Fabricantes equilibram leis e demandas do mercado na produção de motores

Gabriel Antunes – Os custos, a produtividade e a economia de combustível são as principais preocupações dos produtores na hora de escolher uma máquina agrícola. Essa percepção é compartilhada pelas fabricantes dos motores empregados nesses equipamentos. Mas as legislações ambientais adicionam um componente à tomada de decisão: a redução nas emissões de poluentes.

A legislação MAR-1, em vigor desde 2017 para todos os motores com potência igual ou superior a 101 cv, e desde 2019 para os modelos com potência igual ou superior 25 cv, trouxe modificações nos motores, além da exigência de utilização de diesel com teor de enxofre reduzido. Foram definidos limites para emissões de monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP). Para atender às especificações, a indústria precisou investir em tecnologias como o controle eletrônico de injeção, a recirculação de gás de escapamento (EGR) e a redução catalítica seletiva.

Essas tecnologias ajudam a controlar e reduzir a quantidade de poluentes liberados pelos motores, garantindo que eles atendam aos padrões ambientais estabelecidos pela MAR-1.

Enquanto isso, as empresas se equilibram entre o cumprimento das legislações e a entrega de performance ao produtor rural. O portal Máquinas e Inovações Agrícolas conversou com representantes de fabricantes de motores que explicaram a importância do produto no rendimento das operações, e as medidas a serem adotadas para que a maior eficiência possível seja atingida no campo.

Além de acarretar um aumento do preço dos motores, as adequações, em alguns casos, podem representar uma redução da performance dos motores, na comparação com aqueles sem os controles de emissões. Segundo o CEO da Mahindra Brasil, Jak Torretta, “por incrível que pareça” para se reduzir as emissões de poluentes, o motor fica menos eficiente. “O motor acaba consumindo mais combustível. É bem difícil de entender, mas essa é a realidade: um motor MAR-1 consome mais do que um sem o controle de emissões”, ele ressalta, porém, que no Tier 4 – legislação dos Estados Unidos, com limites ainda menores –, em função de haver pós-tratamento de gases, a eficiência é melhorada.

As fabricantes trabalham para compensar esse ajuste sem prejuízo ao agricultor. Isso significa um incremento tecnológico e, portanto, financeiro. O tema da sustentabilidade é inevitável, mas o encarecimento das máquinas ainda encontra resistência do produtor.

“Pergunte ao agricultor se ele quer pagar mais. Ele quer um motor simples, ele não quer ter dor de cabeça, ele quer que seja o mais barato possível. E os controles de emissões vão justamente no oposto do que ele quer, mas é uma necessidade. Precisamos trabalhar esse ponto: vamos reduzir emissões, mas um custo será agregado a todas as máquinas”, pontuou Torretta.

Mesmo que parte da elevação seja repassada ao consumidor final, os custos de produção costumam frear os investimentos por parte do agricultor. E o setor de máquinas é um dos que mais sente essa resistência. A frota brasileira ainda é considerada bastante defasada, apesar das inovações apresentadas pelas montadoras.

Ainda assim, Torreta vê uma demanda por essas novidades. O gerente de pós-tratamento e certificação técnica da FPT América Latina, Gustavo Teixeira, concorda e observa que os clientes – especialmente de máquinas maiores, nas quais as novas tecnologias de controle de emissões são inevitáveis – experimentam os equipamentos e “tornam-se defensores das inovações” devido aos ganhos em produtividade.

“Existe um paradigma por parte do usuário, principalmente de tratores e máquinas menores, que busca soluções mais práticas, de reparação mais fácil, de manutenção mais fácil para o dia a dia. Mas aqueles que têm a possibilidade de testar um trator mais recente, um trator nosso, por exemplo, que traz um certo conteúdo de inovação, ficam muito surpresos, porque veem produtividade, o consumo de combustível, a facilidade de operação. Aqueles que têm oportunidade, eles viram os grandes defensores e passam até a influenciar outros colegas nas associações, nas cooperativas”, ponderou.

Para o gerente de engenharia de produto da MWM, Jorge de Araújo, esse diálogo com o cliente é importante para que ele compreenda a importância do equilíbrio entre custo, sustentabilidade e desempenho ao longo do ciclo de vida do motor. “Estamos muito próximos do produtor, entendendo suas necessidades na hora de desenvolver novos produtos. Lógico que o custo de aquisição é muito importante, mas o mais importante é quanto o motor vai custar no ciclo de vida da operação. Mesmo com custo maior, você consegue provar ao produtor que o consumo de combustível é menor, que a disponibilidade da máquina será maior, que o custo de manutenção será menor, que o produtor terá uma série de informações. O valor se paga durante o ciclo de vida”, defendeu.

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A durabilidade pode variar conforme a aplicação de cada máquina em operações específicas, mas ele comemora que há motores da empresa fabricados na década de 1970 ainda em funcionamento no campo. “Já produzimos mais de 4,5 milhões de motores que foram a campo. Hoje, 2,5 milhões ainda estão rodando. É possível estender a vida do motor trocando poucas peças”, além disso, os demais componentes da máquina além do motor também influenciam na durabilidade. Tornando difícil um cálculo preciso.

Além da longevidade dos motores, uma preocupação é o tempo ocioso da máquina. Especialmente para as máquinas sazonais, como as colhedoras, mas não se limitando a elas, os produtores buscam equipamentos que exijam a menor frequência possível de manutenções e intervenções. Por isso, além de componentes mais duráveis nos motores, a tecnologia empregada na otimização da máquina como um todo é fundamental.

Para Teixeira, da FPT, o plano de manutenção do motor deve beneficiar a produtividade. Por isso, ele concorda que o investimento em tecnologia resulta em um melhor monitoramento da performance do equipamento, tanto em consumo de combustível, como no desgaste de peças “também são benefícios atrelados à redução de emissões”. Ele salienta que os clientes mais capitalizados têm a vantagem de, pagando “um pouco mais”, terem intervalos de troca de óleo e de revisões mais espaçados, “para que possam parar menos durante aqueles dias críticos”.

Araújo, da MWM, ilustrou: “quando entrei na empresa, vendíamos motores cuja troca de óleo era a cada 100 horas. Isso avançou para 250 horas. Hoje já estamos em 500 horas. Temos equipamentos que recebem manutenção a cada mil horas. Quanto mais isso aumenta, menor é o nível de emissões. Assim como o motor consome combustível, ele consome menos óleo, através de um filtro mais eficiente. Há uma série de parâmetros a serem analisados”, disse.

O emprego apropriado de cada máquina também gera economia. Torretta, da Mahindra, observa que pequenos produtores tendem a usar tratores para diversas tarefas na operação, enquanto médios e grandes produtores têm equipamentos específicos para cada uma delas, o que resulta em menor desgaste.

Performance

O gerente da FPT defende que a evolução no controle de emissões, com sensores, turbocompressores e sistemas de injeção acarreta ganhos de produtividade. “A questão do atingimento das emissões é um desafio para os fabricantes. Especialmente naqueles casos em que há uso de EGR interno, por exemplo, ou seja, algo já no próprio motor, na regulagem do motor, acabamos abrindo mão, sim, de um percentual da performance para que se consiga tratar as emissões. O que acontece é que fazemos de maneira controlada, para que o cliente receba já no lançamento do motor uma entrega um pouco maior exatamente para compensar aquela diferença que ele vai ter devido ao controle de emissões. Isso para que se consiga atender emissões sem ter na mão ou no pé do operador aquela sensação de que a máquina não está entregando a mesma coisa que a anterior”, garantiu.

Araújo, da MWM, vai na mesma linha. Segundo ele, a legislação de emissões só traz benefícios. “Ela faz o engenheiro pensar em qual é a melhor solução a ser aplicada, cria a necessidade de se buscar novas tecnologias, que farão com que o motor tenha um melhor nível de emissões e um menor consumo de combustível. Hoje os motores consomem muito menos combustível do que 20 anos atrás”, celebrou, ressaltando que isso é resultado de pesquisa e desenvolvimento, adequando cada tipo de motor a cada tipo de máquina e operação.

Conforme o engenheiro-chefe de produtos da Cummins, Cristiano Zia, quanto menor o nível de emissões permitido na norma, mais tecnologia precisa ser investida, independente do combustível utilizado.

“Dependendo do nível de emissões é preciso fazer melhorias, às vezes, de eletrônica no motor, ou de software, de gerenciamento de injeção, coisas do tipo. A fabricante agrega componentes dentro desse sistema da máquina para atender à legislação. O produtor agrícola vai ter um custo maior de manutenção, por exemplo. Isso é inevitável, porque tem mais itens necessários ali”, ele garante que não há prejuízo em termos de potência.

“Às vezes a gente até aumenta o nível de potência e torque que esses motores podem entregar, porque eles têm esses artifícios de pós-tratamento, por exemplo. Não é só o motor que controla emissões, agora se tem um outro parceiro, vamos dizer assim, que ajuda nessa batalha. Isso resulta em diversidade de potência, abre o leque de opções, no âmbito técnico”, ilustrou.

Entregas

Teixeira, da FPT Industrial, explica que quanto mais se aumenta a entrega, seja de torque, potência ou a produtividade da máquina, maior a demanda por componentes adicionais. “O arrefecimento precisa ser melhorado, precisa ser mais eficiente, os radiadores começam a ser maiores, as bombas, maiores”, explicou.

“Muitas vezes, conforme a legislação de emissões, os motores menores se enquadram apenas com EGR interno; a recirculação dos gases do próprio motor é capaz de trazer as emissões para os limites da legislação, com sistemas mecânicos, mais baratos. Enquanto isso, quando se aumenta os motores, surge a necessidade de catalisadores mais aprimorados, com mais sensores. Há muito mais tecnologia embarcada. É inevitável que o custo da aquisição fique um pouco mais alto. Mas é muito proporcional a entrega que você vai ter. Os grandes produtores apostam nisso, investem na máquina de maior valor pois o ganho é muito grande. Ao passo que o produtor menor, obviamente, fica mais sensível, por isso as soluções são mais compatíveis com aquela necessidade dele”, completa Teixeira.

Mahindra opta por trabalhar com motores de injeção mecânica, “que são mais baratos, mais simples, e têm manutenção mais fácil”, conforme o CEO da fabricante de tratores, Jak Torretta // Foto: Divulgação/Mahindra

O CEO da Mahindra, Jak Torretta, vê um movimento de fabricantes que decidem por utilizar apenas motores com injeção eletrônica, antecipando as novas legislações de emissões. A Mahindra, no entanto, opta por trabalhar com motores de injeção mecânica, “que são mais baratos, mais simples, e têm manutenção mais fácil”.

Todos os tratores de 25 cv a 110 cv da marca têm motores com injeção mecânica. “Não existe a necessidade de você colocar injeção eletrônica. E a injeção eletrônica só encarece o produto para o usuário final. Além do que, são sistemas eletrônicos e a gente sabe como é: trabalhando num ambiente hostil como é o dia a dia na agricultura, com o calor, a umidade e a poeira, é complicado você trabalhar com eletrônica, porque você depende muito de sensores em meio a tudo isso”, justificou.

O usuário final demanda um equilíbrio entre alguns fatores. “No motor agrícola é muito importante o nível de torque, geralmente são motores de torque alto mesmo que não tenham uma potência tão alta. A disponibilidade de torque e a capacidade de recuperação do torque é fundamental quando, por exemplo, a máquina se depara com um solo mais compactado. O motor tende a baixar de rotação, vai ter que fazer mais força. E o motor com uma capacidade de reação melhor é importante para o agricultor”, conforme Torretta, essa alta reserva de torque é importante em função do desempenho da máquina, pois reflete na economia do combustível.

“Tem que haver um compromisso entre o nível de reserva de torque necessário para determinada máquina e o consumo que ela está exigindo”, é aí, segundo ele, que está a diferença entre cada marca, em função de tecnologia e de integração do motor com a transmissão. “Para disponibilizar os 80 cavalos de potência, quanto estou gastando de combustível?”, questionou.

Cristiano Zia, da Cummins, lembra que o motor a diesel é o que tem melhor custo-benefício, dada a tecnologia disponível atualmente. “O motor tem o papel de mover as máquinas. E os movidos a diesel tem essa vantagem: garantem maior robustez e durabilidade, fazendo com que elas estejam disponíveis para o trabalho”, considerou.

Combustíveis

Os combustíveis desempenham um papel crucial no desempenho e na sustentabilidade das máquinas agrícolas. Atualmente, o diesel continua sendo o mais utilizado, com estimativas indicando que de 80% a 90% da frota agrícola brasileira é movida por ele. No entanto, o mercado está começando a explorar alternativas, como o biometano e o etanol, embora o setor ainda enfrente desafios significativos para aumentar a disponibilidade de biocombustíveis.

O crescimento de biocombustíveis no setor agrícola é esperado, mas esbarra em limitações de infraestrutura e políticas públicas // Foto: Shutterstock

O diesel é amplamente utilizado, mas apresenta desafios significativos. A qualidade do combustível e o armazenamento adequado são preocupações constantes para os fabricantes, especialmente considerando a mistura de 14% de biodiesel no diesel. O alto teor de enxofre presente no combustível, combinado com a água gerada por um processo químico no biocombustível, resulta em ácido sulfúrico, que causa corrosão nas partes do motor. O uso de materiais e práticas para minimizar esses problemas acaba aumentando os custos.

Jak Torretta, da Mahindra, lembra que, “quando a água entra no sistema de injeção, é um desastre”. A Petrobras enfrenta um desafio significativo para reduzir os níveis de enxofre e outras impurezas, o que demanda um investimento considerável. Isso é frequentemente tratado de perto pelas fabricantes dos sistemas de injeção.

A adoção de combustíveis alternativos como o biometano e o etanol ainda está em fase de desenvolvimento, e o crescimento desses biocombustíveis no setor agrícola é esperado, mas esbarra em limitações de infraestrutura e políticas públicas.

O engenheiro-chefe de produtos da Cummins, Cristiano Zia, aponta que o mercado brasileiro ainda é lento na adoção de combustíveis alternativos devido à infraestrutura limitada para motores a hidrogênio verde ou elétricos.

A implementação de motores a hidrogênio verde está em fase experimental e enfrenta desafios relacionados à produção e infraestrutura. Jak Torretta observa que não se trata de um problema comercial. “Até porque a própria produção do hidrogênio para o usuário ainda não existe. É preciso fazer ainda muito investimento em plantas para a produção do hidrogênio. Mas é uma possibilidade. Tudo indica que o Brasil vai ser um dos líderes nessa produção do hidrogênio verde.”

 

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