Conheça as normas técnicas e de segurança dos tratores agrícolas

Por Luciana Fluery

A indústria de máquina agrícolas trabalha em ritmo de constante inovação, com foco na melhora da produtividade e desempenho. O trator, por exemplo, é um dos equipamentos agrícolas que mais passa por renovações. Por esse motivo, a normalização para esse tipo de máquina deve passar por aprimoramento recorrente para garantir a segurança e a saúde ocupacional dos operadores.

Atualmente, estão em vigor 57 textos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), versões em português de normas internacionais, com o foco específico no trator. “O arcabouço normativo é bastante completo. Se um novo fabricante entrar no mercado buscando atender as normas em vigor, conseguirá entregar um trator de ótima qualidade”, comenta Luís Eduardo Accordi Ferrari, gerente de Assuntos Regulatórios para América Latina da John Deere.

Além de possuir o maior número de normas entre os maquinários, o trator também foi pioneiro nesse sentido. Registros da ABNT apontam que é de 1969 o primeiro texto normativo do segmento, a ABNT MB 484:1969 com o título “Método de ensaio de tratores agrícolas”. Após passar por revisões e novas versões, ela foi substituída por normas da International Organization for Standardization (ISO) que contemplam os requisitos das versões anteriores. No entanto, só com o estabelecimento do Comitê Brasileiro de Tratores, Máquinas Agrícolas e Florestais da ABNT (CB 203) e da criação da Comissão de Estudos de Tratores Agrícolas e Ensaios Comuns, em 2013, que o ritmo de adoção das normas internacionais ganhou fôlego no Brasil, chegando ao nível atual e melhorando a qualidade dos equipamentos. “As normas técnicas vieram se somar ao esforço dos auditores do Ministério do Trabalho que fizeram um trabalho de longo prazo com os fabricantes; inspeções realizadas em eventos como a Agrishow, por exemplo, geravam laudos de adequações para itens obrigatórios para o atendimento à NR-31 (Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura) e à NR-12 (Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos)”, lembra Ila Maria Corrêa, engenheira agrícola e pesquisadora aposentada do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e que atuou por 36 anos em comissões de estudos na ABNT.

Ila destaca, dentre os textos em vigor voltados para tratores agrícolas, as normas relativas à segurança como a ABNT NBR ISO 26322, Partes 1 e 2, que especifica os requisitos gerais de segurança e sua verificação para o projeto e construção de tratores tanto convencionais quanto pequenos e de bitola estreita; as normas relativas aos métodos de ensaio de estruturas de proteção na capotagem, estabelecendo procedimentos, definindo uma zona de segurança e condições de aceitação (ABNT NBR ISO 5700 e ABNT NBR ISO 12003, Partes 1 e 2); e a norma relativa aos cintos de segurança de retenção pélvica, com requisitos de localização e de resistência das ancoragens (ABNT NBR ISO 3776, Partes 1 e 2).

Outro ponto ressaltado por Ila são os textos que tratam dos acoplamentos, fundamentais para compatibilidade equipamentos de diferentes marcas. Neste quesito, estão as normas sobre a tomada de potência, que versam sobre dimensões, rotações e localização dos quatro tipos de tomada de potência (série ABNT NBR ISO 5000); as relativas ao engate de três pontos, que abordam dimensões e outros requisitos para todos os tipos de engate de implementos no trator (série ABNT NBR ISO 730) e as que determinam especificações para os acopladores do engate de três pontos (série ABNT NBR ISO 11001). Também fazem parte desta lista a ABNT NBR 7811, que padroniza as dimensões, a localização e as cargas verticais estáticas para barra de tração e a ABNT NBR ISO 5675, relativa aos engates rápidos hidráulicos, utilizados para transmitir potência hidráulica dos tratores aos implementos agrícolas.

Trabalho contínuo
Apesar da ampla abrangência das normas em vigor, o trabalho de normalização é contínuo. Por regra, todo texto internacional deve passar por revisão a cada cinco anos para garantir a atualização frente às inovações do mercado, processo que envolve todos os países participantes da ISO. As demandas brasileiras têm feito parte das discussões. “O Brasil solicitou a revisão da norma ISO 23205, sobre assento instrucional em tratores agrícolas em 2012 e liderou esta revisão até sua publicação em 2014”, diz Ferrari, da John Deere. A existência de um assento instrucional possibilita que um instrutor, aprendiz ou técnico de manutenção acompanhe o operador para orientação, aprendizagem ou identificação de problemas com o maquinário com segurança. A revisão aprimorou os requisitos de segurança e ergonomia.

Além das revisões, a Comissão de Estudos de Tratores Agrícolas e Ensaios Comuns do CB-203 continua com seu trabalho de tradução de normas internacionais para a adoção por aqui. Um exemplo é a entrada em vigor, em agosto de 2018, da norma ABNT NBR ISO 5721-1, que trata dos requisitos, procedimentos de ensaio e critérios de aceitação para o campo de visão do operador, sendo que a Parte 1 aborda o campo de visão dianteiro e a Parte 2 os de visão lateral e traseiro. “A determinação de campos de visão é de suma importância. Basta lembrar que o operador do trator está elevado em relação ao solo e, em alguns casos, dentro de uma cabine que abafa alguns sons externos, além de próximo a um motor que gera ruído. Em função disso tudo, ele precisa ter uma visão clara do que está a seu redor, para evitar acidentes”, explica Ferrari. “Desta forma, os projetos devem prever áreas de visão livres. Um cano de escape, por exemplo, não pode estar posicionado de maneira a bloquear a visão do operador”.

Ferrari lembra, ainda, da Parte 4 da ABNT NBR ISO 789, de janeiro deste ano. “O texto descreve como devem ser os procedimentos de ensaio para medição da fumaça de exaustão emitida pelos motores dos tratores operando em velocidade constante”, diz. Segundo ele, a padronização é importante para garantir que todos os fabricantes realizem os testes da mesma forma, inclusive apresentando os resultados com as mesmas métricas, possibilitando comparações. A norma também serve de parâmetro para legislações que visam limitar emissões.

Impacto no campo
O gerente agrícola do Grupo Agro Alberti, Lauro Antunes Neto, costuma considerar vários pontos cruciais, no momento da compra do maquinário agrícola. O atendimento dos fabricantes às normas técnicas não é um dos critérios fundamentais. “Este tipo de informação, sobre como o teste de uma plataforma de trator é feito ou se determinada empresa realiza este teste, não chega para nós”, comenta. “A preocupação maior é se o equipamento permite o atendimento às normas reguladoras, como por exemplo, a existência de cinto de segurança ou de corrimão para acesso à cabine”.

Com 25 anos de atuação profissional, ele é testemunha da evolução da segurança de equipamentos como os tratores agrícolas. Muitos desses aprimoramentos vieram de requisitos estabelecidos em normas. “Hoje, são inúmeros os alarmes para sinalizar o operador; se ele não coloca o cinto de segurança ou levanta do assento sem acionar o freio de mão”, exemplifica Neto. Ele destaca ainda as proteções de parte móveis, elementos também disseminados pelas normas técnicas. “Conversamos e ministramos treinamentos com o pessoal operacional para reforçar a importância das proteções, que dificultam no momento de realizar as manutenções, pois é necessário a retirada destes componentes para ter acesso às correias, por exemplo. Precisamos, com muito treinamento, reiterar que elas estão lá para evitar acidentes”, explica.

Neto gerencia uma frota de 35 tratores, nove colheitadeiras, seis pulverizadores, além de plantadeiras, semeadeiras e outros equipamentos, espalhados em fazendas no Paraná que somam de 7 mil e de 10 hectares e produzem soja, milho, feijão, trigo e aveia. Para ele, o fator chave para a escolha de que marca adquirir é o custo da manutenção. O avanço da agricultura de precisão vem, no entanto, criando novas situações e demandando análises mais apuradas, especialmente em relação à compatibilidade dos sistemas eletrônicos. “É o caso do monitor do trator, que não transfere dados para o monitor de uma plantadeira de outra marca”, comenta. A incompatibilidade faz com que informações importantes, como a população de sementes que está sendo lançada por metro, o aviso de falha em algumas das linhas, dados de quantos hectares já foram plantados e o rendimento operacional, deixem de ser apresentadas para o operador. A solução é adquirir o trator e a plantadeira da mesma marca ou adquirir um outro monitor, encontrando uma forma de instalá-lo no trator e contar que o operador consiga trabalhar com dois monitores – um com informações do trator, outro apresentando os dados da plantadeira – correlacionando as estatísticas. “Já que as normas visam à padronização, bem que poderia haver uma que abordasse este tema, promovendo a integração de sistemas de fabricantes diferentes, não?”, pergunta Neto.

A questão, porém, é que já existem normas para isso. Elas são o foco da Comissão de Estudos Comunicação Eletrônica e Embarcada, responsável pelas traduções dos textos normativos publicados no âmbito do ISO/TC 23/SC 19 Agricultural Electronics. “A principal norma que trata deste tema é a ABNT NBR ISO 11783, com 14 partes, a maioria delas já adotadas no Brasil”, explica Leoni de Souza Leite, chefe de secretaria do CB-203. “No entanto, vale lembrar que todas as normas técnicas, ao contrário das normas regulamentadoras, são de adesão voluntária e a decisão de utilizá-las em seus projetos cabe exclusivamente aos fabricantes dos maquinários e implementos”, conclui.

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