Por Joel S. Alves *
O engenheiro aeronáutico norte-americano Joe Sutter sintetizou muito bem os paradoxos relacionados à necessidade de manutenção. Ele diz: “Quando tudo vai bem, ninguém se lembra de que ela existe. Quando algo vai mal, dizem que não existe. Quando é para gastar, acham que não é preciso existir. Porém, quando não existe, todos concordam que deveria existir.” No dia a dia presencio constantemente essa situação e me lembro do resumo feito por Sutter.
Máquinas agrícolas, assim como os aviões, não são descartáveis a ponto de serem usadas por um curto período e depois dispensadas. Sendo assim, necessitam de manutenção para continuarem a executar os serviços para os quais foram concebidas. E a manutenção tem início na aquisição da máquina.
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Frequentemente, sou abordado com questões do tipo: “qual marca ou modelo dá menos manutenção?”, “qual tem menor custo de manutenção?” ou “qual é de mais fácil manutenção?”. Também perguntam: “quais máquinas os mecânicos conhecem melhor?”. E agora, Joe? Com tranquilidade e paciência é possível respondê-las.
Primeiramente, é necessário tempo e domínio de informações técnicas para ajustar a resposta à realidade de cada caso e, acima de tudo, não se deixar contaminar por influências das propagandas. Também deve-se evitar opiniões emotivas, pois temos preferências e carregamos idiossincrasias pessoais. Eis que ruminando todas essas nuances me atrevo a dar algumas orientações.
Todas as máquinas são construídas para determinado serviço. Não existe máquina para fazer tudo, por mais multifuncional que seja. Adequar a máquina às necessidades dos serviços, ou vice-versa, é a premissa básica – do contrário não há manutenção que resista.
O produtor deve conhecer bem o que deve ser feito pelo maquinário em sua propriedade, tendo pleno domínio de quais serviços serão executados. Isso não é tarefa difícil: alguns necessitam buscar orientação de técnicos especialistas, abastecendo-se de informações.
Pessoal capacitado
Antes de escolher a máquina é importante identificar pessoas treinadas e qualificadas para a operação e manutenção. Já constatei casos de máquinas paradas por falta de operador e por indisponibilidade de pessoas qualificadas a executar a manutenção. Vivenciamos um contraste entre pessoas desempregadas e falta de pessoal apto a determinados serviços, como operação e manutenção de máquinas agrícolas.
De nada adianta equipamentos avançados sem pessoas preparadas a fazê-los produzir. É uma realidade que já presenciamos: o proprietário adquiriu duas colheitadeiras novas, investiu em treinamento para três colaboradores e apenas um teve condições de operar o equipamento. Conclusão: máquina pronta, colheita esperando e ninguém para colocar o equipamento em ação.
Serviço a ser feito, pessoal qualificado… E agora? Escolha da máquina. Marca, modelo, recursos tecnológicos. E a manutenção? Nem sempre lembrada que existe, mas quando não existe aí sim, engenheiro Joe! Não basta ter máquina excelente, com todos os recursos que a tecnologia oferece, sem dispor de um bom pós-venda, onde entra manutenção, peças e gente capacitada. A escolha, portanto, deve levar em consideração o pós-venda. Esse requisito deve ser pesquisado dentro da realidade nas proximidades da propriedade. Constatar se há oficina credenciada com peças em estoque e pessoal preparado para a execução dos serviços. Também é importante verificar a disponibilidade de oficinas independentes preparadas para serviços de manutenção, por vezes, essas oficinas possuem estruturas superiores às das revendas autorizadas, sendo que há casos de revendas que terceirizam para tais oficinas. Portanto, é uma opção a considerar, mas é necessária uma verificação bem acurada e in loco.
Aqui no Rio Grande do Sul, por exemplo, na parte sul do Estado há forte presença de uma determinada marca de máquinas agrícolas e que presta excelentes serviços de pós-venda. No entanto, na região central do Estado a realidade é outra, pois a mesma marca deixa a desejar no pós-venda, enquanto outra possui presença marcante junto às propriedades rurais. Fato semelhante também acontece entre as regiões das missões e a fronteira oeste, porém envolvendo outras marcas de maquinários. Somente aqui no Rio Grande do Sul há, no mínimo, quatro situações diferenciadas e bem marcantes nos serviços de pós-venda e assistência técnica, tanto na rede de autorizadas quanto nos serviços de oficinas independentes. Portanto, é necessário conhecer a realidade de cada local, mantendo os pés firmes no chão. Saber o que realmente é necessário.
Agora é a vez de a propriedade preparar-se para receber a máquina escolhida. Máquina nova requer local adequado, o ideal seria dispor também de galpão novo, ferramentas novas, bancadas novas.., mas aí é pedir demais. Gastar? Não é preciso, amigo Joe! Então, pelo menos galpão remodelado, limpo, com piso de cimento e fechado. Sim, para proteger o equipamento das intempéries.
Lição aprendida
Lembro de um proprietário que adquiriu uma colheitadeira no meio da colheita de verão e a utilizou pouco. Depois se envolveu com armazenagem e comercialização e a máquina foi recolhida para um galpão antigo e aberto, apenas com cobertura e dois lados fechados. Passou o inverno em tais condições. Quando houve necessidade de pô-la em funcionamento, deu problema. Máquina nova dotada de tecnologia eletrônica sofreu interferência de umidade junto aos conectores e cablagem (mesmo sendo blindados) e mais no sistema de combustível, pois a variação térmica associada a umidade do ar penetra nos dispositivos, e não foi possível fazer funcionar. Ele chama a assistência técnica…
Serviços, peças contaminadas, limpeza e descontaminação, alguma substituídas, testes de diagnósticos, deslocamento das equipes de manutenção. Palavras do proprietário: “encostou aos 20 mil, mas que barbaridade tche!”. A duras penas aprendeu a lição. Fim de safra: manutenção preventiva geral na máquina e guardá-la em local adequado. E mais: colocar o equipamento para funcionar ao menos uma vez por mês. Funcionar e pôr para deslocar-se com acionamento de todos os recursos e comandos disponíveis. Pelo menos por uma hora (no mínimo!).
Por fim destacamos os aspectos da qualificação e preparo das equipes de manutenção e operação. As máquinas atuais exigem cuidados diversos entre si e entre as mais antigas. É importante seguir as recomendações dos manuais dos fabricantes. São novos procedimentos e novas rotinas de oficina e de operação, que, se comparadas ao maquinário mais antigo, requerem mudanças comportamentais – isso exige cautela, muito treinamento e orientação. Durante muitos anos convivemos com poucos modelos de máquinas e as quais eram bastante semelhantes. Esse fato que mudou muito recentemente. Muitas vezes, um procedimento operacional aceito em uma determinada máquina não é recomendado para outra. Então: muito treinamento e orientação correta, observando os procedimentos recomendados pelos fabricantes.
Nas rotinas de oficina também há mudanças significativas. Além do ferramental tradicional são necessários computadores com softwares especiais, equipamentos de diagnóstico, bancadas eletrônicas de teste, ferramentas específicas para remoção e instalação de componentes. Um cenário diferente da antiga oficina empoeirada e com sujeiras de óleos e graxas.
Agora o ambiente tem que ser limpo e sem contaminação, do contrário os componentes eletrônicos sofrem alterações e deixam de funcionar corretamente, acarretando maiores custos. Os serviços com resíduos de óleos e graxas ainda se fazem presentes, mas requerem cuidados e rápida remoção para coleta adequada.
Estamos diante de uma nova realidade. Lembro-me de uma velha oficina de um amigo de infância, onde na entrada ele fixou um aviso com os seguintes dizeres: “O difícil já está pronto; o impossível demora um pouco; e milagre a gente também faz.” A época de milagres passou, agora é muito conhecimento, informação e trabalho conectado aos manuais técnicos e redes de apoio. Para tal, exige-se pessoas treinadas e qualificadas. Aquele mecânico coberto de graxa e com macacão sujo faz parte do passado, hoje é o mecatrônico ou são equipes multifuncionais em volta da máquina. Os serviços são mais rápidos, desde que executados de acordo com o recomendado e com ferramental adequado.
Gestores de máquinas
O produtor rural que antes dispunha de alguns operadores que também executavam os principais serviços de manutenção o que deve fazer agora? Meu amigo Joe: “é preciso que exista manutenção!”. Quem falou em manutenção?
Cada administrador possui critérios de escolha para manutenção. O importante é reconhecer que ela deve existir para o bom desempenho do maquinário. Pode ser inteiramente terceirizada, que é uma tendência no momento. Há quem opte por manutenção com equipe própria, pois mantém um controle mais eficiente dos serviços, talvez com um custo um pouco maior. Há ainda a opção mista, com uma equipe de manutenção reduzida, mais focada na preventiva básica, e prestadores de serviços terceirizados para revisões maiores ou eventuais corretivas e emergenciais.
Alguns administradores estão adotando um regime diferenciado, em que um ou dois funcionários assumem a operação e a manutenção preventiva básica da máquina, ou seja, são gestores da máquina. São responsáveis por manter a máquina em plenas condições de funcionamento. Claro que para tal se faz necessário o apoio de um conjunto de ferramental, local apropriado e estoque de peças e fluídos para substituições nas manutenções preventivas, para agilizar a execução dos serviços. É importante destacar o aspecto do estoque, pois, do contrário, haverá tempo ocioso da máquina e do funcionário aguardando a chegada do material.
Destaco tal situação por já ter presenciado. Simpatizo bastante com essa sistemática de gestores de máquinas, mas é imprescindível pessoas qualificadas em todos os sentidos: técnico-operacional, conhecimento de manutenção e segurança e, acima de tudo, saber trabalhar em equipe e possuir comportamento ético profissional correto, pois exige-se mais responsabilidade. A ética profissional, na conjuntura atual, parece algo escasso, mas é possível encontrar.
*Joel S. Alves é instrutor de Operação e Manutenção de Máquinas e Implementos Agrícolas e Rodoviárias
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