Camilo Adas (SAE): Produção ganhou propósito social

Por Clarisse Souza

Está na boca do povo que o agro é “a riqueza do Brasil”. No entanto, há quem acredite que exportar commodities não é suficiente e que o País precisa desenvolver tecnologias inovadoras para fortalecer ainda mais a sua produção agrícola. Dentre os muitos desafios, para o desenvolvimento de novas tecnologias, estão as mudanças climáticas, que podem influenciar o aumento e o incentivo ao uso e à fabricação dos biocombustíveis.

Apesar de ter um histórico significativo no desenvolvimento de tecnologias para os combustíveis renováveis, o Brasil precisa evoluir muito para construir um projeto estruturante de motorização, especialmente relacionado à eletrificação de motores. Essa é a opinião de Camilo Adas, presidente da SAE Brasil. Segundo ele, “temos o capital intelectual, a indústria, a fonte energética no nosso próprio agro e temos uma grande demanda de consumo do agro para o próprio agro. Ou seja, a fonte de energia está no campo e a demanda de energia também. O que se precisa fazer é criar uma visão estruturante que permita um projeto completo”, com todas as etapas de desenvolvimento.

Na entrevista a seguir, ele comenta sobre os principais biocombustíveis, o papel do diesel nos dias atuais, os desafios para a implementação e ampliação da eletrificação de motores e as transformações no agro neste sentido, entre outros temas. Acompanhe:

Qual a participação do agro nas ações da SAE Brasil?

O agro está conosco há bastante tempo. Começamos em 2006 com o Simpósio SAE Brasil através da regional de Porto Alegre. O evento tomou força. Teve um breve momento de descontinuidade, mas agora, em 2020, realizamos a sua 12ª edição. Trata-se de um evento onde conseguimos consolidar as tecnologias ligadas à questão agrícola brasileira. Outra iniciativa muito importante, e mais recente, foi a criação da Mentoria Agro, em 2020. Lembrando que um simpósio é um evento pontual, onde as pessoas se reúnem para debater determinada pauta. Já a mentoria é contínua, não é feita de eventos esporádicos, continuamente consolida conteúdo. A Mentoria Agro começou no início do segundo trimestre do ano passado e já temos 30 participantes, todos voluntários, dada a importância que o assunto tem. 

2020 foi um ano conturbado. Como avalia o setor hoje?

O agro nunca parou, mesmo no ano passado. Pelo fato de estar no campo, ter distanciamento social, depender das chuvas e de todo o ciclo da plantação, o agro não parou e registrou ótimos números. Em 2021, não acreditamos que será diferente. À medida que vários países que possuem características de plantação diferentes do nosso tiveram problemas de desabastecimento, o Brasil pôde suprir a demanda exportando. Então, a nossa produção ganhou um propósito social neste processo, além do comercial. 

Quanto à motorização, quais as principais transformações nas máquinas agrícolas?

Quero estabelecer um conceito prévio que está muito forte no mundo da mobilidade, formado por três pilares: mudanças climáticas, introdução ou desenvolvimento da inteligência artificial e mudança dos hábitos sociais. Este terceiro item não vou comentar porque é uma questão mais do mundo urbano que do agro. No caso das mudanças climáticas, está havendo conscientização e pressão muito grande, principalmente nos países desenvolvidos, para que tenhamos combustíveis renováveis. No caso da inteligência artificial, a entrada de recursos de computação, informática, algoritmo, gestão do dado, data mining, data science etc, também entra no mundo da mobilidade. Fundamentalmente, veremos no agro a motorização passando para combustíveis renováveis e, de forma mais marcante, a ampliação dos biocombustíveis. O agro já produz esse tipo de combustível renovável, como os produzidos à base de cana-de-açúcar, óleos e sementes e vários outros. Também podemos falar no biometano. Este como parte da biomassa que fica residual no campo e que pode facilmente gerar gás dentro de usinas específicas. Também temos a eletrificação das máquinas, através de baterias ou de células de hidrogênio. A tendência a médio prazo, no entanto, são os biocombustíveis, devido às dificuldades de distribuição de energia ou de geração de energia elétrica diretamente no campo. No caso da inteligência artificial, há forte automação das máquinas, as quais estão virando quase computadores ambulantes andando no campo com grande maestria. 

Entre os biocombustíveis, algum merece destaque?

Dependendo do tipo de motorização, o biodiesel pode ser uma solução. O óleo vegetal hidrogenado (HVO) é outro exemplo de combustível renovável do agro para o agro, com aplicação simples a depender da calibração do motor. E o biometano, em linhas gerais, conforme destaquei antes. 

É cedo para dizer que o diesel está com os dias contados? 

Muito cedo. No momento, o grande diferencial são as mudanças climáticas, que criam um desafio específico, independente da viabilidade econômica. Europa, China e Estados Unidos já possuem legislação para isso, então, haverá essa transição, mas não dá para dizer qual será a velocidade, até porque muitas máquinas continuarão com a condição atual. 

Na Europa a eletrificação já começa a ser adotada…

A eletrificação é um caminho importante sem volta. A propulsão elétrica não é uma tecnologia nova. Novamente, pensando na regra de mercado, sem entrar na questão climática, se você tem combustível fóssil e um motor estabelecido, você não muda. Porém, a questão da mudança climática pressiona e há uma melhoria significativa dos sistemas de controle de energia elétrica. Em função das melhorias da inteligência artificial, fazer a gestão energética de um motor elétrico ficou mais simples e controlado. Assim, quando associamos mudanças climáticas e inteligência artificial vemos o amplo campo para isso. Mas será exclusivamente eletrificação? Não entendo assim, e acho que não. O rendimento do motor a combustão ainda é bastante interessante, mas, como a necessidade de descarbonização ficará mais intensa, há forte tendência a diminuir o uso de combustível fóssil. 

Quais os desafios para a eletrificação de motores?

Há dois fatores importantes neste caso. O primeiro depende dos aspectos relacionados à infraestrutura, pois é preciso haver condição de carregamento das baterias no meio rural. Porém, quando falamos em eletrificação, é fundamental estarmos atentos à eletrificação à base da energia do hidrogênio, que também é uma forma de eletrificação. Neste caso, a produção de hidrogênio pode ser feita dentro da própria fazenda, com pequenas máquinas. Assim, a primeira questão é: como gerar eletricidade o mais próximo do ponto de consumo para mobilidade no campo? Um segundo desafio está ligado à aquisição de tecnologias. Há poucas empresas brasileiras desenvolvendo tecnologia para eletrificação. À medida que esse desenvolvimento acontece lá fora, leva-se mais tempo para chegar até aqui, fica mais caro e até o uso pode vir a depender de profissionais que não temos em nosso mercado. 

Qual a vocação brasileira no cenário de mudanças climáticas? 

O Brasil tem tradição no desenvolvimento de tecnologias renováveis. Agora, com relação a essas tecnologias mencionadas, ainda há um grande desafio e o País está longe de ser uma referência mundial neste sentido. O mercado mundial não estava mais dando conta de pagar o preço do petróleo e, em 1975, nasceu o Proálcool. A partir daí, o Brasil foi desenvolvendo capital intelectual e know how para o Proálcool. Isso foi fundamental, gerou muita pesquisa básica e aplicada, unindo a acadêmia e a indústria. Tivemos um papel superimportante em ter os primeiros veículos híbridos flex, uma solução maravilhosa. Ela combina as vantagens dos combustíveis renováveis com a eletrificação. Essa é uma coisa que nasceu no Brasil, uma tradição que vem desde o Proálcool e até hoje é uma referência. O problema principal é que isso não está acontecendo em escala global. Pode acontecer para o agro? Pode e deve, especialmente se juntarmos a experiência que obtivemos e a experiência desenvolvida através da Embrapa. 

O que falta para os biocombustíveis deslancharem? 

Essa é uma questão antiga e muita gente acredita que sem uma política pública não dá para se desenvolver. Hoje em dia se fala muito em inovação aberta e cooperação mútua. Há espaço sendo preenchido por startups onde antigamente não havia. Os hubs de inovação e centros de tecnologia e desenvolvimento geram soluções de uma forma muito inteligente. A necessidade de investidores é fundamental nesta caso. Neste sentido, é um contrassenso aceitar que uma startup precisa estar pronta para fazer um picth em uma incubadora e conseguir um investidor e, ao mesmo tempo, imaginar que as grandes empresas precisem de subsídio público. Na verdade, é preciso que estejam alinhados o governo, a indústria, a academia e o terceiro setor, porque se cada um põe energia e prioriza uma determinada pauta ou plano estratégico, os propósitos não convergem. O papel do governo não necessariamente é financiar ou subsidiar. Mas onde fica o guarda-chuva macro que vai fazer a estratégia conjunta e agregar todos os atores? Esse pode ser um papel muito mais fundamental do governo. É claro que neste processo, no começo, são necessários investimentos iniciais que podem ser subsidiados, mas dentro de um plano macroeconômico.ν

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