Por Gustavo Paes
Colheita com uso de máquinas está presente em 91,6% dos sistemas
de produção no Brasil
A história da cana-de-açúcar (Saccharum ofúcinarum) no Brasil teve início no século 16, quando a planta foi introduzida pelos colonizadores portugueses, trazida do sudoeste asiático. Desde então, a cultura se tornou uma das mais importantes e representativas do agronegócio brasileiro. O País é responsável por 20% da produção mundial de açúcar e por 45% da exportação. Somos o maior produtor de cana-de-açúcar e de açúcar do mundo e segundo maior produtor de etanol, perdendo apenas para os Estados Unidos.
O cultivo do vegetal no Brasil se concentra na região Centro-Sul do País, com 93% da área, e 7% na região Norte-Nordeste. “Isso é impressionante, visto que apenas 1,2% do território brasileiro é utilizado para o cultivo de cana”, destaca o diretor técnico da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (UNICA), Antonio de Padua Rodrigues. A concentração do cultivo nessas duas regiões deu-se por motivos de adaptação da cultura ao clima e econômicos, como acesso a mercados consumidores e à infraestrutura logística, como portos para exportação.
“Além das condições climáticas favoráveis em São Paulo, com um ambiente de produção já conhecido e dominado, temos o principal mercado de etanol do País. Apesar da frota paulista representar 40% da frota nacional, em termos de mercado combustível, o Estado representa 60% das vendas, dada a política tributária, de 12% de ICMS, desde janeiro de 2004”, afirma. Outro ponto importante, aponta Rodrigues, é a logística, pois o Estado tem o principal porto exportador de açúcar e etanol do País.
Na safra 2019/20, a produção brasileira foi de 590,36 milhões de toneladas de material processado. O número é quase 3% superior ao registrado na temporada anterior. Apesar dos reflexos causados pela pandemia provocada pelo novo coronavírus, o setor se mantém altamente produtivo, o que faz das expectativas para a safra 2020/2021 animadoras. A UNICA estima que a produção possa superar a marca dos 600 milhões de toneladas processadas. Já a agência de dados financeiros Bloomberg aponta que os contratos futuros que têm a cana-de-açúcar como commodity acumulam valorização em 2020.
A cadeia da cana traz inúmeros benefícios para o País. Do ponto de vista econômico, o valor bruto movimentado pela cadeia sucroenergética superou US$ 100 bilhões em 2019, com um PIB de US$ 40 bilhões, valor equivalente a cerca de 2% de todo o PIB nacional. Além disso, o setor foi o 4° segmento na pauta de exportação do agronegócio do Brasil no ano passado, gerando US$ 6,1 bilhões em divisas externas com as exportações de açúcar e etanol.
Por ser uma agroindústria, o setor é um importante motor de desenvolvimento econômico no interior do País, por gerar uma ampla gama de postos de trabalho que exigem qualificação. “Estudo da ESALQ/USP concluiu que a renda per capita aumenta em US$ 1 mil por ano na cidade onde uma usina é construída. Nas localidades ao redor, onde há plantação de cana, o incremento de renda per capita ano é de US$ 500”, afirma o diretor técnico da UNICA.
Em todo o Brasil são mais de 747 mil empregos formais gerados apenas pelo setor produtivo, mas somados os empregos indiretos gerados pelo setor, chega a 2,3 milhões de pessoas empregadas na cadeia da cana. Também tem os produtores rurais independentes, que são cerca de 70 mil. “Já em São Paulo existe 286 mil postos de trabalho formais no setor produtivo. Mas, partindo do princípio que para cada emprego direto há pelo menos dois indiretos, podemos dizer que o número é superior a 850 mil pessoas’, afirma Rodrigues.
Maior produtor nacional, na última safra São Paulo respondeu por 54% do volume processado de cana no País, totalizando 343,75 milhões de toneladas. Isso se deve à qualidade do solo e das condições climáticas favoráveis, às pesquisas realizadas por institutos de pesquisa públicos e privados e à forte mecanização. O Brasil possui 376 unidades produtoras em operação, sendo 163 delas localizadas em São Paulo, muitas em cidades do interior do Estado, em especial no oeste paulista. No total, 475 municípios paulistas estão envolvidos no cultivo da cana-de-açúcar (mais de 70% do total do Estado), com 6 milhões de hectares cultivados em 2020.
Do ponto de vista sustentável, o setor se destaca na preservação do meio ambiente, produzindo um dos biocombustíveis com menor pegada de carbono do mundo, o etanol, que reduz em até 90% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e zera a dispersão de material particulado se comparado com a gasolina e o diesel. “A cana é a principal fonte de energia limpa e renovável do País, sendo responsável por 17,4% de toda a matriz energética nacional”, salienta Rodrigues.
Centro-Sul
A Região Centro-Sul do Brasil concluiu a safra 2019/2020 em março deste ano, com 590,36 milhões de toneladas de cana-de-açúcar processadas, crescimento de quase 3% sobre as 573,17 milhões de toneladas registradas na temporada 2018/2019. A matéria-prima foi convertida majoritariamente em etanol. Somente 34,32% dessa quantidade destinou-se à produção de açúcar, o menor percentual dos últimos 22 anos. Com isso, a fabricação da commodity alcançou 26,76 milhões de toneladas, similar as 26,51 milhões de toneladas na safra 2018/2019.
Já a produção de etanol foi a maior da história do setor sucroenergético: 33,26 bilhões de litros – 9,95 bilhões de litros de etanol anidro e 23,31 bilhões de litros de etanol hidratado. O recorde anterior, observado na última safra, era de 30,95 bilhões de litros. Estima-se um incremento de 53,6% nesta temporada na produção, podendo alcançar mais de 2,7 milhões de toneladas de açúcar. Quanto à geração de etanol, a perspectiva é de uma redução de 14,3% em relação à safra passada, já que as usinas de cana foram bastante afetadas pela pandemia, que provocou o isolamento domiciliar, a redução da circulação de pessoas e, por consequência, a queda no consumo interno de etanol.
Regiões produtoras
Goiás aparece como o segundo maior produtor do País, com 11,3% da produção nacional (75,7 milhões de toneladas), segundo a Conab. O Estado vem, ao longo dos últimos anos, aumentando sua importância no cenário nacional na produção de cana-de-açúcar, com aumento da área plantada, produção e produtividade média. Entre os fatores que favorecem esse incremento está o clima tropical mais adequado para a produção da cana-de-açúcar.
Além disso, a região é favorecida pela sua latitude e o fotoperíodo adequado à cultura, ou seja, a planta recebe as horas de iluminação necessárias para ter bom desenvolvimento vegetativo. Além disso, o relevo e topografia auxiliam na mecanização das lavouras e, com isso, há redução nos custos de produção e no impacto ambiental. A área destinada à produção de cana-de-açúcar nesta safra está estimada em 965,9 mil hectares, sendo 2,4% maior que a observada na temporada passada.
Minas Gerais é o terceiro maior produtor nacional de cana, sendo responsável por 11,1% do total produzido no País. No Estado, a área em produção de cana-de-açúcar cresceu 5,1%, somando 842,64 mil hectares. Na safra 2020/2021, as usinas mineiras devem moer 72,1 milhões de toneladas, um aumento de 5% em relação ao ciclo anterior.
Mecanização
No Brasil, o sistema de colheita mecanizada – que é feita sem queima prévia, com o uso de colhedoras – tem avançado muito nos últimos anos. O percentual, que era 37,1% na safra 2008/9, na atual safra está estimado em 91,6%. Porém, na região Centro-Sul, beneficiada por relevo que favorece a mecanização, já chega a 97,8% da colheita com o uso de máquinas.
Em São Paulo, Estado responsável por aproximadamente 50,3% da área colhida na safra atual, o índice de colheita mecanizada saiu de 47,6% na safra 2008/9 para 98,6% na safra 2020/21. “A cana é uma cultura que tem o maior índice de mecanização, precisa de máquinas desde a implantação até a colheita”, afirma o Professor Doutor Ricardo Ralisch, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E isso exige dos administradores das unidades de produção um bom gerenciamento da frota de máquinas. “Temos exemplos de usinas que administram bem e outras que administram mal, com ociosidade de máquinas”, avalia o especialista. O uso da telemetria para monitoramento da produção em tempo real seria uma medida eficaz, segundo ele.
Diferentemente da região Centro-Sul, a Norte/Nordeste tem 25,5% da colheita mecanizada. Em Alagoas e Pernambuco, onde se encontra mais de 60% da área colhida dessa região, os percentuais são menores ainda, sendo 23,7 e 0,6%, respectivamente, uma vez que as áreas de produção são acidentadas e com declives acentuados e, por outro lado, existe maior disponibilidade de mão de obra.
O sistema manual, onde o trabalhador realiza o corte/ braçalmente, com ferramenta apropriada, e a cana é carregada inteira nos caminhões, é um tipo de colheita que tem sido menos frequente no País. Nesta safra, o percentual de colheita manual foi estimado em 2,2% na Região Centro-Sul. Já na Região Norte/Nordeste, tanto pelo relevo mais acidentado quanto pela disponibilidade de mão de obra, esse percentual ainda é alto, sendo de 74,5%.
Para efeito de comparação, o Centro-Sul já havia atingido um percentual menor na safra 2008/9, 57,2%. Sendo assim, a média brasileira de corte manual de cana sofreu forte decréscimo, saindo de 62,9% da produção total na safra 2008/9 para 8,4% na atual safra, segundo levantamento da Conab.
“A topografia é o único fator atualmente para manter o corte manual da cana em algumas regiões do País. Declividades maiores do que 12% impedem o uso das colhedoras. Contudo, estão sendo desenvolvidos implementos para a colheita de cana-de-açúcar com declives superiores a 12%”, adianta o diretor técnico da União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo – UNICA.
Soluções dos fabricantes
A Jacto ingressou no mercado de cana com a Hover 500, colhedora que promete proporcionar mais produtividade e economia, uma vez que tem o diferencial de colher simultaneamente duas linhas, com potencial redução de até 35% no consumo de combustível por tonelada de cana colhida. O design da plataforma de colheita flutuante na parte frontal da máquina permite que a colhedora se adapte às irregularidades do terreno, proporcionando um corte de maior qualidade, na altura adequada, evitando o carregamento de terra, palhada ou outras sujeiras para a usina. A Hover 500 permite maior produtividade, já que segue a tendência de colheita em duas linhas, com o dispositivo de corte e transporte de cana localizado na parte frontal da máquina, em um conceito do tipo plataforma flutuante. “O grande desafio foi criar um sistema capaz de acompanhar as irregularidades do solo não só ao longo da linha de cana, mas também no sentido transversal às linhas”, afirma o gerente de negócios de Colheita de Cana da Jacto, Adilson Bazucco.
Aumento da eficiência
A Case IH lançou neste ano a Série A8810, que reduz em até 15% o consumo de combustível durante a colheita. O equipamento é uma das soluções da montadora que contribuem para o fim das queimadas nas usinas. “O fim das queimadas no setor de cana é um fato importante não só para as usinas, mas também para toda a sociedade, pois a redução na emissão de gases foi expressiva”, afirma o gerente de Marketing de Produto, Roberto Biasotto.
Máquinas de construção
A Case Construction desenvolveu uma pá-carregadeira com a versão canavieira, para operar o bagaço da cana com maior segurança, economia e aumento da produtividade nas usinas e fazendas. O modelo 721E tem características exclusivas para atender ao mercado sucroenergético, conforme o gerente de produtos da Case Construction, Gabriel Freitas.
Alta potência e desempenho
A linha de tratores T7, da New Holland, ganharam uma bomba hidráulica, o que aumentou o fluxo de 151 litros para 180 litros por minuto. A nova configuração permite agilidade em operações com implementos que demandem uma vazão maior. Os tratores também contemplam as configurações voltadas para o cultivo da cana, com barra de tração, eixo de 3 metros reforçado e freio pneumático de transbordo. “Todo o conjunto foi reforçado, incluindo pinos de engate, dimensões da barra e suporte, aumentando a confiabilidade da linha T7”, explica o gerente de Marketing, Nilson Righi.
Número recorde
A quantidade de colhedoras de cana em uso no Brasil chegou a 6.195 unidades na safra 2016/17, número recorde para o País, conforme a Conab. O aumento desde a safra 2007/8 até a safra 2019/2020 foi de 372,2%, o que equivale a 5.462 colhedoras a mais nas lavouras. O declínio do número desse tipo de equipamento nas últimas safras é resultado do melhor rendimento e de variedades adaptadas à colheita mecanizada. As novas colhedoras são capazes de colher duas linhas de cana simultaneamente, apresentando maior eficiência e produtividade que os equipamentos mais antigos, de apenas uma linha.