ILP acumula mais carbono que sucessão de culturas de grãos

Os resultados dos experimentos mostram que os maiores valores de carbono acumulado foram para os sistemas em ILP, em plantio direto. Na foto acima, soja em plantio direto

Uma pesquisa da Embrapa Arroz e Feijão (GO) estimou a taxa de acúmulo de carbono em solo de cerrado em Goiás considerando o sistema de integração lavoura e pecuária (ILP) comparado ao sistema de sucessão de cultura de grãos (soja-milho), tanto em plantio direto quanto em plantio convencional. O resultado aponta para um incremento de carbono retido no solo em ILP, ao longo de 20 anos, projetados para o período entre 2019 e 2039.

A projeção do acúmulo de carbono foi estipulada para o perfil de solo até a profundidade de 30 centímetros e o resultado é que os maiores valores de carbono acumulado foram para os sistemas em ILP, em plantio direto, sendo que dois arranjos (ILP1 e ILP2, veja detalhes abaixo) apresentaram taxa de acúmulo de carbono no solo entre 0,60 e 0,90 tonelada por hectare ao ano. Isso representa um aumento em mais de três vezes de carbono retido no solo, quando comparado aos mais altos desempenhos dos sistemas de sucessão entre soja e milho, que alcançaram taxa de acúmulo de carbono no solo em torno de 0,11 e 0,21 tonelada por hectare ao ano em plantio direto.

Foto: Maria Eugênia

Trabalho de simulação

O estudo valeu-se da série histórica de dados de plantio e manejo de área em ILP na Fazenda Capivara, pertencente à Embrapa e localizada em Santo Antônio de Goiás (GO). O banco de informações de manejo registrado desde 1990 abasteceu um modelo, conhecido por CQESTR, que simula o comportamento de carbono em solo de lavouras e é utilizado para projetar como diferentes práticas de manejo afetam a dinâmica do carbono.

No trabalho, dois sistemas em ILP foram simulados dentro do CQESTR e repetidos ao longo do tempo de avaliação. O primeiro (ILP1) incluiu o cultivo do milho na safra de verão, seguido de quatro anos e meio de pastagem de braquiária. O segundo (ILP2) foi de soja na safra de verão, sucedida por pousio no primeiro ano, com posterior semeadura de arroz de terras altas, seguida de pousio novamente no segundo ano; e em sequência o plantio de milho com, por fim, três anos e meio de pastagem de braquiária. Em relação à sucessão de culturas (soja-milho), foram consideradas alternâncias de cultivos anuais no verão, assim como com períodos de pousio; ou ainda sucessões entre as duas culturas (safra e safrinha).

A pesquisadora da Embrapa Beata Madari é uma das responsáveis por esse trabalho. Ela contou que esse resultado vai ao encontro de outros estudos da área e pode ser explicado pela presença da forrageira braquiária, que apresenta forte enraizamento em profundidade no solo, o que, além de reciclar nutrientes, ajuda a aumentar o estoque de carbono no sistema pelo aporte de biomassa radicular e também aérea em sistemas ILP.

Ainda segundo Madari, uma taxa de acúmulo de carbono de 0,9 tonelada por hectare ao ano surpreendeu os pesquisadores, pois trata-se de um valor alto levando em consideração a situação diagnosticada inicialmente nas condições da fazenda da Embrapa em Goiás, que apontou para um solo argiloso (mais de 50% de argila) e com teor entre baixo e médio de carbono, aproximadamente 2%.

Rede Internacional

O resultado alcançado pelo trabalho científico pode ser comparado ainda com outras pesquisas acerca do acúmulo de carbono no solo. Uma das principais organizações no mundo sobre o tema é a Iniciativa 4 por 1000 – solos em prol do clima e da segurança alimentar. A Iniciativa reúne uma rede internacional de colaboradores, abrangendo instituições de ensino e de pesquisa, associações de agricultores, governos, organizações internacionais, e segmentos da agroindústria e empresarial. Ela preconiza práticas sustentáveis de manejo do solo para o alcance de uma taxa média de acúmulo anual de carbono de 0,4% (ou 4 por mil) do estoque de carbono atualmente presente no solo. Para as condições da área experimental no Cerrado brasileiro isso significa em torno de 0,26 tonelada por hectare ao ano. Esta taxa, entretanto, pode variar, dependendo das condições de clima e solo regionais.

De acordo com a pesquisadora Madari, como os resultados obtidos na pesquisa realizada foram superiores, isso sinaliza que o manejo sustentável do solo e de culturas no Cerrado pode desempenhar um papel muito importante para a mitigação da emissão de gases de efeito estufa como o dióxido de carbono (CO2).

A Iniciativa 4 por 1000 foi lançada durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015 (COP 21), em Paris (França). A Embrapa é uma das instituições que integra essa organização e a pesquisadora Beata Madari faz parte do comitê técnico-científico.

Mercado de carbono

A taxa anual de acúmulo de carbono em ILP, em plantio direto, obtida nesse trabalho traz também novos elementos para o debate científico. De acordo com o pesquisador da Embrapa Pedro Machado, existem outros estudos que chegam a valores até maiores de captura de carbono em ILP: taxas anuais de acúmulo de até uma tonelada por hectare ao ano. Porém, segundo o cientista, são pesquisas conduzidas geralmente em pequena escala, em parcelas, e com duração de poucos anos ou safras. Nesse sentido, ele ponderou que o uso do modelo CQESTR foi um diferencial.

“Essa ferramenta de simulação foi fundamental, pois nos permitiu utilizar virtuosamente a base de dados de quase trinta anos sobre os cultivos na fazenda da Embrapa e projetar ao longo do tempo a dinâmica de acúmulo de carbono em função do preparo de solo e manejo agrícola. Com isso, podemos estender o tempo de análise sobre o efeito da ILP em relação ao sequestro de carbono e alcançar um resultado que acreditamos predizer melhor o comportamento do sistema de produção”, comentou o pesquisador.

Machado complementou que o CQESTR é um programa empregado para investigações científicas dentro e fora do Brasil, só que aqui no País foi utilizado apenas para situações em regiões tropicais do Nordeste e Sudeste, e agora foi testado e aprovado para as condições do bioma Cerrado.

Outra questão mencionada pelo pesquisador foi que o estudo, além de abrir a possibilidade de quantificar mais apuradamente o acúmulo de carbono por um sistema de produção agrícola, permite projetar no futuro o quanto de carbono será armazenado pelo solo. Nesse trabalho, por exemplo, a projeção foi estipulada para o período de 2019 a 2039. Essa perspectiva, conforme Machado, insere a pesquisa como um ponto de apoio e de qualificação para o debate que vem sendo feito no Brasil sobre a regulamentação de um mercado de crédito de carbono, assim como para o estabelecimento de estratégias fundamentais para a sustentabilidade da agropecuária e para o desenvolvimento de políticas públicas nacionais.

O estudo é parte da tese de doutorado, defendida na Universidade Federal de Goiás (UFG) pela pesquisadora Janaína de Moura Oliveira, intitulada: “Carbono no solo em sistemas integrados de produção agropecuária no Cerrado e na transição Cerrado – Amazônia”. Esse trabalho contou ainda com participações do escritório da Embrapa Labex-Estados Unidos e Universidade do Arkansas (UARK), dos Estados Unidos. O estudo pode ser baixado neste endereço.

Foto: Sebastião Araújo (arroz em plantio direto)

Melhor para saúde do solo

Na pesquisa realizada, o acúmulo de carbono no solo para todas as situações, seja em ILP, seja em sucessão de culturas, foi maior em plantio direto, em comparação aos sistemas de preparo convencional do solo (aração e gradagem). A pesquisadora da Embrapa Márcia de Melo Carvalho, que participou desse estudo, observou que práticas conservacionistas, como o plantio direto, contribuem para o acúmulo do carbono em relação a sistemas convencionais, pois o não revolvimento do solo favorece maior estruturação, com a formação de agregados (pequenos torrões de solo) que “empacotam” matéria orgânica (veja estudo neste link), protegendo-a da rápida decomposição. E, quanto mais matéria orgânica, mais aproxima-se de um estado de saturação do solo com carbono.

Entretanto, tão importante quanto a saturação do solo com carbono é a proteção que o plantio direto proporciona ao solo. Ela explica que a prática promove uma camada protetora do solo (palhada) contra o impacto de gotas de chuva, permitindo a infiltração da água, além da regulação da temperatura no solo. Complementarmente, ainda segundo a cientista, as práticas de manejo que resultam em acúmulo de carbono no solo melhoram a qualidade e a produtividade, por meio da adaptação a mudanças ambientais que já são uma realidade no Cerrado goiano.

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