Culturas e tecnologias: do plantio à colheita da cana-de-açúcar

Máquinas e implementos voltados para a cultura da cana estão em constante evolução tecnológica, com modelos cada vez mais eficientes

Por Gustavo Paes – A cana-de-açúcar (Saccharum ofúcinarum) é a terceira cultura temporária em termos de ocupação de área no Brasil, atrás da soja e do milho, com plantio em todas as regiões do País, principalmente na região Sudeste. Na safra 2022/2023 são 8,3 milhões de hectares voltados à produção de cana. Uma variação de 0,5% em relação à safra anterior, conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Se as condições climáticas continuarem ajudando, a produção está estimada em 598,3 milhões de toneladas, um crescimento de 3,4%. A produtividade deve saltar de 69,3 quilos por hectare para 72 quilos por hectare, com uma variação de 3,9%. 

O Brasil é responsável por 20% da produção mundial de açúcar e por 45% da exportação. Somos o maior produtor de cana-de-açúcar e de açúcar do mundo e o segundo maior produtor de etanol, perdendo apenas para os Estados Unidos. O cultivo do vegetal no Brasil se concentra na região Centro-Sul do País, com 93% da área, e 7% na região Norte-Nordeste. São Paulo é o maior produtor, seguido de Goiás e Minas Gerais. 

A moagem de cana na segunda quinzena de janeiro na região Centro-Sul totalizou 307,3 mil toneladas. No acumulado da safra 2022/2023, a moagem atingiu 542,39 milhões de toneladas, ante 522,62 milhões de toneladas registradas no mesmo período no ciclo 2021/2022 – um avanço de 3,78%, conforme levantamento da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica).

Em todo o Brasil são mais de 747 mil empregos formais gerados apenas pelo setor produtivo, mas somados os empregos indiretos gerados pelo setor, chega a 2,3 milhões de pessoas empregadas na cadeia da cana. Também tem os produtores rurais independentes, que são cerca de 70 mil, de acordo com informações da Unica. 

Mecanização da colheita 

No Brasil, o sistema de colheita mecanizada – que é feita sem queima prévia, com o uso de colhedoras – tem avançado muito nos últimos anos. O percentual, que era 37,1% na safra 2008/9, na atual safra está estimado em 91,6%. Porém, na região Centro-Sul, beneficiada por relevo que favorece a mecanização nos canaviais, já chega a 97,8% da colheita com o uso de máquinas. Em São Paulo, o índice de colheita mecanizada saiu de 47,6% na safra 2008/9 para 98,6% na safra 2020/21.

O nível de mecanização em todas as operações agrícolas das lavouras de cana-de-açúcar aumentou após a implantação, na década de 1970, do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), uma iniciativa do governo brasileiro de intensificar a produção de álcool combustível (etanol). Desde então, as máquinas e implementos estão em constante evolução tecnológica, com o lançamento de novos e mais eficientes modelos, voltados à padronização de operações e maior capacidade de trabalho. 

Dificuldades iniciais 

O engenheiro agrônomo Marcelo Pierossi, da Lidera Consultoria e Projetos, de Campinas (SP), lembra que o processo de mecanização da cana não foi nada fácil no começo. Os pioneiros enfrentaram dificuldades na mecanização da colheita devido à falta inicial de equipamentos dimensionados para as condições brasileiras, já que os primeiros maquinários foram importados de canaviais australianos, nas décadas de 1950 e 1960. 

Pierossi diz que o processo de aprimoramento, iniciado em 1975, envolveu a padronização de operações, adequação da potência dos tratores a implementos com maior capacidade de trabalho, programação e controle da manutenção, treinamento de operadores, incorporação de novos equipamentos para plantio, aplicação de torta e eliminação de soqueira, entre outros.

Mas frustrados com as dificuldades, muitos produtores abandonaram a colheita mecanizada e retomaram a colheita manual. O recuo no uso de máquinas teve um preço alto.

“O preço que pagamos por tudo isso foi uma queda da produtividade e da longevidade dos canaviais, que estão sendo retomadas graças às ações cotidianas das usinas, baseadas na observação e na experiência dos envolvidos na condução das operações”, avalia Pierossi, que trabalhou durante 20 anos no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba (SP), antes de atuar como consultor.

O maior salto tecnológico da colheita mecanizada da cana ocorreu nas décadas de 1990 e 2000, com a evolução das colhedoras em relação à potência e consolidação da colheita de cana crua. Especialmente após a proibição das queimadas com o Protocolo Agroambiental firmado entre o estado de São Paulo e o setor (Unica e Orplana), em 2007.

Piloto automático

A partir dos anos 1990, com a colheita mecanizada ganhando popularidade, começou também a crescer o interesse pela mecanização do plantio, principalmente devido à falta de mão de obra no campo. Com o avanço tecnológico, o plantio mecanizado pode estar associado a outras técnicas como plantio direto e utilização de GPS. Quando munida de um piloto automático, a plantadora consegue registrar a posição das linhas de plantio, seguindo um planejamento previamente desenhado, visando a otimização do terreno.

Já para a colheita, é possível a realização de mapeamento com drones munidos de RTK, visando garantir a acurácia geodésica do resultado, e geração das linhas de colheita. Essas podem ser inseridas na colhedora para a realização da colheita automatizada, que, além de otimizar o serviço, colabora com a redução do pisoteio de soqueira. Pierossi destaca, porém, que a maior evolução foi o lançamento das colhedoras que recolhem a cana em duas linhas. “Essas colhedoras otimizam a produção e reduzem custos da colheita”, salienta.

Menor custo operacional 

A mecanização da cultura permitiu uma maior capacidade de trabalho com um menor custo operacional, conforme Hosano Nascimento, coordenador comercial de negócios da Pivot, concessionária da Case IH em Goiânia (GO). “O trabalho de corte dessa lavoura há alguns anos era muito difícil, sem falar no fogo, que era colocado no canavial e acabava com a natureza. Hoje, com os equipamentos, além de otimizar tempo, conseguimos economizar de 70 a 80 homens no canavial”, sublinha.

Nascimento destaca que o maquinário moderno proporciona um aproveitamento melhor das janelas de safra, seja no plantio ou na colheita, aprimorando a produtividade e a alta precisão para o agronegócio. Para ele, cada máquina colhedora que possui as novas tecnologias traz respostas rápidas dentro de campo. “A máquina consegue, em média, colher de 800 a mil toneladas por dia, com uma economia de 10% a 15% no combustível. Além disso, conseguimos ter uma eficiência no corte da base da cana-de-açúcar em 30% a 40% a mais do que as demais máquinas”, compara o coordenador comercial. 

O plantio também ficou mais rápido com a adoção da mecanização, segundo ele. “Antes, quando a operação era manual, conseguiam plantar, no máximo, de 7 a 10 hectares a cada dia. Com o uso das plantadeiras, eles plantam entre 15 e 20 hectares por dia”, completa Nascimento.  

 Evolução do plantio

O engenheiro agrônomo Sérgio Quassi de Castro assegura que as plantadoras evoluíram muito nos últimos dez anos e são praticamente uma nova máquina. Ele diz que as tecnologias hoje encontradas no mercado mantêm a estrutura, a capacidade de muda, o formato do sulcador, o espaço físico dos itens. “Mas, em termos de tecnologia e desempenho, é um novo equipamento”, avalia Castro, que é pesquisador da Agroquatro-S, de Orlândia (SP).

Para o especialista, as principais evoluções estão na automatização, da inserção de novos sensores para redução de falhas e controle da distribuição de toletes (colmos). Também foram feitos ajustes na canaleta para que os toletes fluam, evitando danos na entrada do implemento após a haste do sulcador, removendo torrões, deixando o solo mais preparado e sem bolsões de ar para disposição dos toletes. 

Castro lembra que a inserção de diferentes caixas, seja para aplicar óxido de cálcio, magnésio ou para aplicar produtos organominerais também foram novidades que surgiram nos novos modelos de plantadoras de cana-de-açúcar. “Hoje, temos caixas extras que permitem fazer aplicação de outros produtos. Por exemplo, tem plantadora equipada com tanque para aplicação de calda química, um tanque só para aplicação de fungicida e outras plantadoras que têm tanques exclusivos para aplicação de biológicos como microrganismos solubilizadores de fósforo”, conta.

Outro destaque é a automatização das máquinas que, além de permitir rodar três turnos, reduzindo custos de operação e mão de obra, trouxe maior eficiência de plantio, com redução de falhas e melhor manutenção na taxa de distribuição dos toletes.

“Eu acredito que o sistema de distribuição dos toletes usado ainda não seja o mais adequado. Hoje, o ‘calcanhar de Aquiles’ segue sendo a forma como são distribuídos os toletes. Os sistemas atuais, de quaisquer máquinas do mercado são semelhantes, mas entendo que daria para fazer alguns ajustes para termos menos falhas e uma maior economia de mudas”, observa o pesquisador.

Tecnologia de ponta

O especialista de Marketing de Produto da New Holland, Juliano Perelli, destaca que a evolução das máquinas utilizadas na cana foi rápida e muito significativa. Hoje, a maior parte, se não todos os produtos, dispõem de tecnologia de ponta. São máquinas com inteligência artificial que não dependem mais de operadores nas tomadas de decisões e são totalmente conectadas, transmitindo dados em tempo real.

“Na produção da cana, todos os processos têm que ter o máximo de eficiência para poder gerar uma boa produtividade e rendimento operacional, muitas vezes com vários turnos de trabalho e sempre visando minimizar qualquer tipo de perda, utilizando todo o monitoramento de ponta disponível”, declara.

Entre os produtos mais eficientes disponíveis no mercado. Perelli destaca os pulverizadores, máquinas que possuem tecnologias como o piloto automático. Nos casos em que não é possível utilizar o piloto pela particularidade da operação, o pulverizador tem duas câmeras (uma para monitorar o rodado, para não pisotear as plantas, e outra na parte de trás para realizar manobras com mais visibilidade).

Este modelo conta com estação meteorológica, que mostra e grava dados em tempo real, sistema exclusivo de estabilização de barra, um vão livre maior para plantas mais altas, o Intellispray (sistema opcional que minimiza as perdas na aplicação de defensivos e aumenta a produtividade fazendo uma aplicação com qualidade superior), e o pulverizador já vem equipado com pingentes e rodados que se encaixam em aplicações com diversos tipos de espaçamentos entre linhas usados no plantio de cana.

Economia de combustível

Há dois anos, a Jacto entrou no mercado das colhedoras de cana com a apresentação de uma colhedora que proporciona mais produtividade e economia, uma vez que tem o diferencial de colher simultaneamente duas linhas. A máquina tem potencial de reduzir até 35% o consumo de litros de combustível por tonelada de cana colhida. O modelo está passando por testes e um lote controlado deve ser lançado no mercado em 2024, conforme o gerente de cana da Jacto, Adilson Bazzuco.

O design da plataforma de colheita flutuante na parte frontal da máquina permite que a colhedora se adapte às irregularidades do terreno, o que proporciona um corte de maior qualidade, na altura adequada, e evita o carregamento de terra, palhada ou outras sujeiras para a usina. A colhedora garante maior produtividade, já que segue a tendência de colheita em duas linhas e traz uma tecnologia inovadora, com o dispositivo de corte e transporte de cana localizado na parte frontal da máquina, em um conceito do tipo plataforma flutuante, que possibilita um corte mais preciso, com maior qualidade. 

Dependendo do relevo, das condições do canavial e até mesmo da logística empregada na lavoura, a máquina pode colher até 2 mil toneladas de cana por dia. “Ela consegue colher praticamente o dobro de toneladas de material, principalmente se comparado com equipamento de uma linha”, salienta. Outro diferencial do equipamento é o sistema de limpeza mais eficiente, que conta com ventiladores radiais sopradores que ajudam a limpar a cana em duas etapas. Conta ainda com um sistema que prioriza o uso de energia de modo equilibrado, de forma a reduzir o uso de combustível.

Tecnologia embarcada

Regis Ikeda, especialista em Marketing de Produto da Case IH, lembra que, entre as máquinas usadas na cana, um dos destaques são os tratores. Há a utilização de tratores especialmente de grande porte, para o preparo do solo e o plantio. Na etapa dos tratos culturais, podem ser usados modelos de médio porte, pulverizadores e aviões agrícolas. Na colheita, a colhedora de cana é a principal máquina. “Esse segmento é um dos mais avançados em termos de tecnologia e industrialização. E as máquinas seguem essa tendência, com grandes evoluções na performance, disponibilidade e tecnologia”, afirma. 

As plantadeiras possuem sistemas automatizados de controle de distribuição da muda, acionamento e desligamento de distribuidores de fertilizantes, além de aplicadores de defensivos. Mas o maior destaque, em termos de evolução tecnológica, está nas colhedoras de cana. “Essas máquinas evoluíram muito em eficiência de uso energético – reduzindo o consumo de combustível –, além de terem recebido sistemas de agricultura de precisão”, destaca Ikeda.

No ano passado, a Case IH lançou uma nova linha de colhedoras com mais de 20 melhorias que garantem pelo menos 10% de redução de consumo de combustível, aumento de 5% a 10% da capacidade de colheita e com ganho de 50% a mais na vida do motor.

O executivo observa que em qualquer etapa do processo produtivo a mecanização é de extrema importância na cultura da cana, pois é uma lavoura que produz muita massa vegetal e, além disso, sua produção é de larga escala e envolve muitos hectares, não sendo viável a produção sem mecanização. Com a eliminação da queima, a mecanização ganhou mais importância na colheita. O processo de mecanização trouxe diversos benefícios sociais, ambientais e também econômicos para a sociedade e para o setor canavieiro.

“Se antes o processo era manual e envolvia grandes queimadas, atualmente, ela é totalmente mecanizada e garante eficiência, qualidade e sustentabilidade a um dos setores mais importantes para o mercado agro brasileiro”, salienta. 

Colhedora de duas linhas

As atividades de preparo de solo, plantio e tratos culturais demandam tratores, que variam na ordem de 75cv – 400cv e implementos, conforme o gerente de negócios da John Deere, Rodrigo Junqueira. As atividades de tratos culturais demandam por cuidados precisos, que os pulverizadores podem atender de forma otimizada com custo operacional menor. 

Na colheita, a marca pode atuar no que tange ao espaçamento simples, duplo simples, com até 22% de custo operacional menor, e duplo alternado, com as novas colhedoras. Uma delas é um projeto pioneiro para colheita de duas linhas simultâneas nos canaviais de espaçamentos simples de 1,4m ou 1,5m. O equipamento, que foi desenvolvido para o Brasil com o objetivo de sanar as necessidades dos agricultores, auxilia na rentabilidade e sustentabilidade da colheita. 

O gerente destaca que, para a melhor performance, é preciso se atentar a dois pontos principais: sistematização e colheitabilidade. É importante evitar ‘matações’ nas linhas de sulcação do canavial e tiros longos sem carreadores de acesso que facilitem a logística. “A máquina deve colher posicionada nas linhas gêmeas, ou seja, onde foi o rastro do trator de plantio, para evitar que haja variação de distância entre as linhas que estão sendo colhidas”, afirma Junqueira. Outro fator muito importante é que o dimensionamento de logística seja ideal, com malhadores bem posicionados e números de tratores transbordos suficientes para que a operação não pare por falta deles. “Esses fatores, se não observados, geram uma redução muito grande de performance da máquina”, completa.

 

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