Por Leonardo Gottems
Era uma quinta feira, dia 23 de fevereiro de 1893, quando o engenheiro alemão Rudolf Diesel recebia a patente para seu motor de autoignição. No entanto, somente no começo de 1897 é que foi construído o primeiro motor a diesel do mundo. Sua peculiaridade, na época, era o alto grau de rendimento, que conseguia aproveitar para o movimento um quarto da energia do combustível. Hoje pode parecer pouco, mas na época era um recorde.
O motor a diesel passou a ser largamente utilizado na indústria de construção naval, automobilística e aeronáutica, que, na época, se resumia à balões dirigíveis. Na agricultura essa história é um pouco mais recente. Em 1931 a Caterpillar começou a produzir o seu primeiro modelo de trator a diesel, o Caterpillar Diesel Sixty Tractor. O motor D9900 entrou em produção em 1931 e ganhou notoriedade por ser o primeiro motor diesel produzido em massa do mundo.
Apenas em 1938 a John Deere criava o primeiro trator projetado por um desenhista industrial, que chamou de Styled Model A. Até 1949, os tratores eram movidos a gasolina, já que o diesel chegou na empresa somente naquele ano, com o Model R. A popularização se iniciou quando algumas destas máquinas são levadas para a Europa no início da década de 1950, pelo Plano Marshall.
Com o Plano Nacional da Indústria de Tratores Agrícolas, em 1959, o Brasil começou a fabricação de tratores, sendo que, antes disso, as máquinas utilizadas eram importadas, e a frota nacional contava com cerca de 60 mil unidades. Nessa época, os motores mais populares eram movidos com óleo diesel.
Contudo, essa popularidade foi por muitas vezes “ameaçada”. Nas décadas de 60 ou 70, por exemplo, a preocupação com o fim do diesel estava em alta, já que o petróleo também estava ameaçado e já se falava na falta dessa matéria-prima. Somente depois dos anos 2000, com a descoberta do pré-sal, é que o petróleo teve uma espécie de respiro. A ameaça agora é outra e inevitável: A tecnologia.
“Hoje, se faz uma recontagem e sim, muito provavelmente o diesel está próximo da exclusão. Agora não mais por falta. Acho que é por substituição tecnológica e competição com as novas fontes. Provavelmente não vai ser em anos e será no mundo urbano primeiro. A agricultura sempre é uma das últimas e o trator será um dos últimos da fila, depois do transporte urbano e de cargas”, comenta José Paulo Molin, professor-associado do Laboratório de Agricultura de Precisão (LAP).
Já para João André Ozório, que é um dos fundadores da fábrica de tratores elétricos da YAK, esse futuro em que o diesel não será protagonista nos motores da agricultura, principalmente dos modernos tratores não está tão perto assim de se tornar realidade. Ele acredita que é muito provável que esse combustível fóssil tenha uma redução no seu uso nos próximos anos, mas alguns setores da economia ainda terão resistência em abandoná-lo por completo.
“Eu não diria que o fim do uso do diesel está próximo, mas acredito fielmente que é um combustível que tende a ter uma redução significativa. O uso intensivo deste combustível ainda se dá pela falta de alternativas, mas a medida que tecnologias como a tração elétrica se popularizarem mais no Brasil e no mundo os produtores rurais, indústrias e inúmeros setores da economia certamente irão abandonar o diesel”, comenta o especialista.
Um dos empecilhos para que isso aconteça, conforme explica Luís Eduardo Ferrari, gerente de Assuntos Corporativos e Regulatórios da John Deere para o Brasil, é a concorrência que está atrasada. Segundo ele, os combustíveis alternativos ao diesel ainda estão em fase de experimentação e irá demorar, e muito, para se popularizarem. “Neste momento, as fontes de energia alternativas ao diesel estão em fase experimental e necessitam de importantes aprimoramentos até atingir o grau de eficiência e produtividade exigidos pelo mercado brasileiro. Sendo assim, comercialmente falando, ainda deve levar algum tempo para que aconteça essa substituição”, indica.
Alternativas
De acordo com Ozório, existem uma série de possibilidade para a geração de energia, falando de agricultura, as PCHs e usinas fotovoltaicas têm se mostrado uma das alternativas mais eficientes e economicamente viáveis. Quem corrobora com esse pensamento é Ferrari, que destaca que tudo isso ainda precisa ser trabalhado. “Por enquanto, continuamos aprimorando a utilização de blends cada vez maiores de biodiesel para uso no curto e médio prazo. Trabalhamos também tecnologias de eletrificação pura ou com tecnologia híbrida diesel-elétrica”, diz ele.
“Quando o Proálcool tomou volume, isso na década de 80, toda a indústria trabalhou forte para fazer um caminhão com etanol e até chegou a existir. Recentemente se fala muito do biogás ou GLP ou gás em geral, que também é um grande candidato, mas ele deve vir a ser complementar em algum sistema de produção. Depois, tem o hidrogênio que é uma vertente que não deslancha nem no automóvel. E sobra a eletricidade”, acredita Molin.
Segundo o professor do LAP, o sistema eletrificado pode vir para ficar e, em alguns aspectos, está mais perto do que nunca. “Indo direto ao assunto, o trator, como fonte de potência na agricultura é uma unidade compacta e pesada porque tem que ter aderência. Para isso, ele precisa ter potência e, para ter potência, necessita de um contraponto muito forte, uma inconsistência muito com o conceito da energia elétrica para acionar veículos, em que precisa de muita potência e de horas de trabalho sem recarga. Então o trator grande, por enquanto, tem pouca chance de vingar. O trator pequeno e médio, da agricultura familiar, já estaria apto a estar no mercado, porque ele não tem o mesmo ritmo de trabalho do trator grande”, indica.
Nos laboratórios da John Deere, Ferrari diz que isso já é uma realidade. Há muitos anos a companhia trabalha em prol do desenvolvimento projetos nas áreas de eletrificação, tanto que, em 2020, a empresa foi pioneira e apresentou o conceito do primeiro trator autônomo elétrico. A partir disso, o trator possui uma unidade de acionamento elétrica, compacta e eficiente, capaz de operar 100% com energia elétrica. Isso significa trabalho sem emissão de gases poluentes e níveis de ruído extremamente baixos.
“Além de trazer um benefício financeiro muito grande a eletrificação proporciona um ambiente de trabalho mais limpo, saudável e silencioso. Apesar de um trator elétrico ter um custo superelevado, ele tem um payback muito rápido e saudável para o fluxo de caixa das grandes propriedades. Em números simples, estamos falando de uma redução de 70% do custo operacional atual, além do ganho de eficiência e da possibilidade de agregar valor ao produto final por meio de uma produção mais sustentável”, opina o fundador da Yak.
Nesse mesmo cenário, existem alguns combustíveis que vem ganhando espaço. “Majoritariamente o foco ainda é o blend de biodiesel (diesel mineral misturado a biodiesel, em proporção definida pelo governo). Qualquer outra possibilidade de utilização de novos combustíveis ainda está em estágio inicial. Fontes alternativas esbarram em requisitos técnicos diversos, desde menor poder calorífico, logo menor autonomia, como o caso do biogás, até inexistência de baterias adequadas (no caso de eletrificação). É importante ressaltar que isso ocorre em todo o mundo, e não somente no Brasil”, explica Ferrari.
Gás natural como opção
Um desses combustíveis alternativos que ganham espaço mundo afora é o gás natural. A FPT Industrial, por exemplo, anunciou a produção do 10.000º motor FPT Cursor 13 Gás Natural na linha de produção da fábrica de Bourbon-Lancy, na França, em 9 de março. Esse motor em questão se destaca pela potência e é 100% movido a gás natural. Desenvolvido para missões de longa distância, e prometendo entregar alta confiabilidade e menores custos de operação. Em relação às especificações, o FPT Cursor 13 NG tem potência de 460 hp a 1.900 rpm e torque de até 2.000 Nm a 1.100 rpm, representando uma solução de fácil utilização para os usuários finais, já que aceita GNV (gás natural veicular) e GNL (gás natural liquefeito). A solução de biometano é capaz de reduzir os níveis de emissões de CO2 a um patamar próximo a zero. “Alcançar 10.000 motores FPT Cursor 13 NG é uma conquista incrível”, afirma o gerente da fábrica da FPT Industrial, Luc Bernardini.
Eletrificação na prática
Um exemplo da eletrificação é o sistema eAutoPower que integra os tratores 8R da John Deere. “É a primeira caixa de engrenagens eletromecânicas de energia dividida para utilização agrícola no mundo. Trata-se de uma tecnologia que substitui a unidade hidráulica (bomba/motor) por dois motores elétricos. Estes motores foram construídos para que não apenas forneçam o inversor, mas também até 100 kW de energia elétrica para consumo pelo implemento. Entre os benefícios estão maior eficiência da caixa de velocidades e menores custos de manutenção”, completa o gerente da empresa.
A grande barreira para a chegada de máquinas eletrificadas ao mercado são as baterias. Nesse momento, a tecnologia existente não é capaz de suprir as demandas energéticas necessárias para manter uma máquina agrícola operando por um dia completo.
Outra tentativa, tão contundente quanto, para eletrificar os sistemas de produção agrícolas veio da própria YAK, que planeja, para esse ano ainda, o pré-lançamento de um trator elétrico para uso agrícola. Atualmente, a startup conta com três modelos de tratores elétricos de pequeno porte produzidos para uso industrial, com potências que variam de 9 a 24 kW. No dia de campo para apresentar a tecnologia, a YAK utilizará equipamentos semelhantes aplicados à atividade agrícola.
“De maneira geral utilizamos baterias de alta tecnologia com vida útil longa e uma boa autonomia, além disso, os tratores da YAK têm sistema de carga rápida, motores com uma vida útil enorme e são totalmente conectados com a internet”, conta Ozório.
Tendência sem volta
A eletrificação é considerada uma tendência sem volta para os especialistas consultados para essa reportagem. “Acredito que as máquinas agrícolas eletrificadas serão parte importante da agricultura brasileira do futuro”, corrobora Ferrari. “No entanto, acho que não estamos no ponto ainda, preparados, para competir com outras soluções que hoje abastecem os tratores grandes”, assinala Molin.
O fundador da YAK, no entanto, tem uma visão um pouco diferente dos citados anteriormente. Ele acredita que o futuro da eletrificação já começou. “Na verdade a tração elétrica já é uma realidade, carros, caminhões, motos e uma série de outros veículos já são elétricos, os tratores ainda estão dando os primeiros passos, mas com toda a certeza seguirão esta tendência, que vejo como um caminho sem volta”, conclui Ozório.