Entrevista Bruno Lucchi
Diretor Técnico da Confederação Nacional de Agricultura (CNA)
Um ano de muitos desafios
POR ADRIANA GAVAÇA
O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio deve fechar* 2022 no vermelho, com queda de mais de 4% no ano, após uma sucessão de recordes nos últimos anos. Em 2020, o PIB do setor avançou nada menos do que 20%. Em 2021, foram mais 8% de acréscimo. Clima adverso e aumento do custo de produção estão entre os fatores apontados como os vilões de 2022. “Havia uma previsão de 291 milhões de toneladas para a safra de 2021/2022.
O que aconteceu de lá para cá? Tivemos mais uma vez o fenômeno La Niña de intensidade alta, principalmente nos três estados do Sul, mais o Mato Grosso do Sul. Tivemos enchentes em Minas Gerais, na Bahia e em outros estados do Nordeste, que prejudicaram muito essa safra. Pegando só soja e milho, o prejuízo foi de R$ 83 bilhões”, afirmou o diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi, durante divulgação dos resultados do setor em 2022 e expectativas para 2023.
Lucchi diz que a entidade trabalha com uma projeção de crescimento do PIB do agro para 2023 de até 2,5%, contra um crescimento previsto para a economia de 0,75%. O executivo falou ainda sobre as perspectivas para o cenário internacional, principalmente em relação à inflação, com a continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia, e de como isso poderá afetar o Brasil, além de analisar quais serão os principais desafios para o novo governo. Acompanhe!
Que resumo a CNA faz de 2022 para o setor?
Podemos dizer que o clima e os custos de produção elevados derrubaram o PIB do agronegócio. Começando a análise pelo cenário internacional, é preciso lembrar que mal tínhamos saído de uma pandemia, no início de 2022. A economia havia sido reduzida em alguns países, havia voltado a crescer pontualmente em alguns, mas o grande ponto que ocorreu, sem dúvida, foi a guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada no início do ano e que perdura até hoje. A guerra trouxe, principalmente, uma questão inflacionária. Mesmo antes, com a Covid-19, que não tinha amenizado totalmente, a inflação não tinha voltado aos patamares anteriores, mas tivemos uma aceleração ainda maior da inflação de energia e alimentos no mundo, a partir do conflito.
Qual o impacto do conflito no cenário internacional?
Países que tinham taxas de inflação baixíssimas, como a Europa, que em 2020 registraram inflação de 0,2% ao ano, e de 5,3% ao ano, em 2021, agora basicamente registram 15% em 2022, puxada principalmente pela questão energética, que foi muito cara para os países europeus, e também pela alta dos alimentos. Muitos países tiveram uma ampliação muito grande na inflação de alimentos, alguns tiveram, inclusive, problemas no abastecimento. Com isso, o PIB do mundo, que cresceu 6% em 2021, deve finalizar 2022 em 3,2%.
E quanto ao Brasil?
No Brasil, no início de 2022, a expectativa era do PIB crescer menos de 1% no ano. Vamos fechar acima de 3%, como aponta o último boletim Focus, divulgado pelo Banco Central. E esse crescimento é muito em função dos auxílios que foram colocados pelo governo e pela redução dos tributos, principalmente dos combustíveis, que impactou muito na inflação brasileira. Os auxílios liberados (Auxílio Brasil, Auxílio Caminhoneiro, Auxílio Taxista e outros) favoreceram o aumento do consumo das famílias, o que, de certa forma, fez o PIB crescer.
A inflação foi controlada, após ter chegado a casa dos dois dígitos, com a elevação constante da taxa Selic, hoje em 13,75%, e outras medidas. Do ponto de vista tributário, a expectativa é de chegar ao final do ano* com uma taxa de inflação de 5,9%. Da mesma forma, o aumento da taxa Selic permitiu que o câmbio não chegasse a valores mais elevados, fechando em R$ 5,25 por dólar.
O resultado que podemos ver é um de superávit de 1,3%, em 2022. Em 2021, já havíamos registrado superávit de 0,8%. Muitos podem dizer que isso se deve à falta de aumento de salários ou que não houve concurso público, mas teve um ponto muito eficiente que foi a digitalização de processos, que ajudou a otimizar os gastos públicos e gerar superávit.
Como se comportou o agronegócio brasileiro?
Havia uma previsão da Conab, em dezembro de 2021, de 291 milhões de toneladas para a safra de 2021/2022. O que aconteceu de lá para cá? Tivemos mais uma vez o La Niña. Tivemos enchentes em Minas Gerais, Bahia e outros estados do Nordeste, que prejudicaram a safra. Pegando só soja e milho, tivemos um prejuízo de R$ 83 bilhões. E a safra fecha o ano, de acordo com o último balanço da Conab, em 231 milhões de toneladas, o que já é um valor muito maior ao registrado na safra anterior. Porém, poderia ter sido bem maior, não fosse o clima e os custos de produção.
Só para se ter uma ideia, comparamos os valores dos fertilizantes e do glifosato, de junho de 2021 a julho de 2022. No período, houve aumento de 100%, quando falamos de cloreto de potássio e de mais de 225%, no glifosato. O Plano Safra, que foi algo que trabalhamos muito, principalmente focando no pequeno e no médio produtor, foi suspenso em fevereiro, o que também dificultou muito a produção. Só que aí, uma medida assertiva que o Ministério da Agricultura tomou foi retomar o Plano Safra, com o Pronaf. Então, para pequenos produtores, da agricultura familiar, o custeio foi mantido.
Para os demais produtores, as linhas só foram reabertas em junho. Isso, de certa forma, onerou ainda mais a produção, porque se o produtor precisasse tomar juros no mercado, essas taxas, com a Selic mais alta, ficaram bem maiores. Como resultado, o custo de produção foi um dos maiores dos últimos anos. Para os produtores, que já haviam comprado os insumos para essa safra 21/22, o impacto ainda razoável.
Mas o custo para essa safra que se desenha agora, de 22/23, os insumos que foram comprados no início e no meio do ano e que estão usados em setembro, outubro e novembro, esses foram adquiridos com valores elevadíssimos! Quando olhamos para as cadeias da soja, do milho, do arroz, do trigo, os aumentos passaram de 40%.
Em resumo…
Vamos fechar 2022 com um PIB do agronegócio de menos 4,1%, principalmente em função da queda da produção e redução dos preços das commodities. O único segmento que vai crescer dentro do PIB do agronegócio é o dos insumos, que deve registrar um crescimento muito elevado.
O que esperar de 2023?
Quando analisamos o cenário internacional, avaliamos que o mundo inteiro vai crescer, porém, em ritmo mais lento. Não teremos percentuais elevados como nos últimos anos. Para 2022, a expectativa é de um crescimento da economia mundial da ordem de 3,2% e, para 2023, de 2,7%. Há uma desaceleração no ritmo de crescimento. Se pegarmos países da Zona de Euro, veremos que isso ainda vai ocorrer em decorrência da pressão inflacionária.
De certa forma, será algo generalizado, salvo poucas exceções. Quando falamos de inflação, imaginamos que ela também vai arrefecer. A tendência é de que ela caia. Porém, não acreditamos que ela volte para os patamares anteriores, em boa parte do mundo, onde ela deve permanecer elevada, porque ainda existem questões a serem revolvidas, como a energética, principalmente.
Essa inflação, de certa forma, continua sendo mais alta. Com relação à questão da produção, o trigo é a commodity que imaginamos que terá o maior preço, por conta dos países produtores, como União Europeia, a própria Ucrânia e Rússia, terem problemas na ampliação de sua produção e gastos elevados no contexto da guerra, que podem impactar ainda mais. No geral, todas as outras commodities tendem em ter uma redução.
Não significa que vão cair a valores que eram antigamente, mas não estarão tão elevadas como em 2022. Em que pese os custos, também teremos percentual ainda significativo. Aguardamos redução no preço de fertilizantes, mas não a patamares que tínhamos antigamente. Muito ainda vai depender da guerra, como irão se encaixar no contexto internacional.
Como a economia brasileira deve reagir a tudo isso, somado à troca de comando na presidência?
No contexto da economia brasileira, nós temos uma perspectiva para o PIB próximo à estagnação, com uma expectativa de crescimento muito pequena, de 0,75% no ano. Isso deve acontecer, principalmente, em função da arrecadação, que tende a ser menor, e do impacto inflacionário, que dever ser menor que o atual, mas que ainda estará longe do teto da meta de inflação, de 4,75%.
Nossa previsão para o ano é de inflação na casa de 5,08%. A taxa Selic deve ser reduzida de 13,75% para 11,75% no nosso ponto de vista, mas ainda assim será um valor bastante elevado. E a taxa de câmbio tende a permanecer constante no patamar de R$/USD 5,25, bem semelhante ao que observamos hoje. O consumo das famílias também não deve registrar incremento muito grande. Não tendo esse incremento no consumo, os próprios produtos do agronegócio também não tendem a crescer muito, nem nas exportações, em que podemos crescer em números, nem em preços.
O consumo doméstico, como um todo, deve ser um pouco baixo, como temos observado pelos indicadores econômicos. Projetamos que o PIB do agronegócio do próximo ano fique entre 0 e 2,5%, esperamos que ele cresça, mas em percentual menor. E aí é preciso destacar que crescemos, em 2020, algo em torno de 20%; em 2021, 8%. Em 2022, devemos cair 4%. Então, crescer 2,5%, em cima de uma base extremamente elevada, não é algo pequeno. Isso mostra que o setor segue importante e trazendo bastante divisas para o País.
E quanto ao novo governo… Quais são os principais desafios?
Um tema que tem sido muito discutido e que pode balizar as discussões em 2023 é em relação ao endividamento, o risco do endividamento do governo. Nós tivemos uma elevação desse risco na pandemia, quando chegamos a 88%, caiu no ano passado, continuou em queda em 2022, atingindo 76%, em função dos ajustes que foram feitos. Para 2023, a questão da PEC de transição, de certa forma, pode elevar esse risco, esse nível de endividamento do governo.
Cabe destacar o seguinte: as questões sociais não estão desatreladas da questão fiscal. Eu posso seguir trabalhando melhorias do ponto de vista social, mas tendo responsabilidade fiscal. A PEC, da forma que foi apresentada, com valores de despesas fora do teto para 2023, de R$ 200 bilhões, e com previsão para quatro anos, fez com que o mercado financeiro como um todo enxergasse isso como um risco elevado.
Será que precisamos de quatro anos? Ou poderíamos ter essa flexibilização no teto dos gastos pelo período de um ano e depois revisar e criar uma nova regra para o teto dos gastos? Acho até que é viável ter uma nova regra. Cabe realmente uma análise. Mas tem que tomar cuidado com os valores que serão colocados no próximo ano. Esse é o ponto principal, que chama a atenção do mercado hoje e que pode realmente não casar a questão fiscal com o desenvolvimento econômico.
Se eu tenho um endividamento maior, eu tenho aumento da taxa de juros, eu tenho aumento de inflação e eu prejudico principalmente aquele que o estado quer proteger neste momento, que são as famílias mais necessitadas. Então, é algo que fica como ponto de alerta para o próximo ano.
A CNA elaborou e divulgou um documento durante as eleições presidenciais, com as principais demandas do setor. O que se destaca neste documento?
Elaboramos e discutimos esse documento com produtores e apresentamos a todos os candidatos, tanto à presidência, quanto ao Congresso Nacional. Ele trata do que a CNA espera que seja trabalhado, no âmbito executivo e legislativo, e as reformas estruturantes necessárias.
Já se fala em a reforma tributária ser a primeira a ser discutida. A gente acredita que essa discussão é extremamente importante para o País. O setor apoia desde que ela simplifique e não onere ainda mais os setores da economia. Colocamos, inclusive, neste documento distribuído que, antes da reforma tributária, as reformas administrativa e política deveriam ser priorizadas, até para saber aonde é preciso alocar e ajustar a carga tributária.
Outras questões que estão em nosso documento dizem respeito à segurança jurídica, à política do Plano Safra, ao fortalecimento do seguro rural, ao desenvolvimento social e econômico caminhando junto com o desenvolvimento econômico, sendo um tripé. Enfim, esse documento continua atualizado, para que seja um norte para se buscar um estado mais forte e de crescimento estruturado.
E como o novo governo deve enxergar o agronegócio?
Muito se fala que o agronegócio é a locomotiva econômica do País e, de certa forma, ele tem mesmo ajudado muito. Mas tem uma análise que fizemos sobre a importância do agro para o desenvolvimento do País, sob o ponto de vista social, que às vezes não conseguimos materializar de forma clara.
A pesquisa consistiu em pegar 10% dos municípios do Mato Grosso, com maior aptidão ao agro, e, a partir daí, fizemos um recorte desses municípios comparando com o resto do estado. Quando analisamos, através de indicadores econômicos e sociais, de 2019 e 2020, observamos que quando se fala de PIB desses municípios “agro”, houve crescimento de, em média, 169%, enquanto que os demais cresceram 128% de um ano para o outro.
O emprego cresceu 431% nesses locais, ao passo que os demais registraram aumento de 143%. A taxa de abandono das escolas também foi menor nessas localidades. Enquanto nos outros caiu 0,8%, nos municípios que têm o agro desenvolvido, a queda foi de 0,4%. O mesmo ocorreu com a mortalidade infantil, o número de mortos para cada mil nascidos nos municípios com aptidão agro ficou em 13, enquanto nos outros municípios alcançou 20, para cada mil nascidos.
E assim segue uma tendência, mostrando que onde o desenvolvimento agropecuário é mais forte, os indicadores sociais são melhores. E aí se pode dizer que isso acontece porque o Mato Grosso já tem uma aptidão agropecuária. Pegamos então indicadores de São Paulo, que é um dos estados mais industrializados do Brasil. Consultamos 10% dos municípios do estado, com essa característica, que somou um total de 65 municípios, com maior aptidão agropecuária.
Fizemos a mesma análise comparativa de indicadores e o resultado é basicamente o mesmo: a variação do PIB do agro de 2019 a 2020 foi de 67,4% nos municípios paulistas “agro”, contra 35% dos demais. A taxa de emprego subiu 96,6% no comparativo de um ano para o outro nos municípios agrícolas, contra 65,7% nos demais.