Agricultura 4.0: mapa da qualidade das argilas do solo

A quarta revolução tecnológica é marcada pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas. Na agricultura, novas abordagens como agricultura digital, e-agriculture e agricultura 4.0 já fazem parte do dia a dia dos profissionais desse setor e de produtores rurais. Essa nova fase da agricultura moderna também é marcada por sensores mais precisos e de alta performance. Nesse sentido, várias técnicas estão sendo testadas para solos e utilizadas em escala comercial, como a espectral (Vis-NIR), a fotônica, a fluorescência, a isotópica, a elétrica e a magnética. Dentre essas técnicas, o magnetismo do solo é altamente específico e apropriado para solos tropicais, o que inclui os solos brasileiros. Mas, por que usar o magnetismo na gestão agrícola das propriedades rurais?

Para responder essa pergunta, é necessário entender um pouco os solos brasileiros e saber em qual nível de detalhe que nós os conhecemos. Nesse ponto, historicamente, as dificuldades financeiras do Brasil, de uma forma ou outra, dificultaram os avanços de políticas públicas, entre elas, aquelas com foco na governança de solo. Quando falamos em governança de solo, esse conceito passa pela necessidade de mapearmos os nossos solos em uma escala ultra-detalhada (por exemplo, 1 a 5 hectares), o que corresponderia ao nível de série no Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS). Para se ter uma ideia, é na escala ultra-detalhada ou a nível de série que se tomam as decisões agrícolas com foco em aumento de performance agrícola. Além disso, o SiBCS preconiza, no nível de família e série, a inclusão da conceituação de tipos de argila. A cor do solo, uma característica dos solos influenciada pela qualidade das argilas, é utilizada de forma prática. Mas, solos com mesma cor podem ter argilas diferentes.

Causa e consequência: características do solo e adaptações na engenharia agrícola
No entanto, as dificuldades financeiras do Brasil não nos permitiram chegar a esse nível de detalhe nos mapeamentos dos solos brasileiros, e com muitos esforços, conhecemos nossos valiosos solos numa escala de 1 para 5.000.000. Atualmente, com a criação do PronaSolos (Programa Nacional de Solos), o Brasil tem retomado essa brilhante iniciativa de mapear seus solos, que terá uma escala de 1 para 100.000 e ficará totalmente pronto próximo do ano de 2050. Especialistas brasileiros da área de solos estimam que para cada R$ 1 investido no mapeamento do solo podem ser retornados até R$ 185, o que contribuirá muito positivamente para a economia nacional e a governança de nossos solos, mas que ainda será insuficiente para balizar as tomadas de decisão no setor agropecuário. Com isso, progressos no mapeamento dos solos em escala ultra-detalhada e no conhecimento da qualidade de nossas argilas são primordiais para o aumento da eficiência de nossos sistemas de produção agrícola.

Assim, a pergunta que surge é: como fazer o mapeamento ao nível de detalhe de 1 a 5 hectares de forma eficiente e rápida, capaz de servir de suporte para as tomadas de decisão? Diante desse desafio, pesquisadores brasileiros têm estudado há mais de 20 anos a caracterização das argilas dos solos brasileiros e há 10 anos a técnica de magnetismo do solo para avaliação da qualidade das argilas tropicais (minerais menores que 0,002 mm). Com sensores precisos, leituras rápidas e de baixo custo comparadas às análises convencionais e com alta operacionalidade podendo as leituras ser feitas no campo ou laboratório, o magnetismo do solo é uma característica diretamente relacionada com os minerais que vêm da rocha e que se formam no solo. Os minerais variam na paisagem e por sua vez os atributos físicos e químicos do solo acompanham essa variação. Esses minerais regem diversas propriedades no solo como, por exemplo, a CTC (capacidade de troca catiônica), CTA (capacidade de troca aniônica), grau de estruturação dos agregados, dentre outras características que afetam diretamente fenômenos como adsorção e disponibilidade de nutrientes, retenção e infiltração de água e sorção de herbicidas. Assim, zonas de manejo específico podem ser definidas com base no magnetismo do solo, pois estará sendo detectada a qualidade de argila, que afeta de forma direta os fenômenos do solo e define o potencial agrícola das áreas. Numa analogia, a qualidade das argilas é para os solos como o DNA é para os seres vivos, pois como o código genético influência as características da biodiversidade, os tipos de argila afetam às propriedades do solo.

Além disso, como o mapa de qualidade das argilas nos permite conhecer a variabilidade dessas características dos solos com precisão e elevado nível de detalhe, pois reflete os fatores e processos de formação a que o solo foi submetido, ele ajuda no direcionamento do uso de outros sensores embarcados e não embarcados, de forma que esses obtenham resultados mais precisos e representativos de campo e da realidade dos solos brasileiros.

Casos de sucesso: qualidade das argilas, preparo do solo, irrigação e aplicação de herbicidas
Com esse forte alicerce de pesquisa básica e aplicada, diversos protocolos agrícolas para uso e ocupação sustentável de terras baseados no magnetismo do solo já foram desenvolvidos pela ciência brasileira. Os produtos são resultados bastante sólidos sobre o potencial de adsorção de fósforo e capacidade de suporte de vinhaça, de sorção de herbicida, de erosão e compactação, de emissão de gases do efeito estufa e de produção quali-quantitativa para diversas culturas como café, cana, citros, milho, soja e outras. Por se tratar de uma eficiente ferramenta de planejamento e gestão do empreendimento rural, o magnetismo do solo tem relação direta com a mecanização agrícola. A partir do mapa de qualidade das argilas com base no magnetismo é possível realizar desde o preparo do solo, irrigação e recomendações de fertilizantes e herbicidas em taxa variável.

Em relação ao preparo de solo, resultados de pesquisa de campo comprovam redução de 68% da necessidade de área subsolada com base no magnetismo do solo quando comparado ao método tradicional, além de redução de 7,1% no consumo de combustível (litros por hectare) e no potencial de emissão de dióxido de carbono do solo (quilogramas por hectare). Como consequência, a subsolagem com profundidade variável em função do magnetismo aumentou em 10,9% a capacidade operacional (hectares por hora) (Cortez, 2013). Para irrigação com água residuária (vinhaça), a variação entre a dose do método convencional e aquela definida por meio do magnetismo pode chegar até aproximadamente 25% (Peluco et al., 2013). Para a dose de herbicida pré-emergente, variação de até 30% também foram observadas entre a metodologia tradicional e aquela baseada na qualidade das argilas (Peluco, 2016), que consequentemente influenciam a eficiência no controle de plantas daninhas. Esses números demonstram a importância de considerar a qualidade das argilas, o DNA dos solos, nas tomadas de decisão. Desse modo, diversos maquinários, como para aplicação de adubos e herbicidas a taxa variada, podem se beneficiar da utilização do mapa magnético.

Por fim, o magnetismo sempre foi alvo de curiosidade da sociedade, sendo utilizado para benefício da civilização em diversas aplicações, seja num exame de ressonância magnética para detecção de enfermidades ou no próprio celular. Agora, ele também pode ajudar o produtor rural na gestão agrícola do seu solo.

Por Renan Gravena, Engenheiro Agrônomo e Doutor em Fitotecnia pela USP-Piracicaba; Fábio Leal, Engenheiro Agrônomo e Doutor em Produção Vegetal pela UNESP-Jaboticabal; Diego Siqueira, Engenheiro Agrônomo e Doutor em Produção Vegetal pela UNESP Jaboticabal

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