Como a mecanização agrícola afeta a fertilidade do solo
*Por Profa. Dra. Adriana Pereira da Silva / Dr. Afonso Peche Filho, Dra. Amanda Leticia Pit Nunes/ Prof. Dr. Ricardo Ralisch
Estamos de volta, agora para tratar dos efeitos das operações agrícolas no solo. Tecnicamente, esse assunto é tratado como impactos ambientais da mecanização. Estes impactos também podem ser sociais e econômicos e podem resultar em respostas positivas ou negativas. Por motivos óbvios e intuitivos buscamos que estes impactos sejam sempre positivos, mas como saber?
Dentre os impactos ambientais causados pela mecanização, os incidentes no solo são os mais importantes, pois afetam diretamente a água, a atmosfera e a biodiversidade. Quando se altera a capacidade de infiltração e de retenção de água no solo, afetamos diretamente no ciclo hidrológico, ou seja, como a água circula na atmosfera, no solo e na superfície da Terra.
É importante considerar que não se “cria” mais água, seu volume é constante no planeta. Deste modo, afetar seu ciclo significa impactar sua disponibilidade e qualidade. Assim funciona com todos os demais elementos químicos da natureza, estes são reciclados e não gerados e é o que consta na Lei de Lavoisier: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
O efeito estufa e as mudanças climáticas, que são tão mencionados ultimamente, têm nas mudanças do uso do solo uma das maiores contribuições nas emissões de carbono para atmosfera. Dentre estas mudanças estão as causadas pelas operações agrícolas de preparo do solo, que ao mobilizá-lo liberam o carbono que está fixado na superfície do solo em forma de matéria orgânica.
O carbono deve ficar no solo, para preservar a fertilidade e sua funcionalidade e, consequentemente, garantir a produtividade agropecuária. Finalmente, o impacto da mobilização do solo afeta sua biodiversidade, o mais importante dos recursos naturais. O solo tropical fértil, na sua camada superficial, é o ambiente com a maior biodiversidade do planeta, que é o principal componente da fertilidade do solo. Amplo, não é? Pois bem, todos que se interessam pela mecanização agrícola devem dar especial atenção aos seus impactos no solo, para o bem de todos.
Fertilidade e qualidade do solo
Fertilidade, deriva do latim fertilitate traduzido como a capacidade de se produzir com facilidade, que evoluiu para definir a fecundidade, se referindo a produzir vida. Logo, passemos a considerar que um solo fértil é o solo que gera vida! As plantas precisam de disponibilidade de nutrientes, ar e água no solo para atingirem seus potenciais produtivos. Ar e água se encontram na porosidade.
Os nutrientes acabam sendo extraídos pelas plantas por uma sinergia com o solo muito mais complexa do que se considerou por muito tempo. A importância dos teores mínimos e adequados de Matéria Orgânica do Solo (MOS), para esta dinâmica dos nutrientes já é amplamente reconhecida. A MOS deriva da decomposição e mineralização de material orgânico. O principal material orgânico em volume são os resíduos vegetais, tanto da parte aérea como das raízes.
Para termos MOS, precisamos ter muitas plantas sobre o solo e muitas raízes dentro do solo. Além da quantidade de plantas é preciso contar com ampla diversificação de espécies vegetais nas áreas de cultivo, para que existam diferentes sistemas radiculares atuando no solo e diferentes composições químicas dos resíduos destas plantas, contribuindo com a cobertura do solo e com a reciclagem de nutrientes.
Para todo este material se decompor precisamos ter intensa atividade biológica no solo. Esta atividade biológica é composta, principalmente, por insetos, oligoquetas (minhocas), ácaros, protozoários, fungos e bactérias, que se alimentam destes resíduos, na maioria vegetais, liberando nutrientes para as plantas. Eis por que hoje se considera que a fertilidade e a saúde do solo são consequências da sua biologia. As propriedades químicas e físicas deste solo favorecem ou desfavorecem a biologia, portanto a fertilidade.
A qualidade do solo é um conceito que vem ganhando cada vez mais importância. Este conceito vai além da quantificação de algumas propriedades químicas, físicas ou biológicas; ela reflete a capacidade do solo em desempenhar suas funções no ecossistema: ciclagem de nutrientes, filtragem, tamponamento e transformação de substâncias, sustentação para todas as atividades humanas e, a mais importante, a produção vegetal, base de toda a cadeia alimentar! Se pretende enfatizar esta amplitude funcional do solo com o conceito de “saúde do solo”, que é o centro do tema de hoje.
É muito difícil termos impactos positivos da mecanização no solo e o que devemos buscar é que estes sejam o menos negativo possível.
Estrutura do Solo
Do ponto de vista do manejo de uma atividade agropecuária, o componente do solo que mais afeta a sua fertilidade, alterando sua qualidade e saúde é a Estrutura do Solo. Ela é antrópica, pois é alterada e afetada pela ação humana através do manejo do solo e das culturas, sendo diretamente impactada pela mecanização agrícola.
O solo tem também a estrutura pedológica, usada para o classificar e que depende diretamente dos minerais que fazem parte de sua composição e de sua textura. Adotamos a terminologia Estrutura do Solo para distinguir da estrutura pedológica e para incorporar os conceitos de fertilidade, qualidade e saúde do solo. A Estrutura do Solo pode ser explicada como a forma com a qual os agregados e os torrões do solo se organizam, formando a porosidade entre eles. Os agregados são formados pelas diferentes proporções de areia, silte e argila, típicas da textura de cada solo e matéria orgânica.
Na Figura 2 se visualiza uma camada superficial de solo agrícola, com sua Estrutura do Solo preservada e alta fertilidade. Um solo ideal hipotético tem 50% do volume com porosidade, por onde circulam água e ar, fundamentais para a atividade biológica do solo, para as raízes e, consequentemente para as plantas e para a fertilidade. A água circula pelos macroporos, cerca de 17% do volume e o ar pelos microporos, cerca de 33%, dependendo da textura.
Esta estrutura é construída pela atividade biológica e preservada pela MOS. Portanto, a Estrutura do Solo, principal componente da fertilidade do solo, é uma consequência desta fertilidade, fechando o ciclo simbiótico que temos num solo e que é fundamental para os demais ciclos dos elementos químicos presentes na natureza. Por isso que tais ciclos são chamados de biogeoquímicos da Terra.
A boa estrutura no solo proporcionada pela atividade biológica, como os canais, orifícios e galerias formados pelas raízes e pela macrofauna, propicia condição de maior e melhor enraizamento das plantas, que ao crescerem liberam exsudatos, que são diversos tipos de substâncias no solo, que alimentam os microorganismos como fungos e bactérias, que se associam às raízes, aumentando sua capacidade de absorção e de crescimento das plantas, alimentando o solo e os demais seres vivos.
Modificações na estrutura do solo afetam diretamente o ambiente onde se encontram os microrganismos, que são considerados componentes importantes dos sistemas agrícolas, pois esses regulam a taxa de decomposição da matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes no solo. Eis aqui a interface da fertilidade do solo com a mecanização, pois a Estrutura do Solo, muito vulnerável, é o primeiro e principal componente do solo a ser afetado e impactado pela mecanização, que, na maior parte das vezes, é negativo. Resulta na destruição dos agregados, provocando profundas modificações no comportamento físico do solo. De imediato reduz a produtividade das culturas e pode tornar os efeitos dos veranicos e erosivos das chuvas ainda mais acentuados.
Mecanização e manejo do solo
Passemos então a considerar como Mecanização Conservacionista aquela mecanização racional que reduz o impacto negativo sobre a Estrutura do Solo. Para tanto, ao optar por uma operação agrícola, deve-se atentar à real necessidade desta operação, definindo claramente que tipo de ação ou efeito se pretende com ela e com que implemento se atingirá este objetivo, levando em consideração qual o tipo e condição do solo que se realizará a operação.
Deve-se definir quais são as condições operacionais, como regulagens, lastros e velocidade e ambientais, como temperatura, umidades do ar e do solo e vento, são as mais adequadas e quais destas condições devem ser evitadas e que levem a interrupção da operação, se for o caso.
Com esta postura gerencial, teremos menor impacto negativo da mecanização. A consolidação do Sistema Plantio Direto, reconhecido mundialmente como o fundamento da Agricultura Conservacionista e a base para a sustentabilidade, demonstra isto ao propor que se reduza drasticamente as operações agrícolas e que se adote a mínima mobilização do solo, necessária para a implantação das culturas, como um de seus pilares, reduzindo a agressão direta na Estrutura do Solo.
Os impactos da mecanização na Estrutura do Solo são a compactação e a desagregação, que contribuem com a erosão, consequência direta do mal uso de máquinas e que empobrece os solos, contamina, polui e assoreia as águas superficiais. A compactação é a redução proporcional do volume dos macroporos em relação ao volume de solo avaliado, que pode ser devido a uma deformação do solo causado por uma compressão.
O tráfego de máquinas é o exemplo típico. Pode ser causada, também, por uma redistribuição ou reorganização dos torrões do solo, com os menores, gerados por alguma operação agrícola que rompa esses torrões, ocupando os espaços porosos existentes entre os maiores, reduzindo a proporção de macroporosidade sem necessariamente reduzir o volume do solo. Os efeitos das hastes sulcadoras das semeadoras ilustram este resultado, que são degradações da estrutura do solo, reduzindo sua fertilidade, não adiantando suprir com mais fertilizante químico, pois não haverá resposta e ainda pode piorar a estrutura.
A MOS atenua estes efeitos por deixar a estrutura do solo menos vulnerável, atuando como um amortecedor entre os agregados do solo, diminuindo a deformação e reforçando as ligações entre os agregados, aumentando sua estabilidade e a resistência desses aos efeitos das operações de alguns implementos. A desagregação do solo é mais grave.
Causada pelo atrito que ocorre entre a ferramenta de um implemento agrícola com o solo e mesmo do solo com o solo, na passagem desta ferramenta, numa condição de compactação prévia. Esta compactação aumenta a coesão entre os agregados do solo, pelas reduções da porosidade e dos teores de MOS, concentrando a energia do atrito da passagem das ferramentas de um implemento nos agregados, rompendo-os em agregados pequenos ou partículas, cujo efeito é a redistribuição destas partículas e agregados entre os agregados e torrões do solo, compactando-o em níveis mais graves que os anteriores em curto espaço de tempo.
Um volume grande de solo desagregado, como uma camada de 2 a 3 centímetros, por exemplo, tem excesso de porosidade, deixando o solo muito vulnerável à erosão, reduzindo a retenção e a reserva de água e, finalmente, oxidando a MOS presente na estrutura do solo, convertendo o carbono (C) em CO2, emitindo-o para a atmosfera. Esta degradação da estrutura é o mais grave efeito da mecanização no solo e no ambiente, devendo ser evitado. Uma evidência grosseira desta ocorrência é o pó do solo liberado pela operação agrícola, quanto mais pó, pior para o solo.
Mas não devemos confiar só nesta indicação, pois a não emissão de pó não significa necessariamente que não há agressão ao solo de outra forma, como deformando sua estrutura e compactando o solo, quando se realizam operações com excesso de umidade no solo.
Parâmetros
Ressalta-se que a compactação e a desagregação do solo são degradações da sua estrutura, com efeito acumulativo. Trata-se de uma questão de forças, já que a energia despendida por uma operação agrícola é muito maior do que a resistência da Estrutura do Solo. São parâmetros muito variáveis em função de tipo e condição do solo e características dos equipamentos agrícolas. Porém um bom parâmetro para verificar se as condições do solo estão adequadas para receber as diferentes operações agrícolas, é sua consistência.
Trata-se de uma propriedade que pode ser avaliada a campo, portanto, sendo afetada pela umidade do solo ou teor de água no solo. Respeitar estes parâmetros de umidade do solo para as diferentes operações agrícolas contribuem para que haja resiliência do solo, ou seja, a capacidade da Estrutura do Solo se recuperar depois de uma alteração.
Considerando que esta estrutura do solo é, e só pode ser formada, construída e reconstituída pela atividade biológica, que depende diretamente da existência contínua de raízes abaixo da superfície do solo e de resíduos vegetais na superfície, deve-se adotar uma estratégia no manejo das culturas, com fornecimento de muitas e variadas raízes ao solo, adotando rotações de culturas, com grande volume de biomassa vegetal na superfície do solo com culturas de cobertura, que não casualmente são os outros dois princípios do Sistema Plantio Direto, além do mínimo revolvimento do solo, já citado.
Não há nenhuma operação agrícola que faça Estrutura do Solo, logo não há máquina que descompacta o solo. Na melhor das hipóteses, quando executada adequadamente, a operação agrícola pode favorecer a atividade biológica para uma recuperação mais rápida da Estrutura do Solo. Sendo assim, qualquer operação agrícola que se opte por fazer visando a restauração da Estrutura do Solo, deve vir acompanhada de uma eficiente estratégia de introdução de abundante quantidade de raízes no solo para fortalecer a atividade biológica.
A atividade biológica do solo afeta e é afetada pelo enraizamento das plantas, por isto que adotamos as raízes como um indicador básico desta atividade biológica, sendo de fácil visualização e percepção por qualquer pessoa interessada. Monitoramento É fundamental acompanhar como evolui a Estrutura do Solo das áreas agrícolas, para que se adotem as medidas necessárias, manter ou corrigir as estratégias de produção. É impossível separar as operações agrícolas do sistema de produção adotado, pelos motivos citados acima.
Portanto, o que sugerimos é que se façam avaliações periódicas nas áreas ou glebas de produção e procurem relacionar os efeitos identificados com as ações realizadas, sejam as operações agrícolas ou as práticas culturais ou manejo das culturas. A melhor metodologia para se avaliar as estruturas do solo se chama Perfil Cultural, que avalia a distribuição das diferentes estruturas do solo numa parede, ou perfil de solo de uma trincheira aberta nas áreas avaliadas.
A identificação destas estruturas segue um procedimento e critérios específicos, que dão confiabilidade e comparabilidade à avaliação. Há no box anterior, um link em que se pode obter uma publicação sobre esta metodologia adaptada para o Brasil. Uma derivação desta é o DRES, Diagnóstico Rápido da Estrutura do Solo, metodologia publicada recentemente e que se baseia nos resultados avaliados durante 30 anos com Perfil Cultural e se propõe a fazer uma avaliação rápida e superficial, que pode ser empregada para avaliar a evolução destas estruturas e definir onde serão feitas as avaliações mais aprofundadas, com Perfil Cultural.
A vantagem do DRES, além da rapidez, é a possibilidade de se documentar e quantificar os resultados. As Figuras 11 e 12 trazem duas amostras do DRES avaliando os efeitos de dois sistemas de manejo num mesmo solo da região de Dourados, MS. É preciso dizer qual é o melhor? Além da avaliação, a metodologia permite dar uma nota para facilitar a documentação. Trouxemos neste artigo alguns parâmetros fundamentais sobre um tema muito complexo.
Nossa intenção é aguçar o interesse das pessoas envolvidas na mecanização para que atentem aos parâmetros do solo, tão importantes, e continuem a se informar para tornar as operações agrícolas mais eficientes e duradouras. Agricultura moderna se caracteriza por adoção de tecnologias respeitando o ambiente de produção agropecuária. Uma Mecanização Conservacionista colabora para que haja maior rentabilidade da atividade no longo prazo, o que interessa a todos. Colabore com esta discussão, enviando suas sugestões. Cuidem de todos cuidando do solo. Boas safras!
*Profa. Dra. Adriana Pereira da Silva 1, Dr. Afonso Peche Filho 2, Dra. Amanda Leticia Pit Nunes 3 e Prof. Dr. Ricardo Ralisch 1
1- Universidade Estadual de Londrina, Depto Agronomia 2- Instituto Agronômico de Campinas 3- Total Biotecnologia – Biotrop
Artigo originalmente publicado na Revista Máquinas & Inovações Agrícolas – Ed. 58 (Jul/Ago 2020)