Estudo mostra atuação de mulheres na cafeicultura

Produtora rural Isabel Vilela, de Campo Belo (MG)

Em relação à área dos estabelecimentos, as mulheres estão responsáveis por 815 mil hectares (ha), o que corresponde a apenas 9,1% do total. Análise foi realizada por pesquisadoras da Embrapa e da Epamig a partir de dados do IBGE

Mais de 40 mil estabelecimentos agrícolas brasileiros com produção de café são dirigidos por mulheres. Esse número equivale a apenas 13,2% dos 304,5 mil existentes. Além das dirigentes, há também aquelas que estão na condição de cônjuge em codireção, sendo 32.400 mulheres em estabelecimentos com café arábica e 15.700 mulheres em estabelecimentos com café canephora. Dessa forma, pode-se afirmar que há um público feminino de 88.700 mulheres dirigindo e codirigindo estabelecimentos com café em todo o Brasil.

Essas informações foram extraídas da análise dos dados levantados em 2017, no último Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que pela primeira vez trouxe dados sobre gênero na produção do café. O trabalho foi elaborado pelas pesquisadoras Helena Alves, da Embrapa Café; Cristina Arzabe, da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa; e Margarete Volpato, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), com apoio de Marcelo Oliveira, do IBGE. As informações foram organizadas de forma didática, em infográficos no folder Mulheres Cafeiculturas. O trabalho foi apresentado na Expocafé Mulheres, um quadro especial da Expocafé 2021.

De acordo com Alves, até recentemente, a ausência de mulheres nas mesas de abertura de eventos sobre café ou nas diretorias das cooperativas, sindicatos rurais ou entidades representativas do setor levou a uma percepção equivocada de que, no Brasil, as mulheres não desempenham um papel relevante na cafeicultura. Mas é justamente o contrário. “A contribuição das mulheres ao longo da história tem sido fundamental tanto na produção quanto na pesquisa, na gestão, comercialização e em todos os outros setores desse sistema agroindustrial”, afirma.

Em relação à área dos estabelecimentos, as mulheres estão responsáveis por 815 mil hectares (ha), o que corresponde a apenas 9,1% do total. A maior parte das propriedades (72%) encontra-se na Região Sudeste, com pouco mais de 29 mil estabelecimentos rurais, seguida pelo Nordeste, que conta com 5.860, ou 14% das propriedades dirigidas por mulheres. O Norte conta com 3.119 propriedades (8%), o Sul com 1.586 (4%) e o Centro-Oeste com 663, o que equivale a 2% do total.

Menos acesso a tecnologias

Os resultados também evidenciam que essas mulheres têm menos acesso à internet ou a outras formas de veiculação de informações, como reuniões técnicas ou seminários, participam menos de atividades associativas e têm menos acesso a tecnologias, como irrigação, implementos, máquinas e tratores. “Contudo, mulheres dirigentes contratam mais mulheres e oferecem mais oportunidades para outras mulheres. Nos estabelecimentos dirigidos por mulheres há uma maior equidade de gênero quando se trata do pessoal ocupado, sendo que 43% desse contingente é do sexo feminino, enquanto nos estabelecimentos dirigidos por homens, a porcentagem de mulheres ocupadas é bem inferior, igual a apenas 24% do total”, relata Alves.

“Tive de vencer preconceitos dentro de casa”

Com apenas 26 anos e já com importantes experiências relacionadas ao café, inclusive internacionais, a produtora rural Isabel Vilela, de Campo Belo (MG), conta como ainda é forte o preconceito em relação à atuação das mulheres no campo, em particular na cafeicultura. Ela é filha de produtor rural, mas nunca era inserida nas questões da propriedade. “Soube da importância da cafeicultura quando fui fazer intercâmbio durante o ensino médio na Finlândia, país que mais consome a bebida per capta. Não conhecia sequer um pé de café”, relembra sorrindo.

O pai preparou o irmão de Isabel para a sucessão na administração da fazenda que também produz grãos e leite. Ela conta que tudo mudou para ela quando soube que, ao lado da universidade em que fazia graduação em Relações Internacionais, iria acontecer a Semana Internacional do Café. “Me inscrevi para trabalhar como intérprete no evento e soube que estava acontecendo um encontro da Aliança Internacional das Mulheres do Café – IWCA Brasil. Fui de curiosa e fiquei assustada quando vi um auditório lotado de mulheres debatendo sobre o assunto. Eu pensei: Nossa!! Tem lugar para mulher no café.”

A partir daí ela se apaixonou pelo café, passou a fazer vários cursos na área, atuou como voluntária e depois como gestora executiva da IWCA Brasil. Mas apesar de algumas pessoas a incentivarem, Vilela conta que teve que vencer barreiras, inclusive em relação ao seu pai, que lhe disse: ”Isabel, café não é para mulher”. “Na IWCA conheci histórias de cortar o coração, de mulheres que passam situações muito difíceis por conta de sucessão. Tem famílias que chegam a vender a propriedade porque só tiveram filhas”, conta. Atualmente Isabel é responsável pela área financeira da fazenda e pela qualidade na produção de café.

A pesquisadora Helena Alves diz que até pouco tempo era difícil caracterizar as mulheres do café brasileiro, que é um grupo muito diversificado, pois não existiam dados estatísticos ou informações sistematizadas. “Isso desencadeou um movimento instigado pela jornalista e mulher do café Josiane Cotrim, que culminou com a publicação, em 2018, do livro Mulheres dos Cafés no Brasil”, ressalta. O livro foi elaborado por uma rede multidisciplinar de 41 autores e diversos colaboradores que, por um esforço conjunto, ofereceram o primeiro perfil sobre as mulheres dos cafés no Brasil, com ênfase na mulher rural.

Para Cristina Arzabe é importante levantar e divulgar dados para que se tenha um quadro objetivo da realidade e seja possível justificar políticas públicas que alavanquem a equidade de gênero e o fortalecimento de mulheres e meninas do campo. Ela indica também o e-book ODS 5 – Igualdade de gênero: contribuições da Embrapa, no qual as desigualdades entre mulheres e homens na área rural são discutidas. “São desigualdades estruturantes, em que mulheres e população negra apresentam os piores indicadores socioeconômicos. Dados dos censos realizados pelo IBGE permitem visualizar objetivamente essas desigualdades, em termos quantitativos, e assim justificam os esforços para alcançar a equidade de gênero, considerada fundamental para o desenvolvimento e a paz no mundo”, afirma.

Helena Alves complementa dizendo que, com base nessas informações, políticas públicas e esforços institucionais devem ser realizados para aumentar o acesso das mulheres rurais a bens e serviços para o alcance de uma sociedade mais justa e equilibrada. “Em especial, é necessário focar na meta 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 5), que preconiza realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso à propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, serviços financeiros, herança e os recursos naturais, de acordo com as leis nacionais”, ressalta.

Ela acredita que o empoderamento de meninas e mulheres rurais, bem como de todos os segmentos do sistema agroindustrial do café, é crucial para a erradicação da pobreza em todas as suas formas, para o fim da fome e o atingimento da segurança alimentar e nutrição, para a promoção da boa saúde, bem-estar e educação e para a promoção do desenvolvimento e de uma cafeicultura inclusiva e sustentável.

As pesquisadoras contam que estudos como esse são contribuições importantes para que o Brasil atinja as metas em relação à igualdade de gênero na agricultura. “Aos poucos, a Embrapa tem oferecido oportunidades e reconhecimento a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) voltados ao público feminino ou com ações específicas para as mulheres rurais, com ações ou Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) pensadas para alavancar o acesso das mulheres rurais ao conhecimento, à informação ou ao mercado, por exemplo”, explica Arzabe.

Fonte: Embrapa

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