A mecanização está presente em todas as atividades agrícolas, variando enormemente quanto aos níveis empregados e isto está diretamente associado às características do produtor, da lavoura e da região, como aspectos fundiários e topografia.
Níveis da mecanização
Trata-se de um parâmetro que avalia o grau de sua adoção, em função das características da atividade agropecuária que se está considerando ou avaliando. Parte-se do princípio de que é tecnicamente possível se mecanizar todas as etapas de todos os processos produtivos, sendo que a disponibilidade de equipamentos agrícolas para realizar diferentes tarefas depende diretamente do potencial mercadológico desses equipamentos, para que dê o retorno financeiro ao investimento realizado no seu desenvolvimento, em prazo razoável.
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Este potencial mercadológico é maior quanto maior for a razão entre a receita estimada obtida com o equipamento em questão e os investimentos realizados na sua concepção. Da mesma forma, um equipamento tem maior penetração no mercado quanto maior for a razão entre o resultado obtido com seu emprego e seu custo de utilização. Portanto, podemos considerar que o que define se uma operação agrícola é mecanizável é o seu custo de operação.
Outro componente importante do custo/hora das máquinas é sua taxa de utilização anual. Portanto, investe-se mais na concepção de máquinas que serão empregadas mais frequentemente. Para driblar essa situação de baixa frequência de utilização que dificulta investir em equipamentos mais caros, os usuários de máquinas aumentam sua utilização anual, prestando serviços para terceiros, por exemplo.
O caso do algodão
Foram muito nítidas as mudanças do centro geográfico de produção do algodão no Brasil. Na década de 1980, em função do surgimento do bicudo, essa produção se deslocou no Norte, com produção de espécies arbóreas, para o Sul e Sudeste do Brasil, com a produção de espécies herbáceas, em áreas tipicamente de agricultura familiar.
As dificuldades com a mão de obra, a ocorrência de erosões, instabilidade no mercado e a dificuldade de associar essa cultura com outras de maior rentabilidade na região, levaram a uma drástica redução de área de produção nesta região, até o final da década de 1990 (O Estado de São Paulo, 2023).
A adaptação da cultura, principalmente para realização de uma colheita não escalonada, possibilitou a intensa mecanização dessa lavoura, abrindo a possibilidade de sua adoção no Cerrado, tornando este bioma o principal produtor brasileiro atualmente, sendo o Mato Grosso o principal estado produtor, recolocando o Brasil no cenário internacional, se tornando um importante produtor e exportador mundial.
Eis um exemplo onde a possibilidade de mecanização viabilizou a atividade, mesmo que estejam envolvidos máquinas e equipamentos de alto valor agregado, como as colhedoras, um dos equipamentos agrícolas com maior valor unitário. A explicação está justamente no tamanho das áreas de produção, que viabilizam o investimento em equipamentos de alto valor agregado e especializados. Portanto, a mecanização pode ser considerada como uma estratégia de otimização das atividades agrícolas, podendo trazer soluções importantes, como essa revitalização da cotonicultura brasileira relatada acima.
Mecanização além da colheita
O caso do algodão é emblemático e se caracteriza pela mecanização da colheita como ilustração da importância da mecanização e um exemplo que pode nortear ações e políticas em outras atividades agrícolas, como no caso da cana-de-açúcar, em que se busca uma alternativa aos sistemas semi-mecanizados, mas que erroneamente se apresenta como única solução alternativa a mecanização direta de sua colheita.
Nos parece evidente que há grandes possibilidades na adoção da mecanização indireta para a colheita da cana-de-açúcar, adequando esta atividade para inúmeras realidades topográficas, melhorando a distribuição dessa produção no território brasileiro, mas isso poderá ser um assunto para outro momento.
Os cuidados necessários com os sistemas elétricos das máquinas
Voltando para o algodão, teria sido ineficaz a possibilidade da mecanização de sua colheita se os demais processos de produção também não fossem mecanizáveis, para dar mais agilidade na sua produção. A diferença é que a mecanização das demais etapas, como semeadura e tratos culturais, se baseiam em estratégias semelhantes às demais culturas anuais, necessitando apenas de algumas pequenas adaptações, exigindo menos investimentos no desenvolvimento dessas tecnologias.
Já no caso das colhedoras de algodão isso não acontece, pois são equipamentos altamente especializados. Tal especificidade significa um desenvolvimento para um uso restrito e, por diversos motivos, são aplicados em equipamentos de maior porte. Dentre esses motivos, destaco a facilidade de se desenvolver componentes como fusos, cortadores, limpadores para máquinas maiores.
Eis a situação que apresenta uma solução para a colheita mecanizada do algodão, que até então, era o limitante para mecanização intensiva desta cultura. Dada a solução mecânica, se constata naturalmente que essa possibilidade se aplica a grandes áreas de produção para viabilizar economicamente a proposta.
Acrescenta-se a necessidade dessas máquinas de grande porte atuarem com restrições topográficas, sendo mais eficientes em local de baixa declividade. Tais fatores, associados ao desenvolvimento de alternativas técnicas para adoção do Sistema de Plantio Direto também para o algodão, o que se consolidou no final da década de 1990 e às soluções de manejo da cultura já citados, favoreceram a retomada da atividade, agora nas condições do cerrado brasileiro, com mecanização intensiva e que se tornou o polo produtor de algodão do Brasil e com grandes possibilidades de expansão.
Nesse sentido, as operações de preparo de solo, tanto primário, que são as arações, como o secundário, representado pelas grades leves, estão abolidas. Numa situação extrema, poderão ser consideradas algumas operações empregadas eventualmente, como a escarificação ou subsolagem, mas isso passa a ser considerado um preparo corretivo e realizado esporadicamente, associado a uma adequada avaliação da necessidade.
Já para semeadura e tratos culturais, as semeadoras de sementes graúdas ou plantadoras, como são tratadas no cotidiano e os pulverizadores são essenciais. Como já considerado acima, em se tratando de grandes áreas de produção de algodão no cerrado, esses equipamentos estão sendo oferecidos em configurações mais adequados a essa cultura, mas, tecnologicamente falando, adotam os mesmos recursos desenvolvidos e concebidos para as demais culturas anuais. Para tais configurações podemos considerar os espaçamentos e mecanismos de distribuição de insumos, como sementes, fertilizantes e defensivos.
Semeadura
Para esclarecermos um conflito de terminologias, rigorosamente falando, o algodão é semeado e não plantado. Logo, as máquinas que semeiam o algodão são semeadoras e não plantadoras, como se diz no cotidiano. Para distinguirmos tecnicamente as semeadoras, elas são classificadas como semeadoras de sementes miúdas ou de fluxo contínuo, pois aplicam as sementes no sulco de semeadura em volume. Há também as semeadoras de sementes graúdas, que aplicam as sementes individualmente, também chamadas de semeadoras de precisão por isso.
No caso do algodão, empregam-se esta última e é fundamental para que se tenha um bom estande da cultura que essa operação seja feita com qualidade e precisão. Nesses equipamentos, as linhas de semeadura são individuais e é muito importante colocá-las no espaçamento adequado, para atender o espaçamento da colheita. Definido o espaçamento entre linhas, define-se o espaçamento entre sementes, para se atingir a densidade de plantas por área recomendada pelo material genético empregado. Para isso, acerta-se o sistema de distribuição de sementes para que libere sementes nos espaços de deslocamentos adequados. Basicamente, existem dois sistemas: mecânico e pneumático. As semeadoras pneumáticas são as que tendem a oferecer maior precisão.
Uma atenção especial deve ser dada aos esquemas de rotação de culturas quando se produz algodão, pois essa cultura tende a oferecer uma menor cobertura da superfície do solo, durante seu desenvolvimento vegetativo. Isso se deve ao espaçamento usual empregado e à arquitetura da planta. Consequentemente, as culturas anteriores devem fornecer grande volume de biomassa aérea e essa palha deve ser persistente, para resistir por mais tempo e proteger o solo. Dessa forma, e associado às demais medidas recomendadas, os riscos de erosão serão minimizados.
Pulverização
Esse tema é um universo à parte, dada a importância de se realizar pulverizações adequadas e eficientes. Não esgotaremos o assunto, mas destacaremos algumas informações e conceitos que se aplicam às pulverizações de uma forma geral.
Toda aplicação tem um alvo definido, como: solo, planta, folhas, inseto ou fungo, para citar os mais comuns. Alvos diferentes exigem tecnologia de aplicação diferente. Em suma, cada alvo define um espectro de gotas da pulverização que tem mais chances de atingir o alvo. A configuração adotada no pulverizador deve fornecer esse padrão de gotas.
2. Espectro de gotas
As pontas de pulverização adotadas e a pressão aplicada na calda de pulverização definem o espectro de gotas da aplicação, que é a distribuição de tamanhos dessas gotas que sai no leque de aplicação de cada ponta. O ideal é que não haja variação do tamanho de gotas e o grande investimento que se faz em tecnologia de aplicação está na concepção de pontas que forneçam determinado tamanho de gota, com menor variação. Porém, as pontas dependem de algumas condições operacionais para atuarem adequadamente, das quais destacamos: qualidade da calda, pressão de aplicação e condições atmosféricas.
A qualidade da calda implica em se conhecer as características da água que se usa para produzi-la, quanto a pureza e seu PH, pois isso pode interferir na ação do produto aplicado e em evitar as misturas de produtos que alterem suas características.
A pressão de aplicação é o principal fator formador de gotas, que deve ser definida em função da ponta e do produto a ser aplicado e não em função da taxa de aplicação que se pretende. A taxa de aplicação deve ser uma consequência da pressão definida para se obter o espectro de gotas pretendido com a escolha das pontas adotadas.
Finalmente, as condições atmosféricas devem ser monitoradas para orientar uma boa aplicação, pois quanto menores forem as gotas pretendidas na aplicação, estarão mais suscetíveis ao vento e à evaporação, exigindo condições climáticas adequadas. Em suma, deve se fazer um paralelo entre o que os produtos aplicados recomendam em termos de características de aplicação para que se atinja o alvo e o que se está de fato fazendo durante uma pulverização, para reduzir potencial contaminação, melhorar a eficiência dos produtos e reduzir custos de produção.
No algodão, como nas demais culturas, a mecanização é uma tecnologia adotada para se obter bons resultados e isso se consegue buscando sempre as melhores informações. Boas safras e até a próxima!
Referência: O Estado de São Paulo, 2023.
*Ricardo Ralisch é professor aposentado da UEL e consultor; ricardoralisch@gmail.com
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