As principais tendências no desenvolvimento de novas máquinas agrícolas, como sensores capazes de monitorar não apenas os equipamentos, mas as condições da lavoura
Por Leonardo Gottems – A necessidade de produzir mais alimento em nível global aumenta a cada ano. À medida que a população mundial cresce, a atividade agrícola se mostra cada vez mais necessária – e rentável. Aumentar a área plantada já não é mais viável por diversos fatores. Primeiro, são poucos os lugares no mundo onde existe terra cultivável ainda por explorar. Segundo, há uma grande pressão sobre os governos para assumirem o compromisso de desmatamento zero em prol do meio ambiente. Por fim, mas não menos importante, vem a lucratividade, ou seja, produzir mais com menos. Neste cenário, a alternativa mais viável e promissora é a tecnologia. Há cada vez mais máquinas agrícolas, sistemas, equipamentos e soluções inteligentes para ajudar o produtor rural a aumentar seu desempenho com maior rentabilidade e eficiência. De acordo com Marcos Ferraz, presidente da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (AsBraAp), as máquinas atuais já estão bastante avançadas nesse quesito.
“Já são bastante consolidadas as tecnologias de controle e monitoramento dos processos da operação, como o piloto automático que dirige a máquina da melhor forma, ou os controladores que regulam as doses aplicadas ou os processos envolvidos de forma automatizadas e o rastreamento ou telemetria das operações, garantindo que elas sejam executadas conforme o recomendado”, explica.
A grande novidade que vem ganhado escala é o monitoramento da lavoura e as tomadas de decisão em tempo real. A máquina não irá apenas seguir uma recomendação prévia, mas gerar a própria recomendação através de sensores e sistemas capazes de monitorar não somente a máquina, mas as condições da lavoura. “Um exemplo são os sensores de planta embarcados que são capazes de tomar a decisão de aplicar um defensivo de forma localizada ou mesmo monitorar o vigor da plantação e, assim, tomar uma decisão de aplicação em doses variáveis. Semeadoras com sensores que estimam o potencial produtivo do solo, e tomam a decisão sobre qual a melhor taxa de semente, também serão uma tendência no futuro próximo”, completa.
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Agricultura 4.0 e internet nas máquinas agrícolas
Segundo o pesquisador Ricardo Inamasu, presidente do Comitê Gestor do Portfólio Automação, Agricultura de Precisão e Digital da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), as inovações são tão rápidas que a cada ano as máquinas incorporam novas tecnologias. E isso, de acordo com ele, só é possível com a internet, que cada vez chega com mais força no campo.
“As máquinas agrícolas, a cada ano, têm incorporado novos elementos como sensores, atuadores e comandos eletrônicos. O que, talvez, diferencie de forma substancial, é a conectividade com a internet. Essa conexão traz potencial de integrar dados com demais sistemas, trazendo maior eficiência não apenas nas operações realizadas no campo, mas aumentando a capacidade de gestão da fazenda”, comenta.
Para Junior Garlet Osmari, integrante do Laboratório de Agrotecnologia (Agrotec) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a chamada Agricultura 4.0 é a principal dessas tecnologias embarcadas nas máquinas agrícolas. “Ela é caracterizada pela conectividade entre as máquinas da frota, banco de dados, ferramentas de gestão e meteorologia”, indica Osmari.
“As máquinas há tempos são equipadas com sensores e geram dados, porém, atualmente transmitem informações em tempo real sobre o tipo de operação, produtividade, localização, velocidade, consumo de combustível e falhas apresentadas. Isso tudo é monitorado pela gestão da propriedade, que analisa dados e toma decisões mais assertivas, bem como a concessionária de máquinas monitora as condições de funcionamento, falhas e período de operação, diminuindo o tempo de diagnóstico de erros e antecipando manutenções”, diz ele.
Eletrificação e robótica
Outro exemplo de tecnologia é a eletrificação que, para Inamasu, vem avançando de forma muito promissora, já que, além de apresentar eficiência no uso de energia, traz a vantagem da facilidade de ser controlada digitalmente. “Já é bastante comum o uso de motores elétricos substituindo os motores hidráulicos ou atuadores mecânicos nas máquinas agrícolas em geral.
A substituição do motor a combustão por elétrico ainda não é realidade para a agricultura. Mas existem empresas, inclusive brasileiras, já trabalhando neste tema inicialmente para potências menores e para mercados como o de transporte em aeroportos. A tendência é iniciar na agricultura à medida que esses motores vão se tornando mais robustos e eficientes”, complementa Ferraz.
De acordo com Osmari, praticamente todas as funções citadas nessa reportagem, bem como tecnologias embarcas em máquinas agrícolas, têm apoio na eletrônica.
“Apesar de exigirem manutenção complexa e qualificada e aparentar fragilidade, os sistemas eletrônicos são cada vez mais ‘blindados’ contra as adversidades do campo, e, sem dúvidas, são uma solução compacta e efetiva. Inclusive observa-se fabricantes substituindo sistemas de transmissão de força e potência mecânicos e hidráulicos por sistemas elétricos, não se limitando mais a sensores e acionamentos”, indica ele.
Além disso, cabe destacar também a robótica, que é largamente aplicada em operações de beneficiamento de produtos, manejo e alimentação de animais e climatização etc. “No campo, o que vem sendo observado mais abundantemente são os drones, que já realizam operações de forma autônoma. Máquinas agrícolas autônomas são a tendência do mercado, mas assim como nos aviões, a supervisão de humanos não será dispensada tão imediatamente”, ressalta Osmari.
A opinião de Ferraz vem ao encontro do que diz Osmari. Ele acredita que tudo o que envolve os robôs vem sendo utilizado já há algum tempo. “Toda a tecnologia para a concepção de um robô agrícola é amplamente dominada já há alguns anos. No Brasil já existem empresas comercializando sistemas totalmente autônomos em escala comercial, tanto para aplicação de produtos como para análise da lavoura. O que tem sido desenvolvido são as aplicações”, afirma.
Panorama brasileiro
No Brasil existem muitos avanços nas áreas de automação e controle, que garantem que as operações agrícolas sejam executadas com a maior eficiência possível. As tecnologias de mapeamento e monitoramento, como imagens de satélite, drones, amostragens georreferenciadas, sensores de planta e de solo são ferramentas que aumentam significantemente a quantidade de informações que temos sobre a área, tornando o processo de decisão para as recomendações agronômicas mais preciso.
“A grande evolução dos últimos tempos com o aumento do uso destas ferramentas é a grande quantidade de dados e informações que agora somos capazes de gerar, processar e armazenar, e isso faz com que as técnicas relacionadas à agricultura de precisão (que nos ensina como interpretar e utilizar esses dados para recomendações) tornam-se ainda mais importantes”, excplica Ferraz.
De acordo com o pesquisador da Embrapa, a internet tem um papel muito importante no que vem sendo feito atualmente em termos de tecnologia embarcada no Brasil. Isso porque uma maior disponibilidade de conectividade pode fazer com que as máquinas agrícolas sejam cada vez mais autônomas e o agricultor cada vez mais eficiente.
“Talvez, os avanços tecnológicos mais utilizados sejam os proporcionados pela internet propriamente dita. Seja por meio da conectividade dos equipamentos, seja por meio de celulares portados pelos operados, a internet tem trazido informações que aumentam a eficiência operacional no campo”, ressalta.
Exemplos de tecnologia sendo utilizados no Brasil foram citados por Osmari, que destaca especialmente o uso de drones, que podem ser um coringa para o produtor, tanto no monitoramento, quanto na prática agrícola propriamente dita.
“Não é nenhuma novidade, mas os sistemas de posicionamento, piloto automático, tráfego controlado, e operações com taxa variável são intensamente usados. Outro avanço são os drones, executando operações de mapeamento, contagem de plantas, índices de vegetação e principalmente aplicação de defensivos”, elenca.
Comportamento do consumidor
Mesmo com o surgimento cada vez mais acelerado de novas tecnologias capazes de ajudar o “homem do campo”, a adesão dessas modernizações ainda é baixa, segundo Ferraz. Ele diz que a demanda até tem aumentado nos últimos anos, mas a adesão poderia ser bem maior.
“Apesar de ser evidente que o uso dessas ferramentas trará vantagens ao agricultor, a adoção ainda é baixa. De acordo com pesquisa realizada pela Embrapa, pelo Sebrae e Inpe, em 2020 menos de 10% dos agricultores possuíam alguma eletrônica embarcada nas máquinas agrícolas ou nos equipamentos, e menos de 6% utilizavam mapas digitais ou informações localizadas geograficamente. No entanto, a demanda tem crescido cada vez mais, principalmente com aumento do valor dos insumos e o anseio da população por uma agricultura mais sustentável.”
Segundo Osmari, a agricultura de precisão, máquinas que executam aplicações de defensivos, fertilizantes, corretivos, bem como semeadura, utilizando taxa variável não são novidade, porém, são amplamente utilizadas no Brasil, além de dispositivos com desligamento bico-a-bico/linha-a-linha, que evitam a sobreposição. “Neste sentido, também há uma tendência a utilização de tráfego controlado, que se caracteriza pelo planejamento de todo o deslocamento de máquinas durante a safra. Antes mesmo do plantio, se define o caminho que será percorrido por cada máquina, evitando sobrecompactação do solo e desperdício de recursos”, ele garante.
“A eficiência no uso de recursos não depende apenas de dispositivos, mas, na gestão e recomendação, partindo da escolha e quantidade desse recurso, que depende da localização e do momento da sua aplicação.A incerteza é comum com algo novo e não houve diferença entre os produtores rurais. Acredito que atualmente estão mais maduros no processo de procura por esse serviço”, completa Inamasu, pesquisador da Embrapa.
Nem tudo são flores
Essa baixa adesão se junta a outros fatores e acaba criando alguns gargalos para a adoção de novas tecnologias por parte dos agricultores. Um desses gargalos, segundo o que nos conta Ferraz, é a falta de investimento e a alta percepção de risco. Para suprir isso, somente a difusão de conhecimento pode ser usada.
“São muitos os gargalos para a adoção da agricultura de precisão e digital de forma ampla no País, como a falta de informação e conhecimento sobre as tecnologias, a falta de capacitação técnica no campo para o uso e comercialização, os custos iniciais de investimento e a alta percepção de risco pelo agricultor ao investir em algo inovador. É necessário difundir o conhecimento sobre o valor dessas tecnologias para aumentar seu uso”, explica Inamasu.
Uma das áreas em que a agricultura brasileira ainda peca é a falta de conectividade. Algumas regiões do Brasil ainda sofrem com a precariedade na cobertura de sinal de celular, o que acaba tornando a banda larga praticamente uma utopia. “O setor aponta a conectividade e a cobertura de sinal como um dos principais problemas, e o setor, em conjunto aos demais, estão avançando para apresentar soluções. Mas o principal desafio, talvez, seja a formação do pessoal”, completa Inamasu.
A falta da conectividade também afeta a Agricultura 4.0, mas isso pode ser resolvido com a disseminação do 5G no Brasil. A nova tecnologia de conexão promete revolucionar os sistemas de georeferencimento e também de automação, tanto na indústria quanto no setor de serviços.
“Considerando como principal tendência a conectividade entre máquina e gestão (Agricultura 4.0), o maior desafio é justamente a transmissão de dados em tempo real. No Brasil, a área de cobertura de telefone e internet muitas vezes não atinge áreas distantes dos centros urbanos, obrigando muitas vezes os produtores a instalarem sistemas próprios via satélite. Com isso, a expectativa em relação à tecnologia 5G aumenta, pois se espera que se solucione de forma bastante efetiva esse problema”, conclui Osmari.