se do último e mais recente avanço conceitual da agricultura.
Mecanização
Considerando que a Mecanização Agrícola é a tecnologia precursora das demais tecnologias e que atende aos interesses da agricultura e que concordamos que a atual principal função da agricultura é preservar os recursos naturais, propiciando um ambiente favorável à produção agropecuária, cabe à mecanização, como tecnologia preliminar, protagonizar a proteção ambiental, favorecendo que as demais tecnologias atuem na consolidação de uma agricultura sustentável. Esta é a base conceitual da Mecanização Conservacionista: propiciar que as operações agrícolas promovam o menor impacto negativo possível no ambiente, contribuindo para bons resultados econômicos da agricultura, associados à preservação dos recursos naturais.
Sérios problemas ambientais relacionados com a agricultura, como o recente retorno da erosão hídrica, são causados por uma mecanização mal gerenciada. A busca pelo aumento do rendimento operacional sem critérios bem definidos, leva a um elevado risco da atividade. Um exemplo clássico foi a retirada dos terraços em curva de nível, para viabilizar o trabalho com máquinas de maiores dimensões, em áreas com declividade. Outro fator de risco é o aumento excessivo das velocidades operacionais. Tem havido, também, um desrespeito a topografia e para melhorar a eficiência das máquinas, opera-se nas dimensões mais longas das propriedade, mesmo que sejam operações realizadas morro acima e morro abaixo, ampliando os riscos de erosão.
A boa gestão da mecanização é fundamental para se adotar boas práticas agrícolas. Uma gestão da mecanização inclui a escolha de bons parâmetros para definir se uma operação deve ou não ser realizada. Se for realizada, em que condições esta deve ocorrer. Isto implica em adoção de bons indicadores, tanto dos fatores que motivam a realização de uma operação, como de avaliação contínua das operações realizadas.
Como tecnologia, a mecanização atua, em seus diferentes níveis de adoção, em todas as atividades agropecuárias e em todas as etapas do processo de produção, sendo que cada operação e equipamento agrícola devam ter descritos os critérios que devam ser atendidos visando a conservação do ambiente. Por ora nos deteremos a um conceito geral e quais critérios devem ser considerados para se buscar uma mecanização Conservacionista, que seguem:
1- As operações agrícolas devem ser racionalizadas, sendo empregadas apenas as necessárias e para isto é preciso de um bom sistema de gerenciamento destas operações e dos motivos que levem a optar por elas.
2- As operações de preparo do solo devem ser evitadas ao máximo por causarem muita degradação na estrutura do solo, afetando sua fertilidade.
3- As máquinas devem se adaptar ao ambiente e não o ambiente às máquinas, já que o ambiente é a prioridade.
4- O dimensionamento dos equipamentos e as condições operacionais como velocidade e trafegabilidade devem respeitar as características do solo, da topografia, do formato das glebas e das condições climáticas no momento da operação.
5- Em regiões com declividade, as obras de controle das enxurradas, como os terraços e caixas de contenção são prioridades, com todas as operações devendo ser realizadas em nível.
6- Devem ser respeitadas as características de consistência do solo, dada pela sua umidade e textura, onde se pretende realizar a operação agrícola e considerar a forma de ação das ferramentas, para se evitar as deformações e desagregações da estrutura do solo.
Em suma, todo sucesso de nossa agricultura se deve a uma eficiente geração e emprego de tecnologia adaptada ao ambiente, incluindo a mecanização. A possibilidade de podermos conciliar grandes produtividades com a preservação ambiental é uma grande vantagem global no atual contexto, podendo vir a ser um excelente ativo comercial em breve. Para atingirmos este patamar já há informações suficientes, basta que todos os setores envolvidos na atividade agropecuária se conscientizem disto e hajam de forma coerente para tal.
A Mecanização Agrícola envolve muito mais conceitos do que só máquinas e seu uso, deve ser encarada para além de possibilitar a produção agropecuária, nos moldes que se desenvolveram através da história e que vigoram atualmente. É sim uma tecnologia que possibilita tudo isso, mas de forma que a agricultura se sustente e perdure.
A principal função da mecanização é solucionar problemas e não os causar, o que se atinge com uma boa gestão. O problema atual é ambiental, ou seja, conciliar a produção agrícola com a preservação dos recursos naturais.
Abraços e boas safras!