Panorama Setorial: Força do Matopiba

Por Gustavo Paes

Região é apontada como a nova fronteira agrícola, mas sofre com infraestrutura deficiente em estradas, portos e conectividade

Região considerada a grande fronteira agrícola nacional, o Matopiba compreende o bioma Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e responde por aproximadamente 10% da produção brasileira de grãos e fibras, principalmente soja, milho e algodão. Batizada de “Matopiba” ou “Mapitoba” pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), hoje a região é a que mais cresce, em área plantada, em todo o País.

O nome curioso é um acrônimo referente às duas primeiras letras dos estados em que faz divisa: Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. Até a primeira metade do século 20, essa grande área era coberta por pastagens em terras planas e vegetação de cerrado e caatinga. A agricultura era considerada improdutiva, mas desde 2005, houve um fenômeno de expansão da atividade agrícola com o surgimento de grandes fazendas de monocultura que utilizam tecnologias mecanizadas para a produção em larga escala, destinada à exportação de grãos como soja e milho e também de algodão. 

A região começou a ser explorada para o agronegócio a partir da década de 1980. Foram os agricultores da Região Sul que chegaram primeiro, atraídos pelas terras com valores mais acessíveis, quando comparados às do Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. Logo, as pastagens extensivas em cerrados foram substituídas por uma agricultura mecanizada e áreas de irrigação. A topografia plana propícia à mecanização, os solos profundos, a disponibilidade de água e o clima favorável ao cultivo das principais culturas de grãos e fibras com dias longos e elevada intensidade de sol possibilitaram o crescimento vertiginoso da região. 

“O Matopiba representa a nova fronteira agrícola brasileira e, juntos, possuímos mais de 14 milhões de hectares de áreas legalmente atribuídas”, afirma o ex-deputado federal César Halum, que coordenava o Grupo Gestor do Matopiba e, em junho desse ano, assumiu a Secretaria de Política Agrícola do Mapa, em Brasília (DF).

Principais culturas 

A nova fronteira agrícola brasileira também é considerada complexa, o que torna ainda mais audacioso o desafio de garantir uma agricultura moderna e sustentável na região. O Matopiba reúne 337 municípios, 31 microrregiões e representa um total de cerca de 73,1 milhões de hectares (51% da área dos quatro estados). O Tocantins tem 37,95% da área, enquanto o Maranhão conta com 32,77%, seguido da Bahia, com 18,06%, e Piauí, com 11,21%.

O Matopiba abrange os biomas Cerrado com 90,94% (de toda a área), Amazônia, com 7,27%, e Caatinga, com 1,64%. Existem na área cerca 324 mil estabelecimentos agrícolas, 46 unidades de conservação, 35 terras indígenas, 36 quilombolas e 1.053 assentamentos de reforma agrária, de acordo com levantamento feito pelo Grupo de Inteligência Estratégica (GITE) da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). 

A cultura que se destaca, entre as principais regiões produtoras do Matopiba, é a soja. O lugar já é responsável por quase 12% da produção nacional e colherá aproximadamente 15 milhões de toneladas da oleaginosa na safra 2019/2020, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Mas outras culturas como arroz, milho e algodão também têm papel importante. O estudo “Brasil – projeções do agronegócio – 2019/2020 a 2029/2030”, elaborado pelo Mapa, aponta que, em dez anos, a fronteira agrícola do Matopiba produzirá cerca de 32,7 milhões de toneladas de grãos em 2029/30) em uma área plantada de 8,9 milhões de hectares ao final do período das projeções. “O Matopiba tem grande potencial e que merece atenção das políticas públicas para se desenvolver”, destaca José Garcia Gasques, coordenador-geral de Avaliação de Política da Informação do Mapa e um dos coordenadores das projeções. 

Segundo a pesquisa realizada pelo Ministério da Agricultura, grande parte deste impulso na produtividade de grãos se deve ao acesso às tecnologias hoje empregadas, como o uso de híbridos e cultivares adaptados às condições edafoclimáticas, além de boas práticas para o uso eficiente de fertilizantes, corretivos e defensivos e sistemas conservacionistas de manejo como o plantio direto e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).

Aumento da área

No Tocantins, maior produtor de soja da Região Norte do País, nesse período, a projeção indica que a produção passará de 5.477 milhões de toneladas para 7.174 milhões de toneladas, um aumento de 31%. Já em relação à área plantada, o aumento é de 30,7%. O estado sairá de 1.546 milhão de hectares para 2.021 milhões de hectares. 

“O Tocantins é a região que mais pode crescer em área de produção, porque tem o estado inteiro dentro da região do Matopiba. Nós temos quase 5 milhões de hectares disponíveis dentro da previsão do Código Florestal e ainda tem a área de transformação da área de pecuária para intensificação da produção de grãos”, ressalta o titular da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Aquicultura (Seagro) do Tocantins, Thiago Dourado.

O secretário lembra que todos os anos o estado registra aumento de 11% a 15% na produção das principais culturas, como soja, milho e algodão. “Produzimos 5,5 milhões de toneladas de grãos na safra passada e, neste ano, esperamos crescer entre 11% e 12% e chegar a 6 milhões de toneladas considerando todas as culturas”, estima.

Expansão da soja

A área de plantio da oleaginosa tende a crescer 2 milhões de hectares na região agrícola do Matopiba nos próximos dez anos, mas este avanço representa apenas 10% do potencial de expansão, conforme o sócio-diretor da consultoria Agroconsult, André Pessôa. O Matopiba conta com 95 milhões de hectares, dos quais somente 5 milhões são utilizados com agricultura. “É uma atuação muito preliminar perto do potencial que essa região tem”, salienta. 

Pessôa acrescenta que, nas principais áreas de fronteira do País, ainda há disponibilidade de terra para expansão de plantio, com capacidade para sustentar o crescimento da agricultura pelos próximos anos. No caso do Matopiba, a ampliação de 2 milhões de hectares em soja, apenas 10% do potencial que teria na região, seria sobre áreas de pastagem e cerrado. 

No Oeste da Bahia a agricultura se desenvolve em duas áreas com diferentes características: o vale e o cerrado. No vale predomina a agricultura de subsistência, com o cultivo de mandioca, milho, arroz e feijão, além da pecuária. No cerrado, a área é mais plana, permite mecanização e é onde se firmou o polo agrícola da Bahia. Na região estão as maiores áreas de soja, algodão, milho e café.

Só a soja ocupa quase 65% da área total cultivada na região, segundo números da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba). Na safra 2019/2020, 1,7 milhão de hectares foram cultivados com a oleaginosa. Na temporada anterior, a área foi um pouco menor, 1,62 milhão de hectares. Atualmente, a soja do Oeste da Bahia corresponde a cerca de 5% da produção nacional e a 58% da produção do Nordeste, conforme a entidade. 

O algodão, outra forte cultura do Oeste da Bahia, é considerado o primeiro em qualidade no Brasil e a região é, hoje, a segunda maior produtora nacional. Na última estimativa de safra, somando também com o milho, a área ocupada por estas culturas fica perto de um 1,9 milhão de hectares e a produção passa de 7,6 milhões de toneladas. E a agricultura na região pode crescer ainda mais. 

“O potencial de toda a região é enorme. Só no Oeste da Bahia existem 3 milhões de hectares de áreas do cerrado agriculturáveis para serem explorados”, destaca o assessor de agronegócio da Aiba, Luiz Stahlke. 

Fundada em 1990, com 16 associados, a Aiba figura hoje como a principal entidade representativa da região, reunindo mais de 1,3 mil produtores e representando cerca de 95% da força de produção em 2,25 milhões de hectares plantados.

Polo pecuário

O Centro-Oeste, que é dono de mais de 34% do rebanho brasileiro de bovinos, pode perder o posto de principal produtor de carne bovina do Brasil nos próximos 20 anos. Um estudo da Embrapa mostra que a expansão da integração entre lavoura, pecuária e floresta (ILPF) com altos índices de produtividade na região do Matopiba deve formar um novo polo pecuário no Brasil nos próximos anos. Dados do Censo Agropecuário 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que a área, com algum tipo de adoção de sistema ILPF no Brasil, chegava a quase 15 milhões de hectares.

A previsão da Embrapa é de que, até 2030, 23% da área produtiva do Matopiba conte com sistemas integrados, índice que pode chegar a 36% no Maranhão. Se confirmada, a projeção representará um crescimento de 187,5% em 15 anos da ILPF na região, podendo chegar a 200%.

Precariedade

O Matopiba tem precárias condições de logística, especialmente transporte terrestre, portuário e conectividade, além de dificuldades com crédito e regulamentação fundiária. O secretário da Agricultura, Pecuária e Aquicultura, Thiago Dourado, diz que, apesar dos estados serem vizinhos e terem territórios limítrofes, a região ainda necessita de integração. “As estradas ainda são muito carentes e a logística precisa de muita estrutura. Há gargalos enormes e esses são os desafios que a gente está focado, em construir plataformas de integração para que possa, realmente, produzir em conjunto”, reconhece. 

O ex-deputado federal César Halum afirma que, na prática, a região ainda não engatou. O dirigente, que é ex-secretário de Agricultura de Tocantins, frisa que os problemas como os de estradas e infraestrutura permanecem. “Criou-se uma expectativa falsa. Todo mundo ficou achando: agora tem tudo. Mas não se cuidou dos problemas do Matopiba, que seriam regularização fundiária, rodovias, infraestrutura de transporte, crédito e seguro rural. Todos esses problemas continuaram sem uma solução desde a criação do território, há 15 anos”, diz Halum.

Apesar de estudos mostrarem a expansão acelerada da soja, outros, em contrapartida, demonstram as disparidades resultantes da prosperidade da produção; entre elas, a concentração da renda. A região do Matopiba ainda apresenta baixo e médio Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) na maioria dos municípios, e baixo e médio Índice de Vulnerabilidade Social (IVS). Infelizmente, o Matopiba convive paralelamente com a prosperidade do agronegócio e o problema de miséria e pobreza crônica da população local.

Região em números

  • Quatro estados;
  • 31 microrregiões;
  •  337 municípios;
  • Área total: 73,1 milhões de hectares (51% da área dos quatro estados). O Tocantins tem 37,95% da área, enquanto o Maranhão conta com 32,77%, seguido da Bahia, com 18,06%, e Piauí, com 11,21%;
  •  O Matopiba abrange os biomas Cerrado com 90,94% (de toda a área), Amazônia, com 7,27%, e Caatinga, com 1,64%;
  • Existem na área cerca 324 mil estabelecimentos agrícolas, 46 unidades de conservação, 35 terras indígenas, 36 quilombolas e 1.053 assentamentos de reforma agrária.

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