Renato Conchon, da CNA: “com crise, cresce protecionismo”

 Por Adriana Gavaça

 

Renato Conchon

O agronegócio mostrou, mais uma vez, sua força. Mesmo com os desafios impostos pelo novo coronavírus, o setor seguiu “blindado”, com mais uma produção recorde de grãos na safra 2019/2020. Com outros segmentos da economia sentindo os efeitos perversos das restrições impostas pela pandemia, o agropecuário foi um dos poucos a fechar o ano passado no azul, com um acréscimo aguardado para o PIB do segmento de 9%, em relação a 2019.

De olho na demanda externa e otimista com a abertura de novos mercados, o coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon, acredita que o agronegócio terá mais um ano positivo, apesar de alguns problemas climáticos, principalmente no Sul do País. A alta do dólar, aliada à busca por segurança alimentar, conforme o executivo, devem beneficiar outra vez os resultados da produção de grãos.

A seguir, o executivo traça um panorama para o agronegócio brasileiro, destaca as transformações que ocorreram nos últimos anos – que ajudaram o setor a chegar no patamar atual -, além de listar os desafios para o futuro. Acompanhe:

Ao que se pode atribuir os resultados do agronegócio em 2020? 

Foi um ano extremamente atípico. O setor agropecuário brasileiro, ao longo de 2020, foi agraciado com uma safra de grãos muito boa, novamente recorde, mesmo com alguns problemas climáticos pontuais. Nada que acarretasse em grandes prejuízos. Tivemos um resultado positivo, diferentemente de outros setores. A safra agrícola foi plantada no final de 2019 e início de 2020, portanto, antes do início da pandemia. Os outros setores (industrial, comercial e de serviços) tiveram que parar por conta do distanciamento social e isso acarretou em retração econômica, enquanto o setor agropecuário não parou. Ele foi tratado como atividade essencial, uma vez que o que estava plantado não poderia deixar de ser colhido. E era preciso fornecer alimento tanto para a população brasileira quanto para a população mundial. 

O Agro não para e não parou nem mesmo com a pandemia…

Exatamente. Com isso, devemos ter um crescimento em participação do setor agropecuário frente ao PIB nacional. Em 2019, 21% do valor correspondia ao agronegócio, ou seja, 21% de tudo que foi produzido no Brasil vinha do agronegócio. Em 2020, esse percentual deve chegar a 24%. Isso significa que quase um quarto de tudo que o Brasil produz hoje passa pelo campo.

O que esperar de 2021?

Esperamos por mais uma boa safra. Olhamos com atenção o desenrolar de efeitos climáticos regionais, que poderão impactar a produção, como a seca provocada por chuvas abaixo do esperado na região Sul do Brasil. Isso poderá levar a uma queda na produção agrícola em alguns lugares, reduzindo as estimativas previstas anteriormente. Mas, ainda assim, esperamos que o setor agropecuário brasileiro tenha uma boa safra e um bom ano, favorecido pelo volume produzido e pelos preços em alta no mercado internacional. Será um ano de transição, em que lutaremos para sair da crise da pandemia. Ainda assim temos condições de registrar crescimento, tanto no mercado interno quanto no internacional. 

Como se comportou o mercado externo em meio à pandemia?

O mercado externo foi pujante ao longo de 2020, muito por conta dos efeitos da pandemia nos principais países produtores de alimento do mundo. Alguns não conseguiram colher as suas produções e o Brasil aproveitou para vender parte da sua produção e isso fez com que o mercado internacional realmente fosse destaque, com vendas para locais em antes não atuávamos. 

Dá para avançar mais, mesmo com a adoção de políticas protecionistas por alguns países? 

Realmente esse é um grande desafio, porque nós observamos que o protecionismo é mais intenso em períodos de crises econômicas, como a que estamos vivendo por conta da pandemia do coronavírus em todo o mundo. É natural que, em momentos como esses, os países se tornem mais protecionistas a fim de resguardar a sua produção nacional. No entanto, observamos uma diferenciação, ao longo de 2020, em que, mesmo diante de uma crise econômica de proporções mundiais, o Brasil conseguiu ampliar sua participação e exportar produtos para o mundo todo. É um desafio que veio para ficar, mas o Brasil tem um diferencial que é produzir produtos, tanto agrícolas quanto pecuários, com garantia de sustentabilidade e segurança alimentar, que atendem aos pré-requisitos de abertura de novos mercados no mundo todo. 

Tanta demanda pressiona por mais área plantada?

A produtividade, a tecnologia e a inovação foram fatores fundamentais para que chegássemos ao patamar que nos encontramos hoje. O crescimento da safra agrícola, por exemplo, vai ao encontro principalmente dos resultados de investimento em pesquisa e desenvolvimento ocorrido nos últimos anos. Se observarmos isso, veremos que é possível ampliar a produção agropecuária sem a necessidade de abertura de novas fronteiras agrícolas, somente através de investimentos. 

Qual será o novo normal para o agro?

Acreditamos que o novo normal para o agro será cada vez mais intenso do ponto de vista da exigibilidade dos consumidores por sustentabilidade.  O Brasil tem esse diferencial e precisa vender melhor essa imagem, porque o nosso Código Florestal é exemplo para todo o mundo. Esse novo normal vai exigir do setor agropecuário, não só o brasileiro, mas, sobretudo nesse quesito, que o produtor rural, que o setor agropecuário tenha rastreabilidade, tenha consciência social e tenha a consciência ambiental cada vez maior, e isso nós temos. O que precisamos é reverberar para os consumidores de todo o mundo as boas práticas que adotamos aqui no Brasil já há algum tempo. 

O Brasil tem feito bem a lição de casa?  

Nos últimos anos, a adoção de um conjunto de fatores fez com que o Brasil atingisse um patamar de excelência na produção agropecuária mundial. Primeiro, teve a questão da pesquisa e desenvolvimento, como a realizada pela Embrapa, de culturas adaptadas para o cerrado brasileiro. Isso promoveu o crescimento no Centro-Oeste e tornou a região celeiro na produção de alimentos. Outro fator, foi a política agrícola adotada na década de 60 e 70, de fomento financeiro. A política de subvenção ao prêmio do seguro rural, que é mais recente; a equalização das taxas de juros; a criação de novos papéis financeiros, fizeram com que o setor tivesse recursos disponíveis para fomentar a pesquisa, o desenvolvimento, a aplicação em investimento e o custeio por parte dos produtores rurais. Por último, existe a questão da logística. Mesmo que de uma maneira um pouco mais atrasada e deficitária, houve avanços. Temos de enaltecer um conjunto de fatores que foram determinantes para trazer o Brasil no patamar em que estamos hoje, de ser um dos principais países produtores de alimentos em todo o mundo. 

Quais são os próximos desafios? 

O setor agropecuário brasileiro vai precisar cada vez mais de recursos tanto para custeio quanto para investimento agropecuário. As modalidades mais tradicionais de recursos estão exauridas como crédito oficial, a exemplo da subvenção da equalização da taxa de juros promovida pelo Plano Safra. O que precisaremos, de alguma maneira, é ampliar os recursos destinados ao financiamento e ao fomento da atividade agropecuária. Outro fator determinante para essa projeção, para que tenhamos condições de dobrar a produção, é o investimento em pesquisa e em desenvolvimento, por exemplo, que permita a migração de pastagens degradadas para áreas de pastagens produtivas ou agrícolas. Falamos, inclusive, da  conectividade no campo para ampliação de novas ferramentas que propiciem gestão tecnológica dos produtores rurais, não somente no escoamento de ferrovias, rodovias e portos, mas em infraestrutura de redes para administrar, para fazer com que promova o crescimento da produção e do escoamento da safra agropecuária. A questão da conectividade vai ser um fator preponderante nos próximos anos para alavancar e fazer a produção agropecuária se multiplicar.

Que papel a mecanização agrícola desempenha nesse processo?

A mecanização agrícola contribui como fator para o aumento da produtividade total dos fatores. O investimento em mecanização é visível quando observamos, por exemplo, os dados dos censos agropecuários desde 1950 até último censo agropecuário de 2017, e percebemos a ampliação do número de tratores, como também o aumento da produtividade per capita de cada estabelecimento agropecuário por conta do investimento em fatores tecnológicos, como a mecanização. Essa mecanização é que faz com que os produtores ampliem a sua produtividade, mesmo em áreas que anteriormente não estavam aptas ou tão boas para o desenvolvimento da agropecuária. É ela que permite ao produtor ampliar a produtividade per capita das suas áreas. A mecanização vai ainda ao encontro das necessidades que nós observaremos nos próximos anos, no sentido de produzir mais nas mesmas áreas. Isso agrega um fator de produtividade muito positivo para o setor agropecuário e para a sociedade brasileira.

E quanto às tecnologias embarcadas nas máquinas e em processos de gestão?

O investimento, o uso de tecnologias embarcadas em máquinas como tratores, colhedoras, plantadoras, alavancarão a produção agropecuária no sentido de fazer com que mais produção seja realizada em uma mesma área. Essa tecnologia permitirá que a agricultura de precisão, por exemplo, seja disseminada de uma maneira geral em todas as propriedades agropecuárias brasileiras. Para isso, além do uso de tecnologia, nós teremos a necessidade de uma maior conectividade no campo, porque sem conectividade o setor agropecuário realmente vai ficar à mercê de uma tecnologia obsoleta. A conectividade no campo, a utilização de big data, de grande volume de informações, trará o desenvolvimento para a atividade agropecuária brasileira e propiciará um investimento e um retorno por parte dos produtores rurais brasileiros.

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