Legislação: o que mudou nas emissões depois da MAR-1

Por Viviane Taguchi

O avanço tecnológico do agronegócio, que a cada safra, agrega mais inteligência artificial e ferramentas digitais de precisão para minimizar os impactos da produção mecanizada ao meio ambiente, também inclui o desenvolvimento de motores mais sustentáveis. No Brasil, as máquinas agrícolas (movidas por motores à combustão, com óleo diesel, biodiesel, biometano ou HVO – Hydrotreated Vegetable Oil) devem seguir normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), instituídas desde os anos 1960 e atualizadas constantemente e, mais recentemente, regulamentações do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), similar às normas internacionais Tier 3 (Estados Unidos) e a Stage 3 (Europa).

A preocupação com o nível de emissões de poluentes na atmosfera, pelas autoridades brasileiras, começou na segunda metade da década de 1980, com o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE), criado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), através de resoluções que estabeleceram diretrizes, prazos e padrões legais de emissões para diferentes categorias de veículos. “No Brasil, o controle das emissões de motores diesel de máquinas agrícolas é realizado através da resolução 433/2011, que dispõe sobre a inclusão no Proconve e estabelece limites máximos de emissão de ruídos”, explica o Chefe de Secretaria ABNT/CB-203, engenheiro Leoni de Souza Leite. 

Para os veículos leves e pesados, a fase 1 do Proconve teve início em 1989, mas para as máquinas agrícolas e rodoviárias, a regra passou a valer em 2015 para as máquinas rodoviárias e, 2017, para as agrícolas (modelos com potência igual ou superior a 75 kW – 101 cv – até 560 kW, 761 cv) e 2019, para todos os modelos abaixo de 100 cv até 25 cv. É o Proconve MAR-1. “Hoje, todos os motores a combustão, que utilizam diferentes tecnologias, para veículos agrícolas, novos ou importados, precisam seguir as normas do MAR-1”, diz Rafael Sousa, engenheiro mecânico especialista em motores a diesel. 

A operacionalização e o cumprimento da resolução 433/2011 ocorre através da Instrução Normativa do IBAMA nº 6, de 15/04/2015. “Nesta instrução, são citadas as normas técnicas referentes às emissões de motores a diesel, que tem o mesmo conteúdo das normas internacionais da International Organization for Standardization (ISO)”, comenta Souza Leite. Existem quatro normas técnicas da ABNT que têm relação com as emissões: ABNT NBR ISO 8178/1:2012 (medição das emissões de gases e material particulado em banco de ensaio); ABNT NBR ISO 8178-4:2012 (ciclos de ensaio em regime constante para diferentes aplicações do motor); ABNT NBR ISO 8178-7:2012 (determinação de família de motor) e a ABNT NBR ISO 14396:2011, que especifica os requisitos adicionais para os ensaios. “Existem outras normas para motores diesel, componentes e máquinas agrícolas que devem ser seguidas, mas não são especificamente relacionadas às emissões”, afirma o Souza Leite.

Para atender os novos limites de emissões do MAR-1 implicaram em modificações nos motores por parte de todas as indústrias, como a utilização de diesel com teor de enxofre reduzido, por exemplo. “Existem inúmeras normas técnicas para motores de máquinas agrícolas e a MAR-1 veio para atender todos os critérios da legislação e normas técnicas”, complementou Sousa, que é autor de um trabalho que exemplifica a utilização da nova geração de motores no campo, sob o ponto de vista do usuário. “A agenda de controle de emissões varia para cada país, leva em conta a tecnologia de combustão no motor, qualidade do combustível usado e deve, também, considerar o impacto dessas novas tecnologias para o produtor rural”, diz, se referindo à manutenção dos equipamentos, vida útil, custos e conforto para o operador.

Menos poluentes

A nova legislação MAR-1 definiu limites de emissões dos poluentes monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos (HC), óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulado (MP). Nota técnica da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) aponta que, se comparada com motores não certificados ou não regulamentados, os antigos, a redução da poluição de material particulado da fase MAR-1 pode chegar a 85% e a de NOx até 75%. “Motores não regulamentados podem emitir, em média 4 gramas de material particulado por 1 kWh, algo em torno de 6 quilos de material particulado em quatro meses, enquanto em motores regulamentados, essa emissão cai para 0,3 gramas por 1 kWh”, comparou Sousa.

Para atender às novas especificações, a indústria precisou investir e aportar tecnologias aos seus produtos como o controle eletrônico de injeção, recirculação de gás de escapamentos (EGR) e redução catalítica seletiva (veja quadro). “Alguns fabricantes de motores optaram por instalar motores de controle eletrônico de três cilindros enquanto outros atenderam a norma MAR-1 com motores mecânicos de quatro cilindros”, afirmou Sousa. “O mercado brasileiro está em adaptação a todas essas mudanças”.

Fazer mais com menos

Para a indústria, grandes multinacionais que atendem diversas marcas de máquinas e tratores comercializados no Brasil, as modificações que os padrões MAR-1 impuseram na fabricação de motores agrícolas e rodoviários no Brasil não foi, exatamente, um desafio, já que nos Estados Unidos e na Europa, os padrões Tier 3 e Stage 3 já eram exigidos. “A redução das emissões de poluentes seguindo os padrões Tier-3 já eram realidade na Europa desde 2006, então, o que fizemos foi trazer a tecnologia que já utilizávamos lá para o Brasil”, explicou André Rocha, gerente de vendas e pós-venda da divisão de motores da AGCO Power, fabricantes de motores das marcas Massey Fergusson, Challenger, Fendt e Valtra. “No entanto, houve um intenso período de testes de adaptações para a realidade da agricultura no Brasil, uma tropicalização desses motores”.

De 2019 para cá, a AGCO Power praticamente renovou todo o seu portfólio de motores para aplicação no campo. “É uma evolução das tecnologias em busca da redução de emissões de poluentes na atmosfera até zerar essas emissões”, disse o executivo. “A tecnologia eletrônica embarcada a partir das novas especificações transformou os motores e hoje, o motor não é mais apenas uma peça mecânica no veículo”, afirmou Rocha. “É o cérebro da máquina que trabalha em parceria com o operador, inclusive antecipando, através de telemetria, qualquer problema que possa vir a apresentar”.

A multinacional FPT, do Grupo CNH Industrial, fabrica os motores para as montadoras Case e New Holland, e desde 2015, já desenvolveu pelo menos 50 novas configurações para seus produtos para atender a MAR-1. “As máquinas agrícolas sofreram grandes evoluções tecnológicas em um curto período de tempo”, disse o especialista em marketing de produto da FPT Industrial, Edinilson Almeida. “Novas tecnologias chegaram e possibilitaram às máquinas utilizar combustíveis alternativos de baixa ou zero emissões. O MAR-1/Tier 3, como chamamos na FPT, estabeleceu no Brasil um novo patamar tecnológico para motores, a partir do desenvolvimento de novas soluções em pós-tratamento”.

Almeida diz que existe um “antes e depois” do MAR-1. “Anteriormente, não havia limites e os motores eram considerados não emissionados, ou Tier 0, com emissores brutas acima do chamado Stage 1. Hoje em dia, com os novos limites em vigor, houve uma redução média de emissões de 60% de material particulado e de 56% de óxidos de nitrogênio”. Segundo ele, seis máquinas equipadas com motores MAR-1/Tier-3 trabalhando no campo ou em uma obra geram o mesmo volume de emissões de apenas uma máquina não emissionada. 

Diesel ou biodiesel

A busca pelas reduções de emissões agrega a tecnologia embarcada nos motores ao tipo de combustível utilizado. O MAR-1 estabeleceu que o óleo diesel utilizado deve obedecer a resolução ANP nº 50, de 23 de dezembro de 2013, com curva de destilação melhor definida, maior número de cetano e menor teor de enxofre. Para a Anfavea, o “novo diesel” só traz vantagens, como a redução das emissões de material particulado, menor desgaste dos anéis e cilindros, com aumento da vida útil da máquina e menor deterioração do óleo lubrificante. 

Mas para que haja uma redução de poluentes significativa, além do que é estipulado pelo Proconve MAR-1, o tipo de combustível utilizado nas operações agrícolas também deve ser levado em consideração. Atualmente, no Brasil, há dois tipos de diesel, o S-10 e o S-500, biodiesel em suas diferentes concentrações que vão até o B100 (biodiesel sem mistura ao óleo diesel), o biometano e o Hydrotreated Vegetable Oil (HVO), o chamado diesel verde, que pode ser produzido a partir de lodo de esgoto, gorduras residuais como o óleo de cozinha, gordura animal, óleo alto (de madeira) e óleos vegetais. “Uma ação interessante para avançarmos ainda mais nas reduções seria a comercialização de um único tipo de óleo diesel com baixo teor de enxofre”, aponta Edinilson Almeida, da FPT.

Ele aponta que outro avanço seria a criação de uma especificação técnica padrão para os biocombustíveis. “O biodiesel, por exemplo, pode ser de origem vegetal ou animal e cada uma dessas origens têm impactos diferentes no consumo, na performance e na quantidade de emissões de poluentes”, diz. 

Rocha, da AGCO Power, concorda. “Hoje, todo os setores da indústria buscam a redução das emissões, é uma meta global e os combustíveis renováveis, de todas as fontes, tendem a ser cada vez mais utilizados em motores, com diferentes tecnologias”, afirma. “É uma evolução: tínhamos o carvão, o petróleo, o diesel e agora, o biodiesel, mas também precisamos nos preocupar com as origens dessas fontes. Não adianta reduzirmos as emissões de um lado e aumentar de outro”, diz o executivo, citando casos de eletrificação. “Tem que ser um trabalho conjunto”.

Ainda não há definições sobre as próximas fases do Proconve MAR-1. Nos EUA e na Europa, as normas de emissões de poluentes estão em fase final das resoluções Tier 4 e Stage 5. Com os novos requisitos, os motores produzidos terão emissão praticamente zero de poluentes. “Com o Stage 5, que já está em vigor na Europa, o ar sai do motor mais limpo do que entrou”, finaliza o engenheiro Rafael Sousa.

Box:

Novas tecnologias

Com o MAR-1, as indústrias agregaram inovações aos seus motores:

ω Controle eletrônico de injeção – É uma tecnologia adotada por quase todos os fabricantes de motores, que garante maior pressão de injeção e melhor precisão no fluxo de combustível. 

ω Recirculação do Gás do Escapamento (Exhaust Gas Recirculation – EGR) – Tecnologia pela qual o gás de escapamento retorna à câmara de combustão do motor, reduzindo a temperatura da combustão e a formação de óxidos de nitrogênio (NOx). Adicionalmente, é necessário um sistema de turboalimentação mais complexo. 

ω Redução Catalítica Seletiva (Selective Catalityc Reduction – SCR) – Nesta alternativa, um reagente líquido, o Arla 32, é pulverizado no gás de escapamento, ocorrendo uma reação química no catalisador, que praticamente neutraliza a geração de NOx. Nos casos da utilização do SCR, pode haver um mecanismo de avaliação conhecido como On-Board Diagnose (OBD), que identifica a presença do Arla 32 e registra as falhas causadas pelo não uso do reagente. O OBD também pode reudzir a potência do motor quando falta o Arla 32, e alertar o operador, através de sensores no painel.. Quanto ao material particulado (MP), esse poluente é reduzido no próprio motor durante a combustão.

* A tecnologia EGR reduz as emissões de NOx no interior do motor por meio da reinjeção de parte do gás de escapamento

* A tecnologia SCR reduz as emissões de NOx fora do motor (no catalisador) através de reação química causada pela injeção do Arla 32. 

Escalonamento do PROCONVE MAR-1:

Para as máquinas de construção (rodoviárias):

– 2015 Novos modelos introduzidos ou lançados no mercado de potência igual ou superior a 37 kW (50 cv) até 560 kW (761 cv) 

– 2017 Todos os modelos com potência igual ou superior a 19 kW (25 cv) até 560 kW (761 cv)

Para as máquinas agrícolas e implementos:

– 2017 Todos os modelos com potência igual ou superior a 75 kW (101 cv) até 560 kW (761 cv) 

– 2019 Todos os modelos com potência igual ou superior a 19 kW (25 cv) até 75 kW (101 cv)

Combustíveis limpos

Para atender as especificações do Proconve MAR-1, a indústria agregou tecnologia aos motores e a tendência é que cada vez mais eles utilizem combustíveis alternativos:

– Óleo diesel S-10 e S-500 com menor teor de enxofre

– Biodisel – já experimentos industriais com motores movidos com o produto, feito a partir de soja, macaúba, palma, etc. A AGCO Power desenvolveu motores para a utilização da mistura B100.

– HVO (Diesel Verde) – testes experimentais com o diesel verde estão sendo feitos pela indústria. Esse produto pode ser obtido a partir de fontes vegetais, como o biodiesel, animais, de gorduras residuais ou animal, e logo de esgoto.

– Biometano – A FPT já lançou no mercado motores para tratores movidos a biometano, gás obtido a partir das fezes de suínos. De acordo com o fabricante, os motores apresentam o mesmo desempenho da versão a diesel, com 30% de redução de custos. “Permite ao produtor rural um patamar mais elevado de operação, não somente pela produção com menor impacto ao meio ambiente, mas podendo trabalhar com autonomia energética, redução de custos e o mesmo desempenho de um trator padrão”, diz Edinilson Almeida.

Related posts

Lavouras de soja devem ser abandonadas no Rio Grande do Sul

Fenotipagem de plantas: desafios de uma moderna agricultura

Especialistas comentam sobre o surgimento da mecanização tropical