Por Luciana Fleury
A adoção pelo Brasil de todas as partes da norma ISO 11783 trouxe a padronização da comunicação eletrônica entre tratores e implementos. O feito, alcançado este ano, é o ponto essencial para resolver um problema recorrente nas propriedades rurais, que é a incompatibilidade eletrônica entre o trator e equipamentos de marcas diferentes, gerada pelo fato de cada máquina se comunicar em sua própria “língua”. Ao estabelecer um protocolo único, a norma ISO 11783 cria um “idioma oficial” mundial para todos os componentes, o Isobus – termo composto pela sigla ISO (International Organization for Standardization) e “bus” que, em inglês, quer dizer barramento, ou seja, o conjunto de linhas de comunicação que permitem a interligação entre dispositivos.
A adoção pelo Brasil de todas as partes da norma ISO 11783 trouxe a padronização da comunicação eletrônica entre tratores e implementos. O feito, alcançado este ano, é o ponto essencial para resolver um problema recorrente nas propriedades rurais, que é a incompatibilidade eletrônica entre o trator e equipamentos de marcas diferentes, gerada pelo fato de cada máquina se comunicar em sua própria “língua”. Ao estabelecer um protocolo único, a norma ISO 11783 cria um “idioma oficial” mundial para todos os componentes, o Isobus – termo composto pela sigla ISO (International Organization for Standardization) e “bus” que, em inglês, quer dizer barramento, ou seja, o conjunto de linhas de comunicação que permitem a interligação entre dispositivos.
A solução é muito bem-vinda para a realidade atual, mas ainda mais fundamental em uma perspectiva de desenvolvimento acelerado de soluções da agricultura de precisão, internet das coisas e de conectividade no campo. Depois de ter visto ser superada a dificuldade no acoplamento físico de implementos em tratores de fabricantes diferentes, o agricultor passou a se deparar com barreiras a cada novidade trazida pela tecnologia embarcada.
O mercado vem oferecendo equipamentos cada vez mais inteligentes que, por exemplo, se valem de dados como localização geográfica (dada por GPS) e a velocidade de marcha para determinar o ritmo de liberação dos insumos a fim de manter o nível programado. Sem falar nas informações disponibilizadas em tempo real para o operador, detalhando o funcionamento do implemento, e dos diferentes comandos disponíveis, possibilitando diversos ajustes para maior eficiência da ação realizada. No entanto, para tudo isso acontecer, é preciso haver comunicação de dados entre as partes, muitas vezes só possível com acessórios fornecidos pelo mesmo fabricante. Neste caso, resta ao agricultor adaptar o trator da marca A, adicionando os sensores, os comandos e o monitor do implemento da marca B. O resultado é aumento do custo, pela aquisição dos componentes, e maior complexidade na operação. “Como, geralmente, o mesmo trator é usado em diversas etapas da produção, como preparo de solo, plantio, pulverização, colheita, é muito comum encontrar cabines de tratores com uma quantidade de interfaces que torna seu manuseio tão intricado quanto o de uma aeronave”, afirma Ricardo Inamasu, pesquisador da Embrapa na área de automação. A adoção de um padrão de comunicação resolve este problema. Em um ambiente de mercado onde todos os produtos “falem” Isobus, todo trator, a ter um implemento conectado, identificará de forma automática a função do equipamento, carregando em seu display as informações específicas, realizando a coleta de dados e enviando os comandos determinados pelo operador.
Nos mínimos detalhes
Complexa e extensa, a norma ISO 11783 é composta por 14 partes e demandou um longo trabalho para se tornar a ABNT NBR ISO 11783. Os esforços para sua adoção integral começaram em 2005, com a criação de uma força tarefa para isso e só foram concluídos agora. “A versão internacional passou por diversas revisões, recebendo várias incorporações ao longo destes anos. E quando um texto entra em atualização, o trabalho de tradução é interrompido, para não se trabalhar em uma versão antiga; este processo de aguardar o texto mais atualizado foi nossa maior dificuldade”, diz Inamasu, que atua como coordenador da CE-203:019.002 Comissão de Estudos de Comunicação Eletrônica e Embarcada – uma das comissões de estudos do ABNT/CB-203 – Comitê Brasileiro de Tratores, Máquinas Agrícolas e Florestais. A CE203:019.002 é um grupo brasileiro, espelho do existente na ISO (onde ocorrem as discussões internacionais para as normas técnicas), dedicado a analisar, traduzir para o português e submeter à ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) as normas sobre comunicação eletrônica entre dispositivos embarcados em máquinas agrícolas.
Para se ter ideia do volume de trabalho, a parte 6 da norma tem mais de 300 páginas, algo realmente considerável quando se trata de padronização. A questão é que, ao contrário de outras normas, que só determinam o que deve ser feito, a ABNT NBR ISO 11783 precisa dizer, também, como tudo deve acontecer. “Afinal, se cada empresa decidir implementar a solução do seu jeito, não haverá compatibilidade; e, apesar da versão atual buscar deixar bastante claras as determinações, ainda há casos que dão margem a interpretações, o que pode gerar dúvidas”, comenta Alexandre Malgarizi, membro da Comissão de Estudos e Engenheiro da CNH Indústria.
É por isso que foram necessárias centenas de páginas para a parte 6, dedicada a definir como deve concebido o chamado terminal virtual, o display onde são disponibilizadas as informações para o operador. O material indica não só quais dados devem ser apresentados e de que forma, mas, ainda, qual local devem ocupar na tela. “Esta padronização facilita o dia a dia do operador e torna mais amigável a interface, pois, não importa qual seja o implemento conectado ao trator, os comandos estarão disponibilizados da mesma maneira, o que muda é apenas a função”, diz Gustavo Lourencetti Gonçalves, secretário da Comissão de Estudos e gerente de contas OEM da Danfoss. Outra parte rica em detalhes é a que aborda os serviços de diagnóstico. Além de indicar quais processos de investigação de falhas devem ser automáticos, ainda há a descrição da forma como os problemas são reportados ao operador, seja por uma mensagem na tela, um alarme sonoro etc.
Apesar de muito positivo, este aprofundamento de padronização provoca um efeito colateral. “O desenvolvimento acelerado da tecnologia gera situações nas quais o atendimento à norma limita o desempenho”, afirma Malgarizi. É o caso vivido por uma empresa especializada em soluções para o monitoramento de plantio. “A quantidade e a frequência de coleta de informações realizadas no momento do plantio pelos componentes e protocolo de comunicação desenvolvidos por eles é muito superior ao que o Isobus consegue alcançar na versão atual”, explica Malgarizi. O jeito é esperar que este patamar seja atingido pelo mercado e o Isobus adquira os novos “vocabulários” necessários para conversar no mesmo nível com a sofisticada plantadeira. Enquanto isso, a solução já é conhecida: adaptar o trator. O exemplo mostra porque é uma utopia imaginar se chegar à versão definitiva de um texto normativo; as normas sempre precisarão se atualizar às inovações, que são contínuas.
Uma questão de mercado
Vale destacar que a entrada em vigor de todas as partes da ABNT NBR ISO11783 não garante que, a partir de agora, os produtos comercializados no Brasil tenham, obrigatoriamente, de dominar o idioma Isobus. A adoção, pelos fabricantes, é facultativa e vai depender não só da capacidade técnica, mas também da estratégia comercial. Apesar disso, já é possível encontrar maquinário agrícola fluente em Isobus, como os tratores da CNH, que atua no mercado com as marcas Case e New Holland. “A maioria dos nossos tratores ou já é oferecida com o protocolo Isobus completo ou, no caso dos menores, esta condição é opcional, por uma questão de custo para o cliente”, diz Malzani. A CNH também produz, no Brasil, plantadeiras com sistema eletrônico baseado no Isobus.
Alguns fabricantes, segundo Malzani, seguem a estratégia não ser 100% compatível. Ele cita o caso de uma empresa cujos tratores são compatíveis, porém, algumas funções em determinados implementos seguem protocolo próprio. “Neste caso, a aplicação de semente da plantadeira da empresa é em Isobus enquanto o mesmo não acontece na aplicação de fertilizantes. Assim, se um cliente comprar nosso trator para usar esta plantadeira, a parte de fertilizante não vai funcionar; ele terá de realizar adaptações”, descreve.
Outro ponto importante com relação à adoção de um protocolo de comunicação comum é a necessidade de envolvimento de toda a cadeia. Isso porque todos os componentes eletrônicos que fazem parte do trator e do implemento precisam falar Isobus para tudo funcionar. Algo que ainda não ocorre com os produtos da Danfoss, por exemplo. “Hoje, todos os nossos controladores, atuadores e demais equipamentos eletrônicos têm bobinas que se comunicam em protocolo CAN, utilizado pela indústria automotiva e que, inclusive, serviu de base para o desenvolvimento do Isobus”, diz Gonçalves. “A Danfoss tem capacidade de implementar o Isobus, mas economicamente isso ainda não se justifica, pois seria necessário criar toda uma estrutura comercial para esse atendimento”, explica. É só uma questão de tempo, porém. “A adoção do protocolo Isobus já está em nosso planejamento estratégico, mas estamos esperando o amadurecimento do mercado para isso acontecer”.
Como, de modo geral, as empresas pretendem adotar o Isobus “de acordo com a demanda” e “a fim de atender as necessidades do mercado”, a peça que falta para mover esta engrenagem é o usuário final. Toda a cadeia envolvida na produção de maquinários agrícolas precisa entender que os agricultores querem usufruir dos benefícios de contar com a padronização do protocolo de comunicação; cabe ao produtor, no momento de sua decisão de compra, dizer isso em bom português.