Tecnologia aplicada: a evolução dos motores em máquinas agrícolas

Por Gustavo Paes

 

Até o século 18, a agricultura utilizava ferramentas rudimentares, fabricadas de forma artesanal em madeira e ferro. Porém, com o crescimento da população urbana e o aumento da necessidade de alimentos, surgiu a demanda por maior aproveitamento da produção agrícola. Para garantir uma melhor produtividade, a mão de obra humana foi substituída, aos poucos. Primeiro deu lugar à força animal e, depois, à motorização a vapor e, posteriormente, aos motores de combustão interna. 

A tração animal só foi completamente trocada por tratores antes da Segunda Guerra Mundial na América do Norte e, logo após, na Europa. O primeiro trator à gasolina foi fabricado em 1892 pelo norte-americano John Froelich, nos Estados Unidos, e seu projeto foi adquirido por John Deere, servindo de base para a fabricação de seus tratores no início do século 20. 

Essas máquinas tiveram um importante papel no desenvolvimento da mecanização no século passado. Elas permitiram que os agricultores aumentassem a produtividade, tornaram o trabalho menos árduo e ainda elevaram a qualidade das operações agrícolas. 

Desde 2015 está em vigor no Brasil o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) MAR-I, que estabelece limites de emissões. A primeira fase, para máquinas agrícolas, iniciou em janeiro de 2017. A segunda, em janeiro de 2019, quando a legislação passou a ser válida também para equipamentos agrícolas e florestais. 

Porém, antes mesmo de a legislação entrar em vigor, as fabricantes se anteciparam e lançaram novos motores, mais eficientes, econômicos e menos poluentes. Outra preocupação das montadoras foi com a redução das emissões de ruídos, para proporcionar maior conforto para os operadores das máquinas. A indústria segue apostando em inovações, como o trator movido a bioetano, da New Holland, ou o trator autônomo inteligente e totalmente elétrico da Monarch Tractor.

O especialista em mecanização agrícola Joel Sebastião Alves ressalta que houve uma grande evolução com a melhoria da qualidade do material usado na fabricação dos motores. “As ligas metálicas melhoraram muito. Hoje temos material cerâmico nas ligas metálicas, policarbonato e ligas sintéticas”, salienta. Outro avanço, frisa Alves, foi o da eletrônica. “A segunda evolução é a parte eletrônica no tocante à melhoria da eficiência do processo de combustão dos motores”, aponta.

 A FPT Industrial produz motores no segmento off-road  de máquinas agrícolas, das famílias F5, F28, S8000, NEF, Cursor e V20. A gerente de Marketing da FPT, Isabela Costa, afirma que a evolução tecnológica é contínua, conforme as necessidades de mercado, aplicações e novas especificações. No Brasil, o último salto foi a implementação dos motores MAR-I/Tier 3 entre 2017 e 2019, reduzindo os níveis de emissões e de ruídos. A fabricante homologou mais de 50 novos motores. “Para se dimensionar a evolução da tecnologia, os motores MAR-I/Tier 3 emitem, em média, 60% menos poluentes comparados a um motor anterior não emissionado”, compara.

Os investimentos em melhorias dos processos para a chegada do MAR-I/Tier 3 levaram as fábricas de Sete Lagoas (MG) e Córdoba (Argentina), a obter, em 2016 e 2018, as certificações do World Class Manufacturing, sistema da CNH Industrial projetado para eliminar desperdícios e perdas do processo de produção. 

A executiva explica que tecnologias, como a injeção eletrônica Common Rail e o sistema de pós-tratamento I-EGR, asseguram alta produtividade para tratores, colheitadeiras e pulverizadores, e fornecem energia para outras fases da produção – seja em plantio, cultivo ou colheita. Para aplicações que exigem grande disponibilidade de força, a injeção Common Rail proporciona equilíbrio entre resposta de aceleração, torque e potência, além de menor consumo de combustível. O sistema I-EGR recircula os gases de escape sem a necessidade de manutenção periódica, atingindo menores emissões. 

A FPT, que atende grandes players, desenvolve motores híbridos, aliando expertise em gás natural aos elétricos. A energia do futuro, associada ao uso de diferentes combustíveis, reflete-se em menor consumo, maior eficiência e reduções de emissões. A busca por um futuro mais verde é sintetizada no motor conceito Cursor X, que mostra como a marca enxerga inovação: multipotência, modular, multiaplicação e conectado.

Flexibilidade

A introdução no Brasil dos padrões de emissão MAR-1 para motores agrícolas entre 25 e 101 hp, em 2019, também provou ser uma grande oportunidade para a Perkins, que ofereceu aos clientes uma variedade de motores mecânicos da série 1100 para atender a esses requisitos do mercado local. A marca, que há 85 anos produz motores para máquinas agrícolas, é parceira de vários fabricantes no Brasil, como a LS Tractor, Agrale e Landini.

Motor Perkins

A empresa sul-coreana utiliza motores mecânicos e eletrônicos Perkins em seus tratores da série Plus e H, conforme o gerente de Marketing para a América Latina da Perkins, Rafael de Souza. E a Agrale lançou no mercado seus tratores 575 e 5105. A Landini também trouxe seus motores das séries Brutus e Rex com motor Perkins para o mercado brasileiro. “Em todo o mundo, existem mais de 300 modelos diferentes de tratores equipados com motores Perkins. Estima-se que mais de 500 mil motores agrícolas Perkins estejam em operação”, ressalta. No final de 2017, a fábrica da Perkins em Curitiba (PR) comemorou a fabricação de 250 mil motores para a indústria fora de estrada, incluindo setores como agricultura, geração de energia elétrica e construção.

A principal fonte dessa potência vem dos motores da série 1100, que é o mais conhecido dos produtos Perkins na América Latina. Fabricado na capital paranaense, o propulsor é conhecido por sua flexibilidade na aplicação e instalação. “Outros benefícios incluem tecnologia de vedação avançada, partida rápida a frio e boa aceitação de variações de combustível e presença de biodiesel, que pode variar de uma região para outra”, enfatiza Souza.

Menos poluentes

O diretor da Unidade de Negócios de Motores e Geradores da MWM, Cristian Malevic, diz que a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no mercado mundial fez com que o produtor invista mais em equipamentos de alta produtividade, o que significa motores com menor consumo de combustível, alto nível de qualidade e disponibilidade, e menor custo de manutenção. 

Motor MWM

Com o aumento da precisão agrícola, as máquinas passaram a trabalhar com base em algoritmos de maior complexidade, que conduzem os equipamentos para maior eficiência produtiva e qualidade da planta. Situação que exige resposta mais rápida e precisa dos motores, tanto para a propulsão, como geração de força hidráulica para implementos. “A evolução dos motores diesel para máquinas agrícolas trouxe o benefício de redução do nível de emissões, pois os motores são mais eficientes e trazem um elevado nível de tecnologia embarcada”, afirma.

O diretor observa que os motores com alimentação de ar natural passaram a ser substituídos por modelos equipados com turbocompressores e resfriadores do ar de admissão. Os sistemas de injeção eletrônicos, que sempre enfrentaram muito preconceito, passaram a figurar entre as máquinas de médio e grande porte. 

“Os sistemas de pós-tratamento de gases já são normalmente utilizados em outros mercados, reduzindo o nível de óxido nitroso e material particulado e, mais importante, os ciclos de operação dos diferentes tipos de equipamentos passaram a ser considerados no desenvolvimento dos motores, para aperfeiçoar a eficiência e reduzir o consumo de combustível em pontos de maior densidade de operação”, assinala.

As mudanças visam aumentar a produtividade no campo e atender às normas de emissões. Permitem ampliar a densidade de potência, onde um motor mais compacto passa a fazer o mesmo nível de trabalho que um motor maior e mais pesado, reduzindo o impacto ao solo e o tamanho da máquina e, eventualmente, o custo de aquisição. “Também diminuem o consumo de combustível, fazendo cair um importante custo de produção, e ainda tornam a operação mais previsível, já que os novos motores trazem sistemas de controle conectados ao gerenciador da fazenda, facilitando o planejamento e a tomada de decisão nas paradas de manutenção ou substituição de equipamentos”, aponta.

A customização de soluções para diferentes máquinas é uma tendência, aproximando as áreas de desenvolvimento de produto para o campo. “Os motores acompanharão esta tendência, com sistemas de controle e atuadores dedicados ao tipo de máquina, ou ao tipo de planta a ser produzida”, projeta. 

Melhor desempenho

Os motores agrícolas evoluíram principalmente em design e desempenho, na busca por maior eficiência, economia, aumento de produtividade e sustentabilidade. Eles avançaram para acompanhar as novas demandas de mercado, legislações, combustíveis alternativos e tecnologias de alto rendimento, conforme o especialista de marketing e vendas motores da Valtra, Fernando Silva.

Motor AGCO

Entre as inovações está a eletronificação (inclusão de módulo e componentes eletrônicos nos motores para otimizar performance e atender emissões), além da injeção direta de combustível, que garante melhor aproveitamento da combustão e consumo de combustível. Outras evoluções foram a EGR (recirculação dos gases para reaproveitamento no motor e redução de poluentes para o meio ambiente), o SCR (sistema de pós-tratamento dos gases de escape, que converte os poluentes transformando-os em efluentes não nocivos) e as peças intercambiáveis entre motores. “Além dos turbos e intercoolers, que aumentam a eficiência e geram maior potência em um mesmo tamanho de motor ou até menor”, ressalta. 

O executivo aponta que os tratores e colheitadeiras foram as máquinas mais impactadas. Ele vislumbra que as tendências mais fortes devem seguir na linha da eficiência e da sustentabilidade. Motores que sejam mais econômicos e que gerem redução na emissão de poluentes. “Outro ponto de evolução é o aumento no nível de autonomia da máquina, que permite ao operador focar na operação de campo, sem se preocupar com a performance da máquina”, aponta.

Tecnologia embarcada 

O desafio da fonte de energia do motor, o combustível e a mão de obra escassa para manutenção têm sido drivers para o desenvolvimento de motores a combustão, segundo o gerente de Vendas, Marketing e Pós-vendas AGCO Power para Massey Ferguson, André Rocha. Ele revela que foram observados os perfis diferenciados dos clientes pequenos até grandes frotistas, usinas e diversas aplicações que vão do preparo de solo, gradeamento, plantio, transbordo e colheita, respeitando os diferenciais de região, como variação de temperatura e janelas curtas. “Foi possível atingir uma evolução considerável em termos de tecnologia embarcada, o que contribui com todos os aspectos de produtividade, vida útil, otimização no custo operacional para a produção e maior disponibilidade para evitar máquina parada. Além de promover soluções que prolonguem a vida útil do motor, consumo de fluidos, combustível otimizado e soluções cada vez mais integradas que trazem simplicidade de manutenções, rapidez e produtividade sustentável”, ressalta.

A tecnologia aplicada a motores visa o aprimoramento de resultados com a busca para alcançar resultados superiores com a menor utilização de recursos. O foco principal é na utilização menor de recursos, como combustíveis com impacto positivo a emissão de gases para reduzir o custo operacional durante a operação. Ou, por exemplo, prolongar os intervalos para manutenções periódicas com sistemas de filtragem de alta eficiência e fluidos por meio da aplicação de tecnologia em aditivos de alta performance. 

O executivo entende que o caminho deve ser a adequação à utilização de combustíveis renováveis contribuindo a um impacto até mesmo negativo para o meio ambiente. Por meio da utilização de fontes renováveis, como biometano, biogás, diesel verde (HVO), diesel de cana ou até mesmo mistura ternária (diesel, biodiesel – vegetal ou animal e álcool). “Assim, reduzindo emissões do equipamento e reaproveitando resíduos de descartes promovidos por um ciclo regenerativo. Além disso, motores de combustão interna deverão iniciar uma etapa de solução em veículos híbridos, contando com fontes auxiliares como a elétrica”, completa.

Motor eletrônico

As inovações ocorridas nos motores estiveram alinhadas à própria evolução das máquinas agrícolas, e tiveram como foco a incorporação de mais tecnologia embarcada, especialmente por meio da chegada dos motores eletrônicos. “Com isso, nossos conjuntos ficaram mais inteligentes e geraram impactos positivos em quesitos como redução do uso de combustível, menor emissão de gases e otimização geral do uso e regulagem dos equipamentos”, afirma Luís Eduardo Ferrari, da John Deere.

A força motriz das mudanças foi a adequação às normas de controle de emissões de gases, em linha com a legislação MAR-I, mas os efeitos foram muito além, desde a otimização no consumo de combustível, maior produtividade a partir de serviços inteligentes oferecidos, até uma maior eficiência na manutenção do equipamento. “O resultado foi uma máquina pronta para agricultura moderna e para gerar uma produção agrícola mais barata, de maior qualidade e em menos tempo, na mesma área plantada”, afirma. A tendência é da continuidade de evolução tecnológica. “A tecnologia é fundamental para que o produtor consiga obter o máximo potencial produtivo de seu equipamento, aumentando a lucratividade na lavoura de forma sustentável e ambientalmente correta”, sublinha Ferrari. 

Densidade de potência

Com os novos recursos desenvolvidos pela Cummins em seus motores – como a eletrônica embarcada e os avanços de componentes internos, como filtros, turbocompressores com geometria variável e a presença de novos materiais em todo o sistema – foi possível aperfeiçoar a densidade de potência, o que trouxe benefícios para os equipamentos em operação no mercado agrícola. 

Motor Cummins

A marca oferece motores eletrônicos menores, mais leves, compactos e mais potentes, o que permite uma melhor instalação nos equipamentos das montadoras, conforme o gestor de Vendas da Distribuidora Cummins Brasil, Marcos Azambuja. A evolução dos motores eletrônicos permitiu que as máquinas agrícolas pudessem ter melhor gerenciamento das informações que contribuem com maior vida útil do motor. Os modernos sistemas de injeção também possibilitam um processo de queima mais controlado, com precisão na quantidade de combustível e ajuste de tempo para a queima. “Como consequência, além da redução do consumo de combustível, mais torque e potência, os motores atingem níveis de emissões mais apurados”, salienta. 

Os motores da Cummins para o setor agrícola estão em conformidade com as normas de emissões vigentes no País, MAR-I. A fabricante oferece propulsores eletrônicos com cilindradas que variam de 4.5 a 9 litros (QSB 4.5, QSB 6.7, QSC 8.3 e QSL 8.9), no caso dos motores nacionais. A Cummins ainda conta com duas versões importadas: QSX 15 litros e QSG 12 litros. Para o mercado agrícola, a empresa também traz vantagens ao desenvolver motores dedicados às aplicações do setor, como a linha Q. “São motores mais robustos, com tecnologias específicas e desenvolvidos sob medida”, destaca. 

O executivo diz que, no campo, o regime de torque e potência dos motores é contínuo e solicitado pelas fabricantes. Os equipamentos operam de forma severa durante todo o ciclo e por um longo intervalo de tempo. 

“Para operar em um regime mais forte, linear, sem ciclos de redução de potência, como ocorre nas aplicações agrícolas, o motor deve ser dimensionado e preparado eletronicamente para atender às demandas”, completa Azambuja. 

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