Pesquisa procurou adaptar culturas de grãos em terras baixas gaúchas e obteve aumento considerável da produtividade
Uma técnica de plantio aplicada nas terras baixas gaúchas foi capaz de garantir uma ótima produtividade da soja na região, caracterizada por solos com deficiência em drenagem natural. Bons resultados foram registrados em estudo de viabilidade do uso do sistema sulco-camalhão, em que a cultura é plantada no trecho mais elevado (camalhão) e os sulcos laterais servem para escoamento da água de drenagem e irrigação e por onde passam os rodados das máquinas. O trabalho foi feito em seis propriedades com lavouras de soja e milho com o objetivo de adaptar culturas de terras altas às terras baixas gaúchas. Os dados obtidos serão divulgados em uma transmissão ao vivo, no dia 16 de junho.
Com a irrigação por sulcos houve aumento, na primeira safra do experimento, de mais de 20 sacas por hectare (sc/ha) em comparação à média de produção da área ao lado, que não usou essa tecnologia. Já na segunda safra o aumento foi de 26 sc/ha. O custo médio pela aplicação da tecnologia de sulco-camalhão ficou em R$ 637,00 sc/ha. Em dois anos de trabalho, a equipe de pesquisadores, técnicos e produtores envolvidos no Projeto Sulco considerou os dados animadores.
“Os resultados têm sido muito bons, gerando estabilidade de produção. No sistema convencional, em anos secos ou de muita chuva, a produção de soja e milho é baixa. Já em anos em que está tudo bem com o clima, produz bem. E no sistema sulco-camalhão do Projeto Sulco temos tido boas produções com estabilidade”, destaca o pesquisador da Embrapa Clima Temperado José Maria Parfitt. O projeto é realizado em parceria público-privada.
Conforme os resultados desse trabalho, ao adubar bem a cultura da soja, é possível alcançar cerca de cinco mil quilos por hectare, com boa estabilidade e usando boas cultivares. Com a cultura do milho não é diferente, é possível chegar à produção de 12 toneladas do grão ano a ano, independentemente das condições climáticas.
“A primeira safra do Projeto (2019/2020) foi extremamente seca, com perdas de produtividade nas lavouras do estado, mas as áreas-piloto de soja irrigada produziram, em média, 20 sc/ha a mais do que as áreas não irrigadas na mesma propriedade, com produtividade média de 66,3 sc/ha. Essa produtividade corresponde ao peso da produção total obtida na colheita, ajustada para a umidade de 13% e descontadas as impurezas”, avalia Parfitt.
Quanto à viabilidade econômica, foi preciso considerar as cotações da época, os custos adicionais para a realização da irrigação e da drenagem por sulco-camalhão, resultando uma média de 3,5 sc/ha, indicando excelente viabilidade econômica do sistema. “Os custos adicionais incluem a suavização, a construção dos sulcos-camalhões, a aquisição dos politubos e o custo da água e energia para irrigação”, ressalta Centeno. Ele enfatiza que a suavização é um investimento, sendo adicionado aos custos na forma de depreciação em cinco anos.
Há pouco tempo foram colhidas as áreas da safra 2020/2021 nas propriedades-piloto do projeto, que apresentaram produtividade mais alta que a da safra anterior. “Um dos produtores parceiros é Geovani Weber, do município de Formigueiro (RS). Ele alcançou 105,8 sc/ha, muito próximo do potencial produtivo da soja em terras baixas do RS, estimado em 107 scs/ha (6,4 ton/ha) pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)”, diz Parfitt.
Apesar de o regime de chuvas da safra 2020/2021 ter corrido normalmente, as áreas irrigadas pelo sistema sulco-camalhão produziram, em média, 23 sacas a mais por hectare do que as áreas de sequeiro do mesmo produtor. “Os custos adicionais para a implantação e execução da irrigação por sulco-camalhão foram um pouco maiores do que na safra anterior e, mesmo com os preços da saca de soja a R $170,00, foram equivalentes a R$683,00 sc/ha. De qualquer forma, o retorno financeiro para o produtor foi excelente”, observa Centeno.
O produtor Weber conta que a sua produtividade girava em torno de 50 sc/ha de soja. “Tinha ano que produzíamos mais e em outros menos, dependíamos muito do volume de chuva, pois o solo encharcava, e dependendo também da seca, não tínhamos condições de fazer irrigação”, conta. Conforme relata, o sistema melhorou a drenagem e a irrigação e, neste ano, o desempenho e produtividade da lavoura-piloto foi surpreendente, com 105,8 sc/ha. Em contrapartida, a área de sequeiro atingiu 70 sc/ha. “Esse sistema implementado pelo projeto trouxe ótima experiência de plantio com o uso do sulco-camalhão, mostrando que funciona perfeitamente. Pretendo fazer esse manejo de plantio em toda minha lavoura de várzea”, confirma.
A tecnologia do sulco-camalhão
Trata-se da construção do camalhão, que provoca a abertura de um sulco no solo. O camalhão constitui a zona de cultivo com solo mais profundo e sem compactação, ideal para o desenvolvimento radicular das culturas, e o sulco, além de ser utilizado para a irrigação e drenagem da lavoura, também é utilizado como zona de tráfego para o rodado das máquinas. Conforme Parfitt, essa técnica, chamada Tráfego Controlado, traz melhorias para outro problema nas lavouras gaúchas: a compactação das áreas de cultivo.
Parfitt conta que o sulco-camalhão tem a forma de um ”telhado”, com ondulações pelas quais corre a água. Na parte alta, o camalhão, é feito o plantio da cultura; e na parte baixa, o sulco, a água corre e passam os rodados do trator ou arado puxado por tração animal.
Como construir
O produtor pode usar as ferramentas disponíveis na propriedade. Essa tecnologia serve tanto para pequenos, como para médios e grandes produtores. “No caso do pequeno produtor, por exemplo, ele pode tentar reproduzir o ‘telhado’, fazer o preparo de toda a terra, passar uma grade e então fazer os camalhões, de modo que os sulcos fiquem no sentido da declividade da área, a fim de que a água excessiva corra por ali e vá embora”, explica Parfitt.
Depois o produtor pode pegar uma aiveca (tipo de arado), puxado por um trator ou por tração animal, como um cavalo, o qual fará dois camalhões por vez. “É uma forma mais simples de fazer o sulco-camalhão, mas fica bem-feito”, comenta o cientista. Para produtores médios e grandes já existem implementos específicos para a construção dos camalhões.
Feito isso, são plantadas com a semeadeira as plantas da cultura desejada, fazendo uma ou duas linhas em cima do camalhão, com espaçamento entre 30 cm e 35 cm. Essa técnica é feita na cultura da soja, milho ou sorgo.
Aplicação no arroz
Recentemente entrou em execução o projeto “Tecnologias para o cultivo de arroz irrigado por sulco em terras baixas do Rio Grande do Sul”, sob a coordenação da pesquisadora da Embrapa Walkyria Scivittaro, o qual está fortemente associado ao Projeto Sulco. O projeto fundamenta-se no aproveitamento da crescente infraestrutura de sulcos e camalhões estabelecida para a produção de soja ou milho nas terras baixas do Rio Grande do Sul para o cultivo subsequente de arroz, caracterizando o sistema irrigado por sulco.
“A adoção desse sistema permite o cultivo de arroz em plantio direto sobre a resteva da soja ou milho, dispensado, portanto, a movimentação do solo para operações de preparo, o que é favorável sob os aspectos técnico, econômico e ambiental”, destaca a pesquisadora. A tecnologia de irrigação do arroz por sulco dispensa a construção de taipas, necessárias para a irrigação por inundação do solo, resultando em economia de combustível, tempo e, principalmente, mão de obra.
O problema
As terras baixas do Rio Grande do Sul abarcam a maior parte de cultivo de arroz irrigado em rotação com pastagens para pecuária extensiva (cerca de 4,5 milhões de hectares). Essas áreas podem dar espaço a outras culturas, como a soja, que tem aumentado sua área de plantio nesse ambiente em torno de 64% em dez anos.
Acontece que a soja tem alcançado médias menores de produtividade, com muita variação por causa das características dos solos de terras baixas dos gaúchos, que apresentam pouca profundidade e baixa capacidade de armazenamento de água. O solo seca de forma rápida durante o período sem chuvas e quando há chuvas intensas, geralmente na época da safra, apresenta deficiência de drenagem. As perdas causadas pelo estresse hídrico são de cerca de 47% do potencial produtivo da soja na região, o que equivale a uma redução de até 3,0 t/ha, segundo estudos feitos pela UFSM.
“Essa é uma situação contraditória, pois ao mesmo tempo em que o produtor tem que lidar com esse regime de excesso ou falta de água, a soja está plantada em uma área que dispõe de uma rede de drenos e canais de irrigação. Não é raro encontrar situações em que a soja está sofrendo por deficiência hídrica, enquanto a água passa ao lado em um canal de irrigação do arroz. Em outros momentos, a soja está afogada em áreas alagadas, a poucos metros de um dreno”, comenta o engenheiro-agrícola Amilcar Silva Centeno, sócio-diretor da Centeno Agro Inteligência Ltda., uma das instituições parceiras do projeto.
Segundo Centeno, vários produtores da metade sul do Rio Grande do Sul vêm tentando encontrar solução para esse dilema. “O que eles têm usado é irrigação por aspersão, que tem alto custo e não resolve a questão da drenagem. Outros estão tentando o uso de irrigação e drenagem superficiais, com a abertura de sulcos e drenos ou mesmo pelo alagamento da área. Muitas têm sido as dificuldades e poucas têm sido as avaliações criteriosas de viabilidade econômica dessas alternativas”, comenta.
Em busca de uma solução, foi feita uma cooperação técnica e financeira entre a Embrapa Clima Temperado (RS), a AGCO do Brasil Soluções Agrícolas Ltda., a Trimble Brasil, a PipeBR, a KLR Implementos e a Centeno Agro Inteligência para implementar o Projeto Sulco.