Robótica: onde estamos e para onde vamos com sistemas autônomos no campo

O uso de robôs autônomos, ou da robótica, ainda está limitado às pesquisas, mas acredita-se que os chamados “agrobots” sejam parte da solução para a necessidade do aumento da produção alimentar no mundo

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A população mundial está aumentando. Fato confirmado pela Organização das Nações Unidas (ONU), que indica que devemos atingir o número de em 8,5 bilhões de habitantes em 2030 e 9,7 bilhões em 2050. Isso, no entanto, implica alguns dilemas a serem debatidos pelos diversos setores da sociedade, principalmente na agricultura, já que mais pessoas significa maior demanda por alimentos e, se já não temos o suficiente hoje, o futuro pode não parecer muito promissor.

Com o surgimento da robótica no campo, os chamados agrobots podem estar chegando para cumprir algumas lacunas da produção agrícola, reduzindo custos e otimizando o trabalho do produtor rural. De acordo com um artigo publicado pelos pesquisadores Neusa Maria Hackenhaar, Celso Hackenhaar e Yolanda Vieira de Abreu, todos da Universidade Federal do Tocantins, diversos avanços foram feitos no setor nos últimos anos.

“O crescente aumento demográfico implica um aumento da produção de energia e de alimentos; assim, a eficiência agrícola precisa ser triplicada nos próximos anos para sustentar o aumento da demanda por alimentos. Uma das técnicas para intensificar a produção de alimentos é a robótica. Nos últimos anos, diversos avanços foram feitos no setor”, escrevem os pesquisadores em seu artigo, disponível na plataforma Scielo.

Neste contexto, a robótica no campo parece estar ainda no estágio inicial da tecnologia, segundo informa o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e presidente do Comitê Gestor do Portfólio de Automação, Agricultura de Precisão e Digital da Embrapa, Ricardo Inamasu. Nesse mesmo ponto, o engenheiro elétrico Jayme Garcia Arnal Barbedo, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital, acrescenta que o uso de robôs autônomos ainda está limitado às pesquisas. Além disso, ele explica que esses robôs estão sendo utilizados de uma forma mais específica, como sendo terrestres e aéreos.

“Alguns processos vêm sendo automatizados, como a ordenha de vacas e a aplicação de defensivos para combate de ervas daninhas. Contudo, o uso de robôs autônomos ainda está limitado às pesquisas. No caso de robôs terrestres, isso ocorre porque os terrenos em campos agrícolas reais tendem a ser acidentados e a conter muitos obstáculos. Alguns robôs mais sofisticados até conseguem lidar com essas condições mais difíceis, mas, nesse caso, o alto custo desses equipamentos acaba por inviabilizar seu uso prático. No caso de robôs aéreos (drones), as pesquisas estão em estágio avançado, mas ainda existem desafios que precisam ser vencidos”, completa Barbedo.

A robótica no Brasil

Em terras brasileiras, Inamasu observa que o País vem acompanhando as tendências, mas ainda não é possível observar uma adoção que pode ser entendida como madura. Ele escreveu um artigo sobre robótica na agricultura de precisão, ao lado de Rubens Andre Tabile e Arthur José Vieira Porto, ambos da Universidade de São Paulo (USP), em que afirma que os robôs vieram para somar, mas não conseguem ainda resolver todos os problemas.

“A multidisciplinaridade e os avanços tecnológicos que passam a envolver as novas práticas agrícolas abrem oportunidade para a inserção de sistemas autônomos no campo. Este, por sua vez, deve ser interpretado como uma ferramenta de auxílio que irá compor e incrementar o sistema de manejo e não como uma solução isolada e imediatista”, diz.

Segundo Barbedo, essa multidisciplinaridade existe nos estudos, mas um problema recorrente é que quase não temos recursos para pesquisa no Brasil. Mesmo assim, o País está na vanguarda. “Apesar da escassez de recursos para pesquisa, estamos na vanguarda quando se trata de pesquisas relacionadas à automação dos processos agrícolas, juntamente com países como os Estados Unidos, a Austrália, a Holanda e Israel. Uma vantagem das pesquisas realizadas aqui é que as soluções propostas geralmente têm um custo relativamente baixo, tornando-as mais atrativas para uso prático”, informa.

Cristiano Pontelli, gerente de negócios da Jacto, também acredita que o tema da robótica no campo ainda está na fase inicial. O executivo que trabalha com robótica dentro da própria empresa cita alguns países que estão mais desenvolvidos em relação à robótica. “Enquanto nos EUA e na Europa há feiras e eventos específicos para esse assunto, com o objetivo de reforçar a divulgação e a demonstração em campo, no Brasil, ainda são raros os eventos que abordam o tema. Atualmente, no Brasil, temos iniciativas em pulverização, plantio e monitoramento de pragas e doenças, utilizando sistemas autônomos terrestres e aéreos”, completa ele. 

Um fator que diferencia os países, segundo Inamasu, é que o Brasil carece de mão de obra especializada para operar as máquinas, diferente dos EUA e do Japão, por exemplo. “A grande diferença é que nesses países, ao contrário do Brasil, a mão de obra especializada não é um problema e, muitas vezes, as operações são realizadas pelo proprietário ou membros da família. Assim, a automação de tarefas vem no sentido de trazer conforto e redução da jornada de trabalho”, escreve o pesquisador.

Um olhar estrangeiro sobre a robótica

Para Filipe Neves dos Santos, pesquisador da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), de Portugal, a utilização de robótica no campo já é uma realidade atualmente. “Obviamente existem tipologias de culturas e tarefas, onde a aplicação desses robôs se encontram mais avançadas, como é o caso das culturas aráveis”, diz o especialista.

“A Europa tem investido, através dos fundos comunitários (H2020, Horizon, next generation EU) no desenvolvimento de tecnologias robóticas para a aplicação em contexto de agricultura e, ao mesmo tempo, tem promovido e incentivado a utilização de práticas mais sustentáveis e mais amigas do meio ambiente. Com estas duas ações, tem se promovido o desenvolvimento de novas soluções e o aparecimento de novas empresas que comercializam robôs e soluções de automação que aliviam a necessidade de recursos humanos e aumentam a sustentabilidade das práticas agrícolas”, completa dos Santos.

Em sua visão, existem três grandes benefícios: reduzem o problema da escassez de mão de obra, aumentam a produtividade e permitem a realização de práticas agronômicas mais sustentáveis, tais como aplicação dos produtos certos, no local exato, no momento mais adequado e na quantidade exata. No entanto, existem desafios.

Parte da equipe de Filipe Neves Dos Santos em campo

“Existem vários desafios que a nível da robótica ainda se precisa resolver e investigar mais, nomeadamente a legislação e regulamentação da utilização desta tecnologia, para que facilitem a sua utilização, o desenvolvimento de soluções e sistemas de segurança que garantam a segurança; além de soluções robóticas de custo mais ajustado à realidade dos agricultores com propriedades de pequenas e médias dimensões de agricultores”, diz.

Os benefícios da robótica no campo

De acordo com Inamasu, o ponto principal de usar robôs no campo é aumentar a capacidade de trabalho reduzindo serviços penosos. Sendo assim, ele explica que essas são as principais vantagens de se usar esse tipo de tecnologia, ou seja, produzir mais, com mais precisão e com menos esforço físico.

“No que tange ao sistema móvel em si, estes precisam superar problemas relacionados à limitação de recursos computacionais e alimentação, devido a restrições relacionadas com a mobilidade do sistema. Recorrente a este aspecto, o desafio é projetar esses complexos sistemas de configuração móvel com baixo consumo de energia, mantendo o alto poder computacional requerido”, comenta o especialista no estudo.

Outro benefício da robótica, segundo Barbedo, é conseguir monitorar em tempo real as áreas maiores da produção de alimentos, fato que é praticamente impossível apenas de maneira visual. Isso porque as técnicas de inteligência artificial se fazem valer de câmeras e de sensores para detectar problemas potenciais e até informar em que situação se encontra a produção naquele momento.

“Um benefício claro trazido pela robótica é a possibilidade de se ter um monitoramento permanente de grandes áreas, o que nem sempre é possível fazer de maneira visual. A presença de sensores (câmeras em particular) em maquinário agrícola e outros equipamentos, em combinação com sofisticadas técnicas de inteligência artificial, faz com que a detecção de potenciais problemas possa ser realizada de maneira rápida e acurada, acelerando o processo de tomada de decisão, evitando prejuízos e tornando mais racional o uso dos recursos”, explica ele.

Um ponto importante que ele acredita ser necessário observar é que esse tipo de tecnologia não elimina o elemento humano, mas muda o perfil desejado para os trabalhadores rurais.

“Em particular, diminui a intensidade dos trabalhos braçais, mas aumenta a necessidade de pessoas com conhecimentos básicos para lidar com as novas tecnologias que são introduzidas. Portanto, é necessário um investimento em educação para preparar os trabalhadores rurais para lidar com a nova realidade trazida por essas tecnologias”, completa o especialista.

No caso específico da empresa Jacto, Pontelli cita como exemplo o Arbus 4000 JAV que é um pulverizador autônomo nível 4, ou seja, que permite operar de maneira autônoma com auxílio de um operador presencial em campo. Nessa tecnologia, ele cita alguns pontos positivos da robótica, como um melhor controle, menor risco de exposição e também uma maior eficiência na hora da operação, o que, no caso de defensivos químicos, é fundamental para a saúde do operador.

“Os benefícios são inúmeros: melhor controle da aplicação, eliminação da exposição de operadores a riscos (não há operador na máquina), monitoramento remoto da aplicação via web, controle automático de seções e eventuais economias de combustíveis, entre outros benefícios que juntos levam ao aumento de eficiência da operação”, indica ele.

Para onde os robôs autônomos nos levarão

Praticamente todas as atividades agrícolas já possuem soluções para sua automação que apresentaram bons resultados em ambiente controlado de pesquisa. O grande desafio é preparar essas tecnologias para lidar com o ambiente real, o qual tende a ser bem mais variado e complicado. Portanto, é preciso melhorar a robustez dessas ferramentas para lidar com o difícil ambiente agrícola.

“O maior obstáculo tecnológico é preparar as tecnologias desenvolvidas em um ambiente controlado para funcionarem adequadamente em condições reais. Do ponto de vista econômico, essas tecnologias precisam ter um custo compatível com os benefícios que elas podem trazer. Do ponto de vista social, o grande desafio é preparar os trabalhadores rurais para lidar com essas novas tecnologias, o que demandará investimento em educação e políticas públicas específicas. Sem esses esforços, ou as tecnologias não serão adotadas por falta de mão de obra adequada, ou elas poderão fazer com que uma parte desses trabalhadores seja excluída, o que não é desejável”, explica Barbedo.

Inamasu acrescenta que o produto ainda não adquiriu a maturidade necessária no Brasil. Nesse cenário, a mecanização tem avançado consideravelmente apoiando as operações de campo e a  tendência parece ser a de robotizar esses equipamentos. O trator é o elemento mais óbvio, porém, é um dos elementos mais complexos pela necessidade de considerar os implementos. “A academia tem estudado estruturas robóticas para atuar no campo, mas são objeto de estudo e TRL (Technology Readiness Level) ainda no nível baixo.”

O futuro deve contar com aumento da automação e a inserção da robótica e inteligência artificial em todos os setores da sociedade, algo irreversível para Barbedo. “Como colocado acima, os desafios envolvidos no caso da agricultura são particularmente difíceis de serem resolvidos, mas à medida que essas barreiras sejam vencidas, a inserção dessas tecnologias aumentará.Tendo como referência a evolução do uso dessas tecnologias nos últimos anos, a tendência é que o ritmo de adoção dessas tecnologias continue a acelerar”, conclui o pesquisador.

Pulverizador Arbus 4000 JAV, da Jacto. Agrobots podem estar chegando para cumprir algumas lacunas da produção agrícola

Como funciona o pulverizador da Jacto

O pulverizador Arbus 4000 JAV, em destaque nas imagens desta reportagem, traz embarcado uma inédita tecnologia de pulverização, com escaneamento a laser para avaliar a massa foliar da planta, consegue identificar o tamanho e proporção da planta, bem como onde existe massa verde.

“Essas informações permitem uma pulverização de qualidade diferenciada com corte inteligente de seções, entregando a quantidade exata de produto e volume de ar ideal em cada parte da planta, evitando assim desperdícios de produto e energia”, comenta Pontelli.

O grande diferencial está no uso do computador embarcado capaz de utilizar as informações de laser, câmera e GPS para trafegar dentro da lavoura, além de conseguir mapear as plantas e, consequentemente, atuar para controlar as seções de pulverização.

“Também pode monitorar pragas e doenças em tempo real e realizar a medição de produtividade”, indica. “Sempre estamos buscando novos produtos e soluções para o agricultor. As vantagens são inúmeras. Além das citadas, podemos ainda falar da medição automática da produtividade da lavoura, identificação de pragas e doenças através de câmeras e inteligência artificial”, conclui.

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