As principais tendências e desafios para o avanço da agricultura digital

Cada vez mais, é comum ver nas propriedades rurais o trabalho sendo facilitado com a ajuda de máquinas e equipamentos inovadores

As principais tendências e desafios para o avanço da agricultura digital no Brasil

Ana Machado – As porteiras estão abertas para o chamado agro high tech: a agricultura digital tem promovido uma crescente otimização das operações agrícolas no mundo inteiro por meio do uso de tecnologias avançadas. Isso porque, combinadas, elas melhoram a eficiência, a produtividade e a sustentabilidade no campo, além de tornar a gestão das fazendas mais inteligente.

“Atualmente, as transformações que acontecem no campo fazem parte da chamada Agricultura 4.0 e estão relacionadas à digitalização dos processos de produção. Esse fenômeno vai além da simples mecanização agrícola. As operações e decisões passam a ser orientadas com base em dados retirados do clima, da terra, da lavoura etc. Com foco em melhorar o desempenho de cada talhão, dispositivos e pessoas trabalham conectados e integrados”, explica Carlos Eduardo Silva Volpato, pesquisador e diretor da Escola de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Lavras (UFLA-MG).

Boas práticas na lubrificação aumentam vida útil de máquinas e evitam dores de cabeça

Segundo ele, a agricultura digital é uma nova forma de enxergar o mundo agrícola, conectando todas as pontas da cadeia produtiva. Nesse sentido, os processos avançam e, cada vez mais, é comum ver nas propriedades rurais o trabalho sendo facilitado com a ajuda de máquinas e equipamentos inovadores. “Isso faz com que a produtividade tenha um salto e a cadeia se reinvente no campo de forma nunca antes vista, aliás, de uma forma nem mesmo imaginada”, afirma.

As inovações são muitas – e com a chegada e expansão do 5G, a tendência é que o mercado de agritechs cresça ainda mais. A seguir, listamos o que já tem sido realizado.

8 tecnologias aplicadas à agricultura digital atualmente:

As principais tendências e desafios para o avanço da agricultura digital no Brasil

Internet das Coisas (IoT):

Sensores conectados a dispositivos inteligentes monitoram condições ambientais, como temperatura, umidade, níveis de nutrientes e saúde das plantas. Esses dados são transmitidos em tempo real, permitindo uma tomada de decisão mais precisa.

Drones:

Usados para capturar imagens aéreas de alta resolução, monitorar o crescimento das plantas, detectar doenças e pragas, e até para a aplicação de insumos, como fertilizantes e pesticidas de maneira mais precisa e localizada.

Big data e análise de dados:

A coleta massiva de dados (de sensores, drones, satélites etc.) é analisada para identificar padrões e insights. Isso pode ajudar na previsão de safras, otimização do uso de recursos e gerenciamento de riscos.

Inteligência artificial e machine learning:

Algoritmos de IA podem prever condições climáticas, otimizar a irrigação, identificar doenças e sugerir práticas agrícolas mais eficientes. Já o Machine Learning é usado para melhorar o desempenho de máquinas e processos com base em dados históricos e em tempo real.

Agricultura de precisão:

Envolve o uso de tecnologias para aplicar insumos (fertilizantes, pesticidas, água) de forma mais precisa, com base nas necessidades específicas de diferentes áreas da lavoura. Isso reduz o desperdício e aumenta a eficiência.

Robôs e máquinas autônomas:


As principais tendências e desafios para o avanço da agricultura digital no Brasil

Robôs agrícolas são usados para tarefas como plantio, colheita e manutenção das plantas. Essas máquinas autônomas, como tratores e colheitadeiras, podem operar sem intervenção humana, aumentando a produtividade e reduzindo os custos.

Tecnologia de imagem e sensoriamento remoto:

Satélites e sensores ópticos são usados para monitorar vastas áreas agrícolas, fornecendo dados sobre o estado das colheitas, condições do solo e saúde das plantas. Essas imagens ajudam na detecção precoce de problemas e no planejamento da gestão agrícola.

Blockchain:

Utilizado para rastrear e registrar informações sobre a cadeia de suprimentos agrícola. Isso garante a transparência e a rastreabilidade dos produtos desde a fazenda até o consumidor, aumentando a confiança e a segurança alimentar.

Juntas, essas tecnologias estão transformando a agricultura, permitindo decisões mais acertadas para aumentar a produtividade e reduzir os impactos ambientais.

O problema é que, para a grande maioria dos produtores rurais, ainda há muitos entraves a superar para que todo o potencial da agricultura digital seja explorado.

Principais desafios enfrentados pelos agricultores na adoção da agricultura digital

As principais tendências e desafios para o avanço da agricultura digital no Brasil
1 – Falta de acesso à internet em áreas rurais

A conexão com a internet é essencial para utilizar a maioria das novas tecnologias. No entanto, somente 23,8% da área disponível para uso agrícola no Brasil tem cobertura 4G ou 5G, com maior concentração no sul e sudeste brasileiro.

Com a missão de acelerar a revolução digital no campo, um grupo de empresas do agronegócio e da área de tecnologia criou a associação ConectarAgro. Um dos principais esforços recentes da entidade é o Indicador da Conectividade Rural, que evidencia os desafios da falta de acesso à internet em regiões de cultivo, mostrando a necessidade urgente de mais investimentos no setor.

Segundo a presidente da ConectarAgro, Paola Campiello, um dos maiores obstáculos para a conectividade em ambientes mais remotos é a infraestrutura.

“Muitas áreas rurais estão localizadas em regiões isoladas, com baixa densidade populacional, o que reduz a atratividade econômica para as operadoras expandirem suas redes de telecomunicações. Essas localidades demandam investimentos significativos em torres e redes, que muitas vezes não se justificam devido ao retorno financeiro limitado. Sem contar investimentos, por exemplo, em ruas e estradas para o acesso terrestre”, comenta.

Além disso, Paola explica que o custo para se conectar pode ser proibitivo para pequenos e médios produtores rurais, que frequentemente não dispõem de recursos suficientes para custear a instalação e a manutenção de uma internet de qualidade.

“Mesmo nas regiões onde a conexão está disponível, há dificuldades relacionadas à instabilidade e à baixa velocidade do sinal, prejudicando o uso de tecnologias avançadas e o acesso a serviços digitais”, destaca a executiva.

O problema da falta de conectividade também está em pauta no Congresso Federal. Neste ano, o senador Jayme Campos apresentou um projeto de lei para instituir a Política Nacional de Conectividade no Campo (PL 1069/2024), cujo o objetivo principal é facilitar e estimular a instalação de infraestrutura adequada para ampliar a conectividade em áreas rurais, bem como promover a inovação de tecnologias para o agronegócio, ampliar as ações de capacitação profissional dos produtores e incentivar o desenvolvimento de agritechs.

A proposta foi aprovada na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, onde recebeu emendas do senador e relator Alan Rick, para que os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) sejam exclusivamente utilizados para apoiar a instalação de infraestrutura que amplie a conectividade nas áreas rurais.

“A nova revolução digital no campo vem demandando um crescimento equivalente da oferta de infraestrutura e de serviços de conectividade. Diante desse contexto, é crucial incentivar a conectividade e a construção de infraestrutura de telecomunicações na zona rural, assegurando que a população tenha acesso aos serviços essenciais e à inclusão digital”, pontuou o senador Rick ao ler o seu relatório.

O projeto de lei continua em tramitação no Senado Federal, e está atualmente aguardando discussão na Comissão de Comunicação e Direito Digital.

2 – Custos elevados das novas tecnologias

Segundo o mais novo relatório “Global Farmer Insights 2024”, produzido pela consultoria McKinsey, um dos principais pontos problemáticos para a adoção da agricultura digital globalmente são os altos custos de implementação e manutenção das novas tecnologias.

Na América Latina, incluindo o Brasil, esse é o principal desafio para 33% dos entrevistados, que também pontuaram a falta de suporte quando surgem problemas e a pouca clareza sobre o retorno do investimento como determinantes para não conseguirem tornar suas propriedades mais high techs.

Para contornar essa questão, a Embrapa, em parceria com o CPQD, um dos maiores centros de pesquisa e desenvolvimento da América Latina, e a Fundação de Desenvolvimento Científico e Cultural (FUNDECC) associada à Universidade Federal de Lavras, lançou desde 2020 o SemeAr.

A iniciativa visa acelerar a transformação digital de pequenos e médios produtores brasileiros e tem como foco a implantação de projetos inovadores baseados em tecnologias digitais e nas demandas reais dos agricultores.

Entre as principais ações do SemeAr estão as super fazendas digitais, batizadas de Distritos Agro Tecnológicos (DATs), que funcionam por meio do agrupamento de vários produtores em uma área geográfica para compartilhar as mais recentes soluções da agricultura digital.

3 – Falta de capacitação para a inclusão digital

Embora exista iniciativas como essa para a democratização do acesso às novas tecnologias voltadas ao agronegócio, a falta de capacitação sobre os benefícios da incorporação da agricultura digital também é encarada como um importante desafio do setor.

De acordo com Silvia Massruhá, atual presidente da Embrapa, que atuou por 20 anos como pesquisadora da entidade, liderando projetos na área de engenharia de software, inteligência artificial e computação científica aplicada à agricultura, e que está à frente do projeto Semear Digital, a falta de entendimento dos pequenos e médios produtores sobre as novas tecnologias está diretamente ligada à avalanche de soluções que têm chegado ao mercado nos últimos anos.

“Eles falam que ficam até perdidos com tanta tecnologia e nem sabem para onde correr. Por outro lado, compreendem que não podem ficar fora dessa transformação, porque ela é importante para que o Brasil continue sendo uma referência em agricultura e, além disso, porque o gap com os grandes produtores pode aumentar ainda mais”, destaca Silvia.

Entendendo que a conectividade, por si só, não resolve vários desafios do agronegócio, especialmente sem a capacitação dos produtores rurais para utilizar as tecnologias disponíveis, a Embrapa tem se movimentado para mudar esse cenário.

Neste ano, por exemplo, a ConectarAgro formalizou uma parceria estratégica com o AgNest, um importante laboratório liderado pela Embrapa, que atua como um centro de inovação e desenvolvimento de tecnologias agrícolas.

“Essa colaboração busca não apenas expandir a conectividade no campo, mas também capacitar os produtores por meio de treinamentos, workshops e palestras gratuitas, assegurando que eles possam utilizar as ferramentas digitais de maneira eficiente e produtiva”, acrescenta a presidente da ConectarAgro.

Segundo Paola, as instituições têm trabalhado juntas para fortalecer o ecossistema agrícola brasileiro, promovendo não só avanços tecnológicos, mas também a inclusão dos produtores, tornando o setor mais competitivo, sustentável e preparado para os desafios do futuro.

6 exemplos práticos de como as novas tecnologias estão transformando o agro
1 – IA que reduz necessidade de uso de inseticidas e herbicidas químicos

Com tecnologia de última geração, o robô autônomo Solix AS Robotics, da Solinftec, usa IA para o controle de pragas e plantas daninhas. O Solix também é equipado com uma tecnologia baseada em ondas de luz, com comprimentos diferentes, para atrair determinadas ordens de insetos-pragas por cultura, combatendo indivíduos adultos por meio de eletrochoques, antes do período de oviposição.

Durante a AgriShow deste ano, a empresa divulgou alguns resultados impressionantes: por meio de missões e associação de tarefas junto ao manejo integrado de pragas (MIP), o robô reduziu em mais de 90% o uso de herbicidas em fase de pós-emergência e operações de dessecação e pré-plantio em culturas de grãos.

2 – Drone inteligente que realiza multifunções no campo

Também presente na Agrishow 2024, a EAVision trouxe ao Brasil o Pandora, o primeiro drone no país a integrar pulverização, semeadura, mapeamento geográfico e operações de elevação de carga. Segundo a fabricante, o equipamento oferece detecção automática de obstáculos, capacidade de 45 e 60 litros, quatro bicos de pulverização, e consegue elevar cargas de até 60 kg.

3 – Aplicativo que identifica gado por reconhecimento facial

A startup 406 Bovine, dos EUA, desenvolveu uma tecnologia agrícola baseada em IA que pode simplificar significativamente o gerenciamento de gado, eliminando a necessidade de rastreadores físicos, como etiquetas auriculares.

Por meio de reconhecimento facial, a solução da 406 Bovine permite que os produtores obtenham dados de bem-estar, movimento e tratamento simplesmente tirando uma foto da cabeça de seus animais. Segundo a empresa, é possível fazer o reconhecimento de vacas a 15 metros de distância.

4 – Medição da condutividade hidráulica do solo de forma digital e totalmente autônoma

Em parceria com a Embrapa e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), a Falker desenvolveu um permeâmetro digital automatizado para medir a condutividade hidráulica do solo – dado que descreve a capacidade de um solo armazenar, drenar e redistribuir a água.

Segundo Marcio Albuquerque, CEO da Falker, foram mais de três anos de projeto interno de pesquisa, desenvolvimento e inovação para se chegar ao Solo Flux, um equipamento digital que dispõe de GPS integrado para demarcar a localização exata das medições. Os dados coletados são importantes para o manejo e o aproveitamento da água da irrigação; o dimensionamento de projetos hidráulico; e também para prever o comportamento do solo frente a eventos climáticos adversos, como chuvas torrenciais e inundações.

5 – Chat bot poliglota que tira dúvidas dos agricultores em tempo real

A Farmeline Group desenvolveu um chat bot que figurou neste ano entre as melhores invenções da revista Time na categoria Agricultura. Chamado de Darli AI, o chat bot foi configurado para interagir em mais de 27 idiomas. E o seu uso é bem simples: a partir do WhatsApp, os produtores podem enviar mensagens de texto para solucionar dúvidas sobre fertilizantes, rotações de cultura, entre outros temas de interesse.

6 – Sensores para melhorar eficiência da polinização

Já a agritech BeeHero criou sensores altamente sensíveis para serem colocados dentro de colmeias. Os dados coletados são registrados em uma plataforma com vários parâmetros e insigths a fim de que os produtores possam adotar medidas para tornar a polinização de suas lavouras mais eficiente.


TENDÊNCIAS: MAIS INOVAÇÕES DA AGRICULTURA DIGITAL ESTÃO CHEGANDO
Com tantas novidades sendo lançadas todos os dias, é até difícil imaginar o que ainda vem por aí quando se pensa em agricultura digital. O fato é que o mercado de agritechs só tende a crescer.
O potencial da IA, por exemplo, é tão expressivo que a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) relançou recentemente um compromisso com as empresas IBM e Microsoft para desenvolver IA com foco em segurança alimentar.
Outro fator que deve revolucionar ainda mais as transformações do agro no mundo inteiro são as possibilidades de pesquisas utilizando computação quântica. Para se ter uma ideia de escala, enquanto um computador tradicional processa 10 mil interações de dados em um tempo específico, a computação quântica pode alcançar 100 mil.
Com tamanha habilidade para resolver problemas extremamente complexos, a computação quântica pode ser a chave, por exemplo, para o aprimoramento da fitossanidade, com simulações avançadas para a identificação precoce de doenças em determinadas culturas, ou ainda no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), estudo cujo o objetivo é minimizar os riscos relacionados aos fenômenos climáticos adversos e crucial para a promoção de políticas públicas.

 
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