Pedro Estevão, da Abimaq: máquinas ficarão mais inteligentes

Pedro Estevão

Por Clarisse Souza

 

Safras recordes e preço favorável às exportações devido à desvalorização do real têm ajudado a manter o agronegócio em alta, apesar dos desafios impostos pela pandemia. Esse cenário impacta as vendas de máquinas e equipamentos agrícolas, que vêm registrando números positivos no acumulado do ano. Enquanto alguns setores amargaram os sintomas da Covid-19, o Produto Interno Bruto (PIB) do agro cresceu 5,26% no 1º semestre na comparação com o mesmo período de 2019, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). 

De acordo com Pedro Estevão, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSMIA/Abimaq), o cenário é bastante favorável. O faturamento com venda de máquinas agrícolas deve crescer 7% no ano. A seguir, ele comenta sobre os números, aponta os desafios enfrentados e destaca os avanços do setor na última década, especialmente o papel da tecnologia embarcada como recurso revolucionário no campo. Acompanhe:

A que se deve o bom resultado na venda de máquinas agrícolas neste ano diferente de outros setores?

O agronegócio não parou em nenhum momento durante a pandemia. A indústria de máquinas agrícolas parou mais ou menos entre março e abril, por volta de 15 dias, para alguns arranjos nas fábricas e se adequar aos protocolos sanitários estabelecidos pelo Ministério da Saúde contra a Covid-19. Existia uma dúvida sobre como o mercado reagiria em relação à pandemia. Passado esse período, percebemos que o mercado continuava demandando e as fábricas voltaram a produzir normalmente, já com as normas sanitárias acertadas. Houve uma falta de matéria-prima em função da “quebra da cadeia”. Durante cerca de 45 dias tivemos falha na cadeia de fornecimento, com entregas atrasadas. Isso em função também dos fechamentos em algumas cidades. Hoje, esse fornecimento ainda não voltou totalmente à normalidade, porque a retomada acabou ocorrendo mais rapidamente do que se esperava e alguns produtos acabam faltando no mercado. As vendas, no entanto, não pararam e continuamos trabalhando, por isso também o aumento de 12% no primeiro semestre. Neste período o setor contratou pessoal, inclusive. Na prática, o que aconteceu foi que o câmbio subiu quase 30% e, com isso, tivemos maior rentabilidade nas chamadas culturas de exportação, como soja, milho, café, carnes em geral, celulose e algodão etc., em que todas elas subiram 30%. A rentabilidade do produtor subiu 30% em razão do câmbio. 

O cenário todo foi bastante favorável…

Além do aumento de rentabilidade, temos um novo recorde de produção neste ano. Se temos maior produção e o preço está bom, temos recordes nas exportações. Não tivemos queda nas exportações de commodities, logo o que se observou foi um cenário muito favorável ao agricultor. Trata-se de um momento histórico, pois, com mais rentabilidade, esse produtor investe mais. 

E quanto aos produtores, de que forma estão lidando com os desafios impostos por este momento?

Há atrasos pontuais no atendimento às demandas dos produtores. O que ocorre é que as entregas acabam se prolongando. Por exemplo, se um agricultor quer comprar determinado equipamento agora, a entrega ocorre daqui a 60 ou 90 dias, contra o prazo normal máximo de 8 semanas. O agricultor sabe quando precisa ir às compras para ter a máquina no período adequado de sua cultura. Para a safra de verão, em que o plantio deve ocorrer entre setembro e novembro, precisa negociar seu equipamento em abril para receber a máquina no período anterior ao plantio. Essa é uma dinâmica que o produtor conhece muito bem, assim como sabe da sazonalidade de compra antes da safra de verão. A dinâmica deste ano, apesar de mais complexa, está mais ou menos parecida.

Como avalia o parque tecnológico brasileiro, em relação à necessidade de renovação da frota?

Existe uma renovação natural do parque de máquinas comuns. Porém, a última demanda forte, em que se observou um boom de vendas foi há sete, oito anos. Nos anos de 2011, 2012 e 2013 houve grande crescimento de vendas. Essas máquinas estão ficando velhas. No Centro-Oeste, por exemplo, as máquinas estão bastantes velhas. Sobre esse aspecto prático, há necessidade de repor esses equipamentos. Outro detalhe é o aumento da área plantada marginalmente observado a cada ano, e que demanda mais máquinas. Como as exportações e o mercado externo estão sempre crescendo, as áreas plantadas também precisam ser aumentadas, o que exige mais equipamentos trabalhando. É uma reposição normal. 

E a questão da obsolescência de máquinas?

Esse é outro aspecto. Uma máquina comprada há 10 anos não tem a tecnologia embarcada que as máquinas novas, estando totalmente defasada. Nesse aspecto,o atraso em relação à tecnologia é bem maior. A tecnologia está caminhando a passos largos e o produtor não acompanha. Por exemplo, máquinas que têm computadores de bordo e são conectadas à internet recebem novidades a cada seis meses, assim como celulares, em que é possível agregar outras funções na parte eletrônica do equipamento. Obviamente, algumas máquinas não possibilitam essa atualização. 

Como avalia os efeitos do câmbio atual no setor?

O câmbio tem dois lados: aumenta o preço de venda do produto, mas também do custo de produção do agricultor e da indústria. Assim, a parte importada é pequena em relação ao custo total. Embora o percentual de itens importados de máquinas agrícolas varie muito de produto para produto, não é mais do que 15% na média. Para o agricultor, é benéfico ter um câmbio maior e pagar um custo dos importados do que um câmbio menor. 

A pandemia impactou muito o setor? 

De maneira geral, a indústria de máquinas não sofreu impactos negativos. Porém, algumas empresas menores, de um nicho específico, podem ter sofrido um pouco. Por exemplo, empresas que atuam com o setor de cana sofreu mais por causa do preço do petróleo. Outro caso são os hortifrutis, cujas vendas caíram. Os números que registramos são bastantes robustos e mostram que realmente não se observou grandes impactos na questão financeira.

Terminada a pandemia, ferramentas digitais, como as feiras virtuais, tendem a permanecer? 

Não somente feiras virtuais, mas muitas empresas organizaram eventos on-line nos próprios sites ou plataformas variadas, o que configurou uma “virtualização” das vendas. Elas trataram de fazer negócios e promoções virtuais que deram muito certo. Ao perceber que não ocorreriam as tradicionais feiras, as empresas arregaçaram as mangas para providenciar seus próprios eventos e participar dos novos eventos virtuais dessas feiras, que migraram para o mundo virtual neste ano. As feiras presenciais estão longe de acabar. Daqui para frente, haverá feiras presenciais e virtuais ao mesmo tempo. Não é possível, por exemplo, substituir uma feira como a Agrishow por um evento virtual, porque o contato pessoal do produtor com a máquina é essencial. O que se fez neste período foi aproveitar as ferramentas disponíveis para chamar a atenção do produtor. Empresas que já estavam aproveitando as facilidades do mundo virtual obviamente saíram na frente. 

Quais foram os maiores avanços do setor em 10 anos?

Primeiro é preciso destacar o tamanho das máquinas, que ficou maior. E isso melhorou, por exemplo, as operações no Centro-Oeste, realizadas em áreas gigantes em meio a janelas operacionais curtas. A tecnologia embarcada foi um avanço importante. Sistemas fazem análises da operação em tempo real, assim como do meio ambiente, e alimenta a máquina para se tomar a decisão mais acertada com base nessas análises. Essa análise fica salva e o produtor pode avaliar posteriormente se tudo está ocorrendo como esperado. Caso contrário, pode verificar onde está o problema e fazer a correção ou verificar pontos em que a operação poderá ser melhorada. O produtor passou  ter um controle muito grande de suas operações. Há 15 anos, o agricultor pulverizava uma determinada área e imaginava que estava tudo certo, já que o tanque finalizava a operação vazio. Ou seja, não sabia se a pulverização havia atingido o local certo na lavoura, se o tamanho da gota aplicada e se a velocidade estavam corretos. Hoje é possível ter total controle dessas atividades para uma operação cada vez mais eficiente. 

Vale destacar também a Agricultura de Precisão…

Sim. Hoje a Agricultura de Precisão faz parte da chamada Agricultura Digital, assim como da Indústria 4.0, que elevou a automatização para outros patamares, com a adoção de internet das coisas, inteligência artificial e big data.   

Qual a tendência para as máquinas do futuro?

A digitalização se aprofundará cada vez mais, com ferramentas que trarão ganhos operacionais, ganhos no consumo de insumos, melhora na segurança do operador e melhora na análise geral da gestão da fazenda. Haverá mais informações das operações para que a gestão agroeconômica e financeira seja ainda mais eficaz. As máquinas devem ficar ainda mais inteligentes e ser capazes de tomar decisões. Com isso, a capacitação de mão de obra, e não somente do operador, mas também do agrônomo, do administrador da fazenda e do dono, é essencial. A capacitação ainda está devagar, e é preciso acompanhar essa rápida evolução das máquinas. Todos precisam saber lidar com essa enorme quantidade de dados que os equipamentos fornecem para tomar a decisão certa na hora certa.

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