Por Viviane Taguchi
Inovação tecnológica de máquinas e equipamentos transformou o manejo das fazendas em uma realidade virtual, mas esse ainda é só o começo de uma nova era no agro
Em 2002, a rotina na fazenda Terra Boa, de Guararapes, interior de São Paulo, era totalmente diferente. O proprietário, José Luiz Niemeyer dos Santos, nessa época, plantava milho e cana-de-açúcar em boa parte da fazenda, e na outra, criava gado Nelore, Angus e Brangus. O manejo da área agrícola era intenso, lhe tirava o sono, e Santos chegou a cogitar arrendar toda a área agrícola para uma usina da região para se livrar do gerenciamento, dos custos e dores de cabeça. “Pensei nessa possibilidade por algum tempo até que a adoção de novas tecnologias começou a facilitar o manejo e a reduzir os custos”, contou. “Optei por esperar e ver no que essas ferramentas novas iam dar”.
Santos encontrou na tecnologia a solução para muitos de seus problemas: além de facilitar o gerenciamento da área agrícola da fazenda, uma área de 1600 hectares que tem no currículo vários prêmios de sustentabilidade, ele passou a utilizar menos agroquímicos, óleo diesel e sementes e aumentou as produtividades das lavouras. “Antes, a gente aplicava defensivos químicos duas, três vezes na mesma área, o desperdício era enorme. Não tínhamos controle nem do uso de óleo diesel nos tratores e nos caminhões”, lembra. “Essas ferramentas, que chegaram até mim por um amigo usineiro, começaram a avisar que ali não precisava nem pulverizar ou que em outro canto, precisava pulverizar mais ou que era um problema no motor que aumentava o consumo de combustível”.
A adoção da Agricultura de Precisão (AP) na Terra Boa (e posteriormente, também a Zootecnia de Precisão) revolucionou o gerenciamento da propriedade e hoje, quase tudo por lá utiliza tecnologia e a rede de dados para as tomadas de decisões. “Funciona muito bem porque a fazenda é próxima da cidade, tem conexão com a internet da cidade, e a usina também é próxima. Eu sei até se o motorista do caminhão desviou o caminho dele”, diz. “Eu fico aqui sentado só olhando o celular”.
Agricultura do futuro
A Agricultura de Precisão (AP) é uma estratégia de gestão que utiliza um conjunto de ferramentas e tecnologias aplicadas para adotar um sistema de gerenciamento agrícola baseado na variabilidade espacial e temporal da unidade produtiva.
O conceito tem, por princípio, que a propriedade agrícola não é uniforme, e cada área da fazenda é diferente. Por isso, também precisa ser manejada de forma distinta e controlada. “Essa estratégia possibilita o uso racional de insumos, aplicação na quantidade certa, local e tempo adequado para maximizar a produtividade, qualidade, rentabilidade, evitar desperdícios e reduzir os impactados ambientais”, explica Marcos Ferraz, presidente da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (AsBrAP).
Para Ferraz, a imagem do produtor rural, sentado no conforto de sua casa, como Santos, lá em Guararapes, no controle do celular, representa perfeitamente o futuro da agricultura. “Em 10 anos, acredito que esse será o cotidiano do produtor rural moderno, que terá à sua disposição o controle da propriedade na palma da mão. Alguns já o têm, mas para que o Brasil possa dar um salto na produtividade, a adoção da AP precisa expandir”, afirma. “O que depende do avanço da conectividade”.
Para ele, mais do que o controle humano nas tarefas do dia-a-dia, a adoção da AP no campo permitirá a comunicação “máquina a máquina”, a chamada Internet das Coisas (IoT). “Com a conectividade e redes de dados expandidas para o interior do Brasil, nem esse acompanhamento no computador ou no celular será mais necessário porque uma máquina será capaz de enviar a informação para outra, executará o trabalho e assim por diante”.
Global Position System
Os primeiros relatos acadêmicos de técnicas que trabalhavam com a variabilidade espacial dos atributos do solo datam da década de 1920. No Brasil, a AP foi introduzida em meados da década de 1990, mas os avanços significativos aconteceram a partir de maio de 2000, quando o Sistema de Posicionamento Global (GPS, sigla em inglês de Global Position System), que é de propriedade do Departamento de Defesa dos EUA para uso militar, eliminou um erro proposital no sinal, diminuindo as incertezas no posicionamento, de 45 metros para seis metros.
No meio acadêmico, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq/Usp) foi uma das pioneiras no setor, organizando, em 1996, o primeiro Simpósio sobre AP e, e em 2000, no Rio Grande do Sul, surgiu o Projeto Aquarius, desenvolvido pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e muitos produtores da região ofereceram suas propriedades para as experiências.
A Embrapa também contribuiu com o desenvolvimento da AP no Brasil organizando uma rede de pesquisa com cerca de 200 pesquisadores e 19 unidades de pesquisa. Hoje, a Rede Agricultura de Precisão tem 15 áreas experimentais distribuídas no Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul do país, cobrindo culturas anuais (milho, soja, trigo, arroz irrigado e algodão), culturas perenes (eucalipto, uva, pastagem, cana-de-açúcar, laranja, maçã e pêssego), além de experimentos na área da Zootecnia de Precisão.
No início dos anos 2000, segundo a AsBrAP, já existiam consultorias especializadas e equipamentos nacionais para a aplicação em doses variáveis de insumos com base em mapas e, em 2004, aconteceu o primeiro Congresso Brasileiro de Agricultura de Precisão (ConBAP). “Desde então, novos negócios surgiram, tanto com o objetivo de fornecer as tecnologias quanto de prestar serviços e consultorias para a sua utilização”, disse Ferraz. “Das análises de solo, que eram comuns para as tomadas de decisões, o setor evoluiu para mapeamentos de fertilidade, taxas variáveis e dados de clima, meteorologia e uma série de ferramentas facilitadoras. Hoje, os drones estão no processo e substituem aeronaves. Temos sistemas em nuvens para fornecer dados, previsibilidades, modelagens assertivas”.
Segundo Ferraz, o que aconteceu é que a agricultura ganhou um novo tipo de insumo, a tecnologia, e também, de profissionais, que são fundamentais para expandir o conhecimento acerca da Agricultura de Precisão, principalmente para os pequenos e médios produtores rurais. “Com essa nova realidade surgiu uma demanda por uma estruturação em torno deste novo paradigma, tanto no aspecto científico quanto no de mercado. É necessário que a pesquisa acadêmica explique os reais benefícios destas novas técnicas, que os profissionais sejam capacitados e treinados para levar o conhecimento aos pequenos e médios produtores. A sociedade também tem que ser bem informada”.
Se, por um lado, a Agricultura de Precisão possibilita o gerenciamento inteligente da fazenda, a estratégia também vai de encontro à demanda global: alimentos produzidos com sustentabilidade. “As ferramentas de gerenciamento mostraram áreas da fazenda que não precisavam de defensivos e outras áreas, não precisavam de tanta água (da irrigação). Toda a área produtiva da fazenda começou a receber apenas o que precisava”, destacou Santos, da Terra Boa. “Hoje fazemos uso eficaz da água, dos defensivos, de todos os insumos, economia de combustível e um drone vai à lavoura soltar insetos para combater a broca da cana”.
Desafios high-tech
Dados publicados pela Secretaria Executiva da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão (CBAP) indicam que pelo menos 67% das propriedades rurais do país já utiliza algum tipo de tecnologia que ajuda o agricultor a reduzir os custos das lavouras. No entanto, o último censo agropecuário, de 2017, revelou que dos mais de cinco milhões de estabelecimentos rurais, apenas 1,4 milhão possui um ponto de internet na fazenda. “O Brasil é muito extenso e nas regiões onde há uma concentração grande de fazendas, ainda falta conectividade”, afirmou Ferraz. “As diferenças regionais são discrepantes”.
De acordo com o executivo, para ser utilizada, a Agricultura de Precisão (AP) não exige maquinário de última geração, mas uma rede de dados capaz de tornar mais eficazes essas ferramentas. “Precisamos desmistificar a Agricultura de Precisão: máquinas e equipamentos não precisam ser os mais modernos ou caros, o que precisamos para adotar a AP são redes de dados, a conectividade, pois a estratégia é baseada em dados, e não necessariamente em alta tecnologia”, afirma. “O mapeamento que as máquinas e os equipamentos oferecem e as informações que estão na rede é que vão guiar as tomadas de decisões”.
Informações de um estudo encomendado pela Secretaria de Inovação do Ministério da Agricultura à Esalq/Usp, no ano passado, revelou que o Brasil tem 5.604 torres instaladas na zona rural que poderiam ser aproveitadas para a instalação de novas antenas de telecomunicações. Nas áreas urbanas, as torres somam 86 mil. “Falta banda larga mesmo em áreas rurais com alta renda. O campo não tem conexão, fixa ou móvel e isso dificulta sobremaneira a agricultura digital”, ressaltou Fernando Camargo, Secretário de Inovação do Ministério da Agricultura (MAPA).
Novas leis das telecomunicações
Números da Organização das Nações Unidas para a Agricultura (FAO) apontam que, em 2050 a população mundial chegará a 10 bilhões de pessoas e, para atender esse contingente, a produção de alimentos terá que aumentar pelo menos 70%. Nesse cenário, para que o Brasil possa dar um salto de produtividade, a adoção da AP torna-se indispensável.
E o avanço, aguarda o setor, pode ser marcante nos próximos dois anos. No final do ano passado, dois importantes projetos de lei foram aprovados: o PL 6549/19, que altera as leis 12.715/12 e 9.472/97 e incentiva investimentos na expansão das redes de telecomunicações, com isenções de taxas específicas, e o 172/2020, a “nova lei do Fust”, de autoria da Senadora Daniella Ribeiro (PP/PB), já sancionada, que atualiza o uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para permitir que as políticas governamentais de telecomunicações possam ser financiadas com esses recursos.
O senador Izalci Lucas (PSDB/DF) explicou que o projeto 6549/19 incentiva a Internet das Coisas (IC), com a redução das taxas de fiscalização de instalação e das taxas de fiscalização de funcionamento dos sistemas de comunicação máquina a máquina por um prazo de cinco anos e a dispensa da licença de funcionamento dos equipamentos. “A Internet das Coisas será mais impactante para a economia do que foi a telefonia móvel, que transformou a maneira das pessoas se comunicam”, afirmou o senador. “Já na agricultura, os sensores nas máquinas podem transmitir para um computador informações sobre o solo, orientando as ações, correções, irrigações. A mesma Internet das Coisas permitirá que a geladeira da sua casa envie imagens para um celular que mostrará o que comprar no supermercado. Vai facilitar a vida de todas as pessoas”.
O Fundo, poderá ser usado não apenas na melhoria da qualidade das redes e serviços, mas na redução de desigualdades regionais em telecomunicações e na promoção do uso de novas tecnologias de conectividade. Serviços prestados em regume público ou privado poderão receber recursos do fundo. “O Fust poderá levar internet aos produtores que estão em regiões distantes dos grandes centros urbanos e criar fazendas inteligentes, com o uso de tratores autônomos, drones e colhedoras interligados a redes sem fio”, declarou o ministro das Comunicações, Fábio Faria.
O Fust arrecada R$ 1 bilhão anualmente e já tem acumulados R$ 21,8 bilhões, mas pouco foi utilizado para investimentos no setor de telecomunicações. “Com as novas regras, haverá recurso para os investimentos por parte das companhias telefônicas, que precisam olhar para o campo, mas já há alguma movimentação no mercado”, afirmou Ferraz, da AsBrAP.
Interesse empresarial
De olho nesse mercado, algumas companhias telefônicas estão se unindo a multinacionais do agro para ampliar a rede de dados no meio rural. Em dezembro, a operadora Claro e a John Deere lançaram o Campo Conectado, um projeto que pretende conectar 15 milhões de hectares já em 2021. A Claro entrou na parceria com a missão de ampliar os 85 milhões de hectares em zonas rurais que já atende atualmente em todo o país por meio da rede 4G, além da tecnologia que permite maior expansão de sinal por antena.
A Tim fez uma parceria com o hub de startup Agtech Garage, de Piracicaba, interior de São Paulo, para ampliar seu programa Tim4G no Campo. Uma destas startups é a AgroSmart, especializada em soluções que coletam dados de diferentes fontes, como estações meteorológicas conectadas na rede NB-IoT, sensores A operadora atenderá grandes grupos agrícolas por meio de parcerias com empresas líderes do mercado e o segundo passo será ampliar o pacote tecnológico, atingindo integralmente produtores de todos os tamanhos, culturas e segmentos.