Fenotipagem de plantas: desafios de uma moderna agricultura

por Paulo Sergio de Paula Herrmann Junior Garantir a segurança alimentar nas próximas décadas para os nove bilhões de população global esperada até 2050 exigirá mudanças substanciais na sociedade como um todo, no desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação. O aumento populacional, as modificações na dieta e o aumento da demanda por produtos químicos biogerados e biocombustíveis exigirão um aumento de 50% a 100% na produção das principais culturas alimentares e não alimentares. Este é um desafio enorme, considerando o impacto esperado das mudanças climáticas sobre os rendimentos financeiros, a crescente escassez de recursos agrícolas (terra, água e fósforo) e a dependência da agricultura moderna na produção de fertilizantes e na automação.

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O aumento na produção de alimentos precisa ser alcançado através de métodos agronômicos e com genótipos otimizados, os quais irão sustentar o meio ambiente e preservar os recursos naturais. Isso exige um grande investimento das nações em uma “intensificação sustentável” da agricultura global. Uma agricultura mais inteligente em termos climáticos que reorienta os sistemas agrícolas para lidar com as mudanças climáticas e a conservação da biodiversidade. 

Demorou quase 10 mil anos para que os seres humanos produzissem globalmente 1 bilhão de toneladas, a Revolução Verde levou a uma duplicação desse montante em apenas 40 anos, que foi entre 1960 e 2000. Um dos principais impulsionadores da revolução verde foi à introdução dos chamados genes semi-anões (altura reduzida, genes Rht) no trigo.

Portanto, novas ferramentas advindas das ômicas, tais como da fenômica, da genômica, da metabolômica, a multidiscplinaridade entre outras áreas, estão e estarão sendo fundamentais para enfrentar o problema da enorme magnitude.

A fenotipagem de plantas tradicional já é bem estabelecida, assim como a genotipagem, onde a mesma se refere à descrição quantitativa das propriedades anatômicas, bem como relacionado às sequencias de fases do seu desenvolvimento, a sua fisiologia e a bioquímica delas, as quais são influenciadas pelo meio-ambiente que se encontra em complexa transformação.

A aplicação e o desenvolvimento dos novos métodos de fenotipagem de plantas são caracterizados pela multidisciplinaridade, pelo uso de novas técnicas, de sensores e biossensores, para obtenção de dados das plantas de forma não invasiva, não destrutiva ou minimante destrutiva e em grande quantidade. Exemplos de técnicas e instrumentos aplicados são: Imagem RGB, térmicas, câmeras hiperespectral, multiespectral, fluorescência induzida pelo sol, gases emanados, tomografia de raio x e RMN, a robótica, a automação, os drones embarcados com câmeras, a reconstrução 3D, a ciência da computação, o aprendizado de máquina, a inteligência artificial etc.. 

A sua importância na agricultura está ligada tanto à ciência de plantas, quanto mais especificamente no melhoramento genético (MG), visto que a variância fenotípica é um importante parâmetro no ganho genético. O MG é um trabalho oneroso, demorado e custoso, que envolve muitas características de uma planta, cujo objetivo é selecionar o melhor genótipo dessa.

Hoje, o melhoramento de culturas modernas e os avanços nas práticas de gestão contribuem substancialmente para um Ganho Genético (Gy) anual de 0,8 – 1,2%. A procura de alimentos e biocombustíveis para a população global prevista para 2050 deverá aumentar drasticamente. A fenômica, e os novos métodos aplicados de fenotipagem, atualmente, pode ser considerada como complementar a genômica, proteômica, metabolômica e transcriptômica.

As ciências ômicas desempenham um papel fundamental tanto para o avanço da fronteira do conhecimento, quanto mais especificamente em prol de uma agricultura sustentável, mais produtiva, resiliente e adaptadas às mudanças climáticas. Alcançar um progresso linear para atingir 2,0% Gy é um enorme desafio. Às novas tecnologias e métodos de fenotipagem de plantas há a tendência na melhoria do ganho genético (Gy).

A figura 1(A) e (B) apresenta a evolução temporal e a distribuição geográfica da localização dos institutos de ciência e tecnologia, empresas privadas, bem como a formação de redes nacionais e internacionais de pesquisas que estão trabalhando com os novos métodos de fenotipagem de plantas (NMFP). A Austrália foi pioneira nos NMFPs, inaugurando em 2007 “Australian Plant Phenomics Facility (APPF)”. A partir daí, vários trabalhos vêm sendo realizados. De acordo com a Rede Internacional de Fenotipagem de Plantas (IPPN), em 2022 o número de sócios era de 40 instituições da academia, 12 empresas da Iniciativa e seis “clusters” de diversos países. Pela figura 2 (B) o Brasil é único país da América Latina, por intermédio da Embrapa, que é regularmente associado como membro efetivo do IPPN, desde 2018.

Os NMFPs oferecem uma grande quantidade de dados, referente às características de interesse, que são considerados fatores importantes na intensidade, na precisão da seleção e na detecção de novas variações genéticas, indo desde a semente até planta em seu estado final.

O desenvolvimento de métodos não invasivos e ferramentas acessíveis para aplicação na fenotipagem de plantas é considerado um importante avanço. Acima apresentamos um exemplo de um novo sistema, que é a aplicação de um nariz eletrônico (E-Nose), onde essa técnica e a metodologia foram desenvolvidas para detectar os gases emanados de uma planta sob a condição de estresse hídrico.

O E-nose é um sistema eletrônico acessível, que vem sendo utilizado para análise global de odores emanados, que emula a estrutura do nariz humano. A soja (Glycine Max) foi utilizada para conduzir o experimento sob estresse. Este experimento foi conduzido durante 31 dias, observando-se as fases de crescimento das plantas durante este período. A figura 2 apresenta os resultados obtidos com o “E-Nose”, por intermédio do cálculo da área do radar (U.A.), advindo da resposta dos seis sensores internos ao equipamento.

Os valores da área do radar (U.A), obtidos pela figura 2, apresentam o comportamento da planta sendo hidrata e em crescimento, e após o período de 10 dias ocorreu a retirada completa de irrigação, mostrando uma mudança do comportamento e ressaltando a diferença entre as amostras obtida no período da manhã e à tarde. Um delta, em termos de área do radar de ~ 200 (U.A). Mostrando que há uma detecção na intensidade de maior liberação de gás durante 15 horas e 30 minutos.

A Embrapa juntamente com os seus parceiros e ICTs já vem aplicando algumas dessas técnicas, além do E-Nose, tais como câmeras RGB, térmicas, hiperespectrais, drones com câmeras embarcadas, para estudos fenotípicos de culturas de interesse.

Desafios futuros:

Reduzir a diferença de tempo entre melhoramento clássico e uso da nova fenotipagem de plantas, a fenômica, bem como a utilização das técnicas avançada de genotipagem, que varia entre 10 e 15 anos (para determinadas culturas) em aproximadamente 5,5 anos. Tempo esse relacionado entre a pesquisa e comercialização;

Os programas de melhoramento no desenvolvimento de cultivares tolerante a estresses bióticos e abióticos. O caráter não destrutivo, minimamente invasivo e automatizado das medidas possibilitará identificar indivíduos superiores em gerações segregantes, preservando-os, além de permitir uma pressão de seleção maior, devido à acurácia do processo como um todo. Em conjunto com a genômica, proteômica e metabolômica possibilitarão a redução do número de experimentos em ambientes contrastantes, abreviando o processo de melhoramento;

A aplicação de novos métodos, técnicas e automação à fenotipagem, juntamente com Genotipagem de alto desempenho, deverão permitir uma maior precisão e segurança no diagnóstico, bem como a investigação da estrutura e função, a redução do número de medidas destrutivas, bem como a redução dos erros sistemáticos e aleatórios dos experimentos, entre outros;

Formação de recursos humanos, contemplando a multidisciplinaridade e interinstitucionalidade;

Fortalecimento da colaboração nacional e internacional para trabalhos conjuntos e unificação de protocolos comuns;

Estabelecimento de parcerias com a inciativa privada;

“Data Managment” aplicado aos novos métodos de fenotipagem;

A integração da Fenotipagem, da Genotipagem, da Agricultura de Precisão e Agricultura Digital, bem como o “Big Data” e a inteligência artificial, será condição sine-que-non para a busca do conhecimento, da sustentabilidade, da tomada de decisão, da inovação e da produtividade da agricultura.

 

Paulo Sergio de Paula Herrmann Junior é pesquisador da Embrapa Instrumentação // paulo.herrmann@embrapa.br

 

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